O Preconceito, a discriminação e o oportunismo. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 4 de setembro de 2013 por

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na boca do mentiroso

Uma das características mais marcantes da cultura brasileira é o fato de que gostamos de negar nossos próprios preconceitos. Ou seja, embora sejamos sim uma sociedade preconceituosa e discriminadora em diversos aspectos, não admitimos em voz alta esta realidade. Pergunte a um brasileiro se ele é racista, por exemplo. Dificilmente a resposta será “sim”, até porque, hoje, racismo e outras formas de discriminação são crimes. Mas mesmo antes das leis, já negávamos estas características. Em minha vida cansei de ouvir frases do tipo: “não sou racista, mas não acho ‘normal’ negros e brancos se casarem”. Ou ainda: “não sou machista, mas não confio em uma mulher médica” (esta última frase, de preconceito machista, eu ouvi de mulheres…). Em relação à homossexualidade o preconceito costumava ser mais direto (e ainda é, vide alguns discursos religiosos), mas de resto, em termos étnicos, de gênero, religiosos e de classe social, somos preconceituosos “ocultos”. Alguns amigos negros, costumam dizer que acham o racismo nos EUA “melhor” do que o daqui. Lá, pelo menos, argumentam, sendo às claras, os negros não correm o risco de serem falsamente respeitados.

Não tenho certeza de que o racismo norte americano seja “melhor”, até porque não existe racismo “bom”. Mas enfim, entendo o que meus amigos querem dizer. Nosso preconceito disfarçado irrita pela hipocrisia. Porém, e pode ser apenas impressão minha, penso que estamos avançando neste assunto. O racismo, o machismo e outros preconceitos que geram discriminações e injustiças não desapareceram, mas pelo menos temos “aberto” mais a questão, tocado no assunto e fugido dos antigos estereótipos (algumas vezes até incentivados pela propaganda pública e privada) de sermos uma “democracia racial” ou um país “igualitário”. Não é um processo simples e ainda temos muito a refletir e criar, mas ainda penso que estamos avançando.

No entanto, junto com a discussão, a reflexão e a busca da eliminação dos preconceitos, seja culturalmente, juridicamente ou socialmente, existem também os “desvios” feitos por oportunistas malandros. Sei de um político negro que, pelo menos por duas vezes, rebateu críticas às suas atitudes dizendo que eram fruto do “racismo”. Na minha avaliação, ele é péssimo. Autoritário, nepotista, subserviente aos políticos de cargo superior e clientelista. Mas no discurso dele, estas críticas, que são feitas por muita gente, são “racismo”…

É uma inversão interessante do ponto de vista sociológico. O discurso igualitário e justo sendo subvertido, utilizado para defender o indefensável, amenizar características e atitudes de um indivíduo que, por pertencer a uma etnia discriminada, “utiliza” o racismo dominante para legitimar suas atitudes e calar os críticos. Mas do ponto de vista da democracia e da própria luta pela igualdade e do fim do racismo, é um fenômeno terrível, danoso e imoral. Esconde o debate, elimina ilegitimamente as críticas e até constrange aqueles que refletem mais seriamente sobre a política.  Deslegitima a luta real e desmerece aqueles que realmente são vítimas do racismo. Pode até, no limite, levar negros e militantes anti racismo a, numa análise superficial, apoiarem aqueles que argumentam perseguição racial para defender suas atitudes estúpidas. Isto não é nada incomum. O deputado Marco Feliciano fez declarações inaceitáveis sobre negros e homossexuais, mas se utilizou de um preconceito real do país (contra evangélicos) e arrebanhou a simpatia e apoio de milhares de evangélicos, argumentando que recebia críticas não pelo que falou, mas pela sua condição de pastor.

E o pior é que estas atitudes não se limitam ao político negro que conheço e nem ao deputado que citei. Oportunistas e malandros de todo tipo tem se valido do mesmo artifício. Pessoas sem caráter, sejam homossexuais, negros, mulheres, minorias religiosas; que desempenham cargos políticos ou não, utilizam sim a mesma inversão de discurso para amenizarem atitudes erradas ou até criminosas. Você duvida? Bem, o PCC, uma organização que seqüestra, mata, tortura, rouba e oprime, utiliza o “slogan” paz, justiça e liberdade. Ora, que raios de “paz, justiça e liberdade” eles propagam? Nenhuma! Estão apenas criando uma “cortina de fumaça” em torno de seus crimes usando uma frase que relembra fatos reais: a discriminação aos pobres, a injustiça social e as péssimas condições carcerárias do Brasil.

Claro que pessoas assim, dentro dos grupos discriminados, não são maioria (ainda bem), mas são indivíduos que, assim como batatas podres, apodrecem a luta de milhares de outros pela sua auto afirmação e pela justiça. No fim das contas, para tais pessoas, o racismo e as demais formas de preconceitos são úteis, uma vez que servem aos seus interesses pessoais e são utilizados com falsa defesa.

Seja você quem for, branco, negro, asiático, religioso, ateu, homossexual, heterossexual, mulher, homem, rico, pobre, culto ou ignorante, lembre-se que nenhuma destas características determina o seu caráter e a sua honestidade. Pode sim, alterar sua condição de vida e até, no limite, levá-lo a atitudes injustas (como a do pobre que comete crimes para sobreviver), mas este é um efeito perverso da discriminação que deve ser combatido, e jamais uma justificativa para atitudes erradas e muito menos refúgio de malandros e vigaristas. Ao lutar pela justiça, pela igualdade, não se esqueça que muitas vezes o inimigo “igual” pode ser tão danoso ou até mais do que aquele “tradicional”. Fique atento a eles que boicotam sua luta.

confiança do ingênuo

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