Uma das características mais marcantes da cultura brasileira é o fato de que gostamos de negar nossos próprios preconceitos. Ou seja, embora sejamos sim uma sociedade preconceituosa e discriminadora em diversos aspectos, não admitimos em voz alta esta realidade. Pergunte a um brasileiro se ele é racista, por exemplo. Dificilmente a resposta será “sim”, até porque, hoje, racismo e outras formas de discriminação são crimes. Mas mesmo antes das leis, já negávamos estas características. Em minha vida cansei de ouvir frases do tipo: “não sou racista, mas não acho ‘normal’ negros e brancos se casarem”. Ou ainda: “não sou machista, mas não confio em uma mulher médica” (esta última frase, de preconceito machista, eu ouvi de mulheres…). Em relação à homossexualidade o preconceito costumava ser mais direto (e ainda é, vide alguns discursos religiosos), mas de resto, em termos étnicos, de gênero, religiosos e de classe social, somos preconceituosos “ocultos”. Alguns amigos negros, costumam dizer que acham o racismo nos EUA “melhor” do que o daqui. Lá, pelo menos, argumentam, sendo às claras, os negros não correm o risco de serem falsamente respeitados.
Não tenho certeza de que o racismo norte americano seja “melhor”, até porque não existe racismo “bom”. Mas enfim, entendo o que meus amigos querem dizer. Nosso preconceito disfarçado irrita pela hipocrisia. Porém, e pode ser apenas impressão minha, penso que estamos avançando neste assunto. O racismo, o machismo e outros preconceitos que geram discriminações e injustiças não desapareceram, mas pelo menos temos “aberto” mais a questão, tocado no assunto e fugido dos antigos estereótipos (algumas vezes até incentivados pela propaganda pública e privada) de sermos uma “democracia racial” ou um país “igualitário”. Não é um processo simples e ainda temos muito a refletir e criar, mas ainda penso que estamos avançando.
No entanto, junto com a discussão, a reflexão e a busca da eliminação dos preconceitos, seja culturalmente, juridicamente ou socialmente, existem também os “desvios” feitos por oportunistas malandros. Sei de um político negro que, pelo menos por duas vezes, rebateu críticas às suas atitudes dizendo que eram fruto do “racismo”. Na minha avaliação, ele é péssimo. Autoritário, nepotista, subserviente aos políticos de cargo superior e clientelista. Mas no discurso dele, estas críticas, que são feitas por muita gente, são “racismo”…
É uma inversão interessante do ponto de vista sociológico. O discurso igualitário e justo sendo subvertido, utilizado para defender o indefensável, amenizar características e atitudes de um indivíduo que, por pertencer a uma etnia discriminada, “utiliza” o racismo dominante para legitimar suas atitudes e calar os críticos. Mas do ponto de vista da democracia e da própria luta pela igualdade e do fim do racismo, é um fenômeno terrível, danoso e imoral. Esconde o debate, elimina ilegitimamente as críticas e até constrange aqueles que refletem mais seriamente sobre a política. Deslegitima a luta real e desmerece aqueles que realmente são vítimas do racismo. Pode até, no limite, levar negros e militantes anti racismo a, numa análise superficial, apoiarem aqueles que argumentam perseguição racial para defender suas atitudes estúpidas. Isto não é nada incomum. O deputado Marco Feliciano fez declarações inaceitáveis sobre negros e homossexuais, mas se utilizou de um preconceito real do país (contra evangélicos) e arrebanhou a simpatia e apoio de milhares de evangélicos, argumentando que recebia críticas não pelo que falou, mas pela sua condição de pastor.
E o pior é que estas atitudes não se limitam ao político negro que conheço e nem ao deputado que citei. Oportunistas e malandros de todo tipo tem se valido do mesmo artifício. Pessoas sem caráter, sejam homossexuais, negros, mulheres, minorias religiosas; que desempenham cargos políticos ou não, utilizam sim a mesma inversão de discurso para amenizarem atitudes erradas ou até criminosas. Você duvida? Bem, o PCC, uma organização que seqüestra, mata, tortura, rouba e oprime, utiliza o “slogan” paz, justiça e liberdade. Ora, que raios de “paz, justiça e liberdade” eles propagam? Nenhuma! Estão apenas criando uma “cortina de fumaça” em torno de seus crimes usando uma frase que relembra fatos reais: a discriminação aos pobres, a injustiça social e as péssimas condições carcerárias do Brasil.
Claro que pessoas assim, dentro dos grupos discriminados, não são maioria (ainda bem), mas são indivíduos que, assim como batatas podres, apodrecem a luta de milhares de outros pela sua auto afirmação e pela justiça. No fim das contas, para tais pessoas, o racismo e as demais formas de preconceitos são úteis, uma vez que servem aos seus interesses pessoais e são utilizados com falsa defesa.
Seja você quem for, branco, negro, asiático, religioso, ateu, homossexual, heterossexual, mulher, homem, rico, pobre, culto ou ignorante, lembre-se que nenhuma destas características determina o seu caráter e a sua honestidade. Pode sim, alterar sua condição de vida e até, no limite, levá-lo a atitudes injustas (como a do pobre que comete crimes para sobreviver), mas este é um efeito perverso da discriminação que deve ser combatido, e jamais uma justificativa para atitudes erradas e muito menos refúgio de malandros e vigaristas. Ao lutar pela justiça, pela igualdade, não se esqueça que muitas vezes o inimigo “igual” pode ser tão danoso ou até mais do que aquele “tradicional”. Fique atento a eles que boicotam sua luta.
Amadeu Provenzano Filho
4 de setembro de 2013
Já ouvi essa história de oportunismo racial de político daqui da nossa cidade e não descarto a possibilidade de que diante dos acontecimentos no legislativo,vá e apele e alegue à Justiça que estão contra ele por ser ele negro, que isso é discriminação racial, como outras vezes fez para intimidar pessoas que se opuseram às suas idéias e atitudes : que ele usa esse artifício, não tenham dúvidas. As pessoas que receberam esse tipo de ameaça deveriam se apresentar ao Ministério Publico para testemunhar isso: conheço pessoa que desabafou comigo e desistiu de lutar por segurança na cidade que, ameaçada, calou-se por medo de ser perseguido e ter que responder processo por ameaça pessoal do político. que se diz evangélico, crente. Como bem disse uma senhora, que quem o introduziu na política foi o Elias Boaventura ainda quando era jardineiro, dos serviços gerais da Unimep, que os restos mortais de Elias devem ter se revirado no túmulo com as atitudes desse .político. Quando escreve que sabe de um político negro que, pelo menos por duas vezes, rebateu críticas às suas atitudes dizendo que eram fruto do “racismo”, refiro-me à mesma pessoa que sofreu ameaça desse tipo. Portanto, seu texto, parabéns, expressa a verdade, tão somente a verdade.
André Tietz
4 de setembro de 2013
É isso aí MESTRE.
Camila
4 de setembro de 2013
Excelente texto! Assunto delicado. Vivemos há tempos o preconceito velado, em relação a vários grupos sociais. Fica dificílimo argumentar com quem não admite esta característica em sim mesmo. Provavelmente nem a reconhece em si. Travei alguns diálogos bastante acalorados em relação ao machismo com alguns colegas e o máximo que consegui foi sair muito frustrada dessas conversas. Quanto aos oportunistas, não há limites para seus engodos. Tudo o que importa é tirar proveito de qualquer questão em benefício único e exclusivamente próprio.
Anônimo
27 de setembro de 2013
Boa tarde! Agradeço a oportunidade de colocar aqui, uma questão que existe a mais de um século. Diz respeito ao racismo, mais especificamente aos negros.
Hoje, mais do que nunca, se tem falado na questão da discriminação. Existe até legislação discorrendo sobre o assunto. Mas o que mais me tem deixado “louco” é o fato de que a legislação não consagrou nenhum dispositivo resgatando a dignidade do negro no Brasil. Isto vem criando uma inquietação crescente e absurda, porque a situação é mesma desde 13.05.1888, quando da libertação.
Negros trazidos da África a força, com famílias destroçadas, sofrendo horrores e morrendo em porões de navios, chegavam aqui e eram açoitados noite e dia nas piores lides, sendo tratados que nem porcos, amontoados em senzalas sem a mínima condição de sobrevivência, superaram tudo e todos, se refugiando em quilombos.
Dos 27 Estados brasileiros, 24 possuem Quilombos. Embora muito tenha sido feito em favor da raça, muito mais já poderia ter sido concretizado. Não é admissível que haja extrema morosidade na questão fundiária dos Quilombos. Cento e vinte anos se passaram e os descendentes ainda vivem a margem da sociedade.
Programas habitacionais e comissão da verdade não são estendidos aos negros.
De que adianta a lei de cotas, se socialmente o negro não tem acesso a programas e projetos governamentais. Os que existem ficam emperrados nas gavetas, quando não são barrados por leis, instruções normativas, etc., etc.
Enquanto isso, o programa minha casa minha vida, premia loteamentos em área urbana, de excelente localização, com toda a infra-estrutura básica como, luz, água, esgoto, asfalto e agora, até mobília.
Dentre os vários programas habitacionais nas esferas municipais, estaduais e federal, nenhum contempla os quilombos.
Colônias de várias etnias se fixam no País e obtém toda a assessoria dos governos.
O negro permanece em quilombos, nas periferias, e em favelas sem nenhuma assistência.
O Brasil é hoje uma potência emergente graças ao suor e sangue do negro, que morreu neste solo. Ainda vivemos a mesma situação de 1888, quando a chamada libertação nos atirou a margem da sociedade. O negro na sua origem vivia feliz ou não na sua terra natal. Desde sua vinda para o Brasil, só encontrou violência, tortura e toda a sorte de barbárie.
Comissão da verdade só para a elite. Moradia descente só para morador de rua e andarilhos.
Para os negros e seus descendentes, a periferia das cidades, quilombos ou favelas. Quando o poder público chega até eles é com oficial de justiça e/ou polícia.
Hoje, raramente um negro assume papel de executivo, e até pode permanecer ali por algum tempo. Mas a imoralidade é tanta que logo sofre “uma queda vexatória planejada”. Porque ninguém consegue se manter íntegro por muito tempo neste sistema imoral.
Esta é a realidade do negro no Brasil, que contraria tudo o que esta redigido na Carta Magna do País.
Zé povinho, em 27/09/2013.