(Neste Blog tenho o prazer e a honra de publicar textos excelentes de outras pessoas. Mas o que me enche de orgulho é publicar textos de jovens estudantes, como este, de Gabriela Feliciano. Gabriela prepara-se para cursar medicina e, se depender de sua sensibilidade e lucidez, será uma médica maravilhosa. Amstalden)
Vamos falar sobre consciência negra. Em primeiro lugar, os assuntos recorrentes nas redes sociais me chamaram atenção para o descaso das pessoas. No dia das crianças, várias fotos de crianças e desenhos animados. No dia da Nossa Senhora de Aparecida, várias mensagens de “Que a Nossa Senhora esteja com você!”. Na virada de ano, várias mensagens de positividade. No dia dos namorados, várias fotos de buquês de flores e ursinhos de pelúcia. No dia da consciência negra, quase nada. Em segundo lugar, vamos apelar para o bom e velho dicionário. De acordo com o “Dicionário Aurélio online”, um dos significados de “Consciência” é “A percepção mais ou menos clara dos fenômenos que nos informam a respeito da nossa própria existência”. Logo, podemos dizer que “Consciência negra” diz respeito ao reconhecimento dos fenômenos e das implicações que levam uma pessoa a se entender como negro. E se entender como negro não tem nada a ver com se encaixar naqueles padrões clichês: o jogador de futebol, o lutador de boxe, o cantor, o dançarino de break dance, o sambista, o boêmio, o trabalhador braçal, o favelado, o presidiário. Se entender como negro é entender porque esses padrões ainda existem, valorizar a cultura negra, sentir orgulho da raça, cobrar a plenitude dos direitos e buscar incessantemente a “utópica” justiça social.
Por mais que o ideal seja que os seres humanos se reconheçam como iguais, a democracia racial não existe. Um homem e uma mulher negra no Brasil não são apenas pessoas, são pessoas negras; a raça é sempre um pré-requisito, um cartão de visita. Um jovem negro que concorre com um jovem branco pra um bom emprego não é contratado, mesmo que seja mais qualificado. Ou seja, as relações sociais são imersas num preconceito disfarçado que marca o negro como um ferro quente. Embora a escravidão tenha acabado há mais de um século, ainda sentimos o açoite e as correntes, e é com lágrimas nos olhos que admito isso.
Muitas pessoas acham que o racismo não persiste, ou por pura ingenuidade, ou por falta de percepção e experiência de vida, ou por se negarem a enxergar o óbvio. Porém, ele se manifesta através de várias formas: Um negro que acha que não deve estudar porque se considera menos capaz que os brancos e porque seu destino é ser pobre e marginalizado como todos os seus familiares sempre foram e são; Um grupo de pessoas que muda de calçada por medo de ser assaltado pelo negro que vem vindo; Um policial que revista e surra o menino negro que passa por um bairro nobre; Uma mulher negra que é abandonada grávida pelo namorado, pois ele não pode assumir compromisso com uma negra; Uma criança negra que é alvo de piadas na escola porque tem cabelo “ruim”. O racismo se manifesta também através do Estado brasileiro, o qual sempre foi omisso e condizente com as disparidades entre negros e brancos. O racismo se manifesta através de você, leitor que acha que tudo o que eu disse até agora é exagero e vitimização.
O dia da consciência negra deve ser lembrado e celebrado por toda a população brasileira, não apenas pelos negros, pois o sucesso de um ideal depende de amplo apoio. O dia de hoje representa a máxima expressão de um sentimento que eu compartilho todos os dias com o mundo: a alegria de ser quem eu sou, uma mulher negra brasileira que “Possui a estranha mania/ De ter fé na vida”, como compôs Milton Nascimento em “Maria, Maria”.
Salve, salve, negros de todo o Brasil!
Gabriela Feliciano é estudante.
Evandro Mangueira
28 de novembro de 2013
Ótimo texto, e concordo que existe uma nova patrulha contra o “politicamente correto” que em um só som dizem: tudo agora é preconceito! Talvez seja mesmo, tudo tenha um fundo de algo pré conceituado!
Walter Chaves
28 de novembro de 2013
Muito bom menina! Belo exemplo! Parabéns Gabriela!
fernando
28 de novembro de 2013
Legal sua visão Gabi! Tem uma coisa que eu acho que devemos prestar atenção: falar que o Estado foi omisso e condizente com o racismo é minimizar muito seu papel como >agente< na manutenção de uma estrutura social racista. Foi o Estado que acabou com Palmares, e é o Estado, através da polícia(militar e civil), que mata os jovens negros nas favelas. Inclusive jovens sem nenhum tipo de ligação com o crime.
Amadeu Provenzano Filho
28 de novembro de 2013
Primeiro, o texto expõe com clareza a dor do estígma da negritude. Certa vez, participei de um momento de retiro em que o pregador esfregava a mão no braço de um negro e perguntava: “sai tinta?” – não, respondiam ; “sujou a minha mão?” – não, diziam; “o meu sangue é vermelho, e o dele de que cor è?” – vermelha. “E por que é que fazemos isso com estes nossos irmãos?” Qual raça se é assim que podemos dizer, foi arrancada à força da sua terra e negociada com reinos para serem escrevos? Me recordo que o papa João Paulo II visitando a África, pediu perdão em nome da Igreja aos negros por ter sido omissa nessa questão. Depois, os EUA por Barac Obama, doava um valor à África por resgate dos negros tirados à força no passado. De qualquer forma, ainda o mundo “branco” tem uma dívida imperdoável cometido no passado. Isso tudo ainda é nada para resgatar o lado triste dos fatos. A África foi empobrecida, rapada, deixada na miséria extrema por reinos europeus e por países do ocidente. E o Brasil se não tirou nem rapou, roubou a dignidade, roubou as raízes de uma cultura que sabemos, no mínimo é rica como sempre foi. E penso que a data da celebração embora seja no dia 20 de novembro – pouca gente dá a importância necessária, deveria sempre acontecer num domingo fixo do mês para que pudessem acontecer congraçamentos, festividades, discussões onde pudessem estar juntas pessoas de todas as etnias. Gabriela Feliciano é uma das preciosidades que só enriquece e enobrece a cultura negra.
Carla Betta
28 de novembro de 2013
Salve, salve, Gabriela! Belo texto! Bem escrito e bem argumentado. Se quiser, leia o meu artigo neste blog sobre racismo na experiência de uma branca que teve filhos mulatos, lindos, diga-se de passagem, sem corujice nenhuma, eu comprovo. Se quiser, enriqueça-o com seus comentários. Continue escrevendo bem assim, parabéns!!