
Fonte da foto: http://www.bestriders.com.br/
De vez em quando vou a São Paulo e lá me hospedo no apartamento que um casal de amigos mantém na cidade. Ocorre que como o apartamento é bem localizado e eu não me desloco até bairros muito distantes, tenho a oportunidade de ir sem carro, usando metrô, ônibus e eventualmente um táxi. Quer saber? É muito, muito bom. E é também uma contradição dupla. Por um lado eu não posso prescindir do carro em minha cidade, que é muito menor, e por outro consigo usar o transporte público (ou caminhar) em uma cidade tida como das de maior problema de mobilidade urbana no mundo.
Claro que é uma situação incomum. Eu não moro em São Paulo, apenas vou eventualmente e muitas vezes sem compromissos. Além disto, o apartamento está numa localidade privilegiada, na qual o serviço de metrô é bom e as linhas de ônibus são razoavelmente bem servidas. Se eu vivesse e trabalhasse lá, tendo que me deslocar mais, não poderia deixar de ter carro, assim como não posso deixar de tê-lo aqui. Mas a cada vez que vou e fico sem automóvel, lembro que tenho um sonho de (não) consumo. Descubro que desejo ardentemente não precisar ter carro. Carros, para começar, são caros. Depois vêm o seguro, caro também, aumentando na mesma proporção que aumenta o número de veículos. Temos ainda o IPVA, o combustível e a manutenção. Aliás, esta última cada vez mais freqüente, já que vivemos na sociedade do “descarte”, na qual as indústrias produzem tudo com baixa durabilidade de maneira proposital. Assim, depois de um ou dois anos, você começa a gastar muito com mecânica e peças, para não dizer que logo terá que trocar o carro fazendo uma despesa grande novamente. E não acabou aí. Temos ainda os pedágios, estacionamentos privados, estacionamentos públicos (as enganosas “zonas azuis”), os “flanelinhas”, as lavagens e outras coisas que mantém os gastos constantes.
E isto tudo diz respeito aos custos econômicos. Existem outros. O estresse de ficar tempo no trânsito e o do próprio trânsito também são custos. Ficar quarenta e cinco minutos retido no trânsito de Piracicaba já é ruim. Horas, como se fica nas grandes cidades, é enlouquecedor. A insegurança no trânsito cobra outro custo em estresse. Quanto mais carros, maiores as possibilidades de acidentes. É matemático, físico, você não escapa desta possibilidade na medida em que está andando pertinho de muitos outros veículos. Qualquer erro ou imprevisto seu ou de outros e temos um acidente. Toda esta tensão, por sua vez, se reflete em brigas, conflitos de rua, que muitas vezes chegam à agressão ou mesmo ao assassinato. Isto tudo, eu penso, é custo.
E com tantos custos, financeiros ou não, por que temos tantos carros? A resposta dupla. Em primeiro lugar porque não temos transportes coletivos de qualidade e em quantidade. E em segundo lugar, porque a indústria automotiva é lucrativa, muito lucrativa. Pense bem. Se tivéssemos redes de transportes públicos variadas e eficientes, além de outras boas condições de mobilidade alternativas, deixaríamos de “alimentar” toda uma cadeia de negócios que vai do combustível aos estacionamentos, passando literalmente pelos pedágios e pelos impostos. Deixaríamos de alimentar também a “indústria” de obras viárias, que faz a alegria (e o lucro) das construtoras e de políticos. O descarte também seria menor. Não se concebe um trem de metrô durando o mesmo que um carro (pouco) e logo o lucro da descartabilidade também seria reduzido. Enfim, a verdade é que não interessa a nenhum destes setores, que aumentemos as alternativas de transporte público para além dos veículos particulares. Ao contrário, a piora dos transportes coletivos mais as propagandas muito bem feitas que prometem virilidade e aventura aos proprietários de carros, só aumentam o desejo pelos automóveis, tornando-o um sonho de consumo nacional.
Meu sonho de consumo, como eu disse, é não precisar ter carro. Claro que sei que isto não é simples. Que as cidades cresceram demais e que não temos ainda soluções totais para a questão da mobilidade. Sei ainda que eu provavelmente não viverei para ver as coisas mudarem de fato, mas se não começarmos imediatamente a rever e repensar nossa estrutura de transportes, então estaremos apostando na insustentabilidade e no colapso. Ter veículos particulares como principal alternativa de transporte dá lucro para alguns, mas é caro e inviável para a maioria. E acreditar no carro como sinônimo de status, conforto e aventura é, cada vez mais, visivelmente estúpido.
Gleison
2 de outubro de 2013
Uma pergunta: em Piracicaba, quanto se investiu na última década em transporte coletivo e ciclovias, e quanto se investiu em obras viárias que estimulam o uso do automóvel particular?
Seguimos na contramão das tendências mundiais e até nacionais, como em Sorocaba, onde o poder público vem investindo e estimulando o uso de transporte público e principalmente de bicicletas, com uma invejável malha de ciclovias.
Gleison
2 de outubro de 2013
Detalhe: o prefeito de Sorocaba também é do PSDB…
Carla Betta
2 de outubro de 2013
EXATAMENTE!!
Anônimo
2 de outubro de 2013
Com todo o respeito Gleison, seu questionamento sobre cilcovias. Onde elas estão. Isso que temos aqui são
circo vias
Gleison
2 de outubro de 2013
Exatamente. Ciclovias que levam do nada a lugar nenhum. Feitas apenas para o lazer e não como alternativa de locomoção. Para chegar até elas, os ciclistas vão de carro, levando as bicicletas nos porta-malas. Ao invés de solução, mais problemas!
Evandro Mangueira
2 de outubro de 2013
Dizem que um dia o trânsito irá parar, sairemos de casa e simplesmente não conseguiremos andar, pois o número de carros será tão grande que não se terá mais espaços nas vias. Torço por esse dia, assim veremos o tamanho de nossa estupidez.
Mirian Rother
2 de outubro de 2013
Sempre insisto na questão da interdependência entre mobilidade urbana, mobilidade informacional e mobilidade social. Ou pensamos mobilidade desta forma integrada, ou não chegaremos a lugar nenhum. Trata-se de uma postura ética e política que seja inclusiva, ambientalmente adequada e por último, mas talvez mais importante, tratar o automóvel como o luxo anti-social que ele é, ou seja, o que é púbico é público, assim a cidade é de pessoas e não de proprietários de automóveis. Mas pergunto, amigos: quem quer saber disso????? Parabéns pelo artigo, amigão!