Coluna do Evandro. Afasta de mim esse “cale-se”.

Posted on 30 de setembro de 2013 por

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fundamentalismo

“Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue”

 

Quando o mundo ficou tão fundamentalista? Em que momento isso aconteceu com nossa política?

O descaso político histórico no nosso país gerou um grupo de pessoas oportunista que descobriram como manipular a massa de manobra, que é bem grande.

Em respeito a inúmeras pessoas que conheço e que são cristãs, tenho que afirmar que não são todos que são fundamentalistas, alguns evangélicos e católicos são mais respeitosos e compreensivos do que muitos que considero liberal e não religioso.

No entanto em nossa política, surgiu um grupo de fundamentalistas que adquiriram nas falas religiosas poder de convencimento.

 

“Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor e engolir a labuta?
Mesmo calada a boca resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta”

 

Frases simples e de efeito conduzem pessoas que não tem vontade ou oportunidade de um raciocínio mais elaborado, vimos o fundamentalismo dominar nações e destruir milhares, milhões de vidas. Na segunda guerra mundial, as frases que Hitler utilizava, em sua maioria, eram curtas e de efeito, falando inclusive em nome de Deus, não diferente do que alguns líderes fazem hoje. Em seus discursos cheios de energia e ânimo, fazem apologias ao crime, esquecem que ao pronunciarem frases contra a um determinado grupo, alicerçam as atitudes dos fracos de pensamentos e fortes de ações, atiçam aqueles que agridem com lâmpadas florescentes, facas, paus e balas.

 

“De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta”

 

É nesse cenário, de falsa tranquilidade que vemos o nosso direito básico de ir e vir, sendo violado. Aos que dizem que não existe homofobia, lembrem-se das ameaças que o Jean Wyllys sofre diariamente, inclusive, trago a memória as ameaças contra os estudantes da Universidade de Brasília (UnB) e também contra o deputado federal em questão. Dois ativistas neonazistas que planejavam realizar um ataque a alunos do curso de ciências sociais na UnB, possuíam mapas, esquema e armamento para executar o plano, que por sorte, foi impedido pela polícia federal. Em depoimento, um dos rapazes afirmou que os alunos de ciências sociais eram maconheiros e praticantes de sexo não natural, que eles iam contra a vontade de Deus.

 

“Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada, prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa”

 

Não podemos calar, não podemos esquecer o que foi a ditadura, a segunda guerra, o que ainda acontece em países Islâmicos, em lugares onde a religião define a política, não podemos aceitar fundamentalistas decidindo por toda uma nação. As ideias fundamentalistas que perseguem, matam e excluem, não podem ser consideradas santas, não podem ser consideradas de Deus.

A fé e o direito a exercer as filosofias religiosas, são direitos invioláveis, mas não podemos aceitar esse “cale-se” tão tinto (sujo) de sangue.

A democracia é do povo, pelo povo e para o povo, embora alguns achem que a democracia é a vontade da maioria, ela não pode exercer essa vontade em detrimento a quaisquer outras minorias. É preciso que seja feita a vontade da maioria, mas não quando essa vontade viola direitos de outros.

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, Pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calado o peito resta à cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Não se faz democracia, excluindo, oprimindo e ignorando, o estatuto do nascituro é um crime contra a mulher, não se devem decidir políticas públicas com base em conceitos religiosos, o Brasil pode ter sua maioria cristã, mas a nação é laica, e a riqueza das crenças é muito mais ampla. A vida dos brasileiros não pertence a uma crença e muito menos aos seus valores, decisões políticas não devem ter como base a fé, que é pessoal.

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça!
Minha cabeça perder teu juízo.
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

(Cálice – Chico Buarque)

 

Pai, afasta de mim esse cale-se, e que minha voz seja unida a muitas outras, e que nossas vozes virem gritos que rompam toda essa falsa religiosidade, que fundamentalistas usam de prestígios e da ignorância do povo para conquistar poder político. Que o monstro que se forma na lagoa do Distrito, dos estados e dos municípios, não nos assombre mais.

Pai, não quero ser filho da santa igreja, se essa também me exclui. Liberta minha voz e não permita o meu cale-se, pois o vinho já está sujo de sangue, mas creio que de tanta usada a faca já não machucará a todas e todos que clamam.

Pai afaste de mim esse cale-se de vinho tinto de sangue.

Evandro Mangueira, Nascido em 1979 na cidade de Cajazeiras, que tem por título “A cidade que ensinou a Paraíba a ler.” Atualmente mora em Piracicaba-SP, cidade que adotou como sendo sua também. Tem por formação Gestão Financeira, mas encontra-se nas letras tanto quanto se encontra nos números.

Autor do livro: Arcanjo Gabriel