O Brasil e os nomes. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 18 de dezembro de 2013 por

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No vidro do carro simples à minha frente, um adesivo daqueles que tem um desenho de bebê, avisa que “Mary Kelli” está a bordo. Tenho visto muito destes nomes atualmente. Deivids, Kathyllyns e, claro, muitos Maiquels e Dayannes e suas inúmeras variações ortográficas, todas nada brasileiras e na esmagadora maioria das vezes, erradas também na língua que se pretende ser a original do nome.  Eu entendo que nomear um filho é sempre algo muito simbólico, muito subjetivo. Que às vezes significa uma homenagem a alguém que conhecemos ou à um artista,  um atleta que apreciamos. Também entendo que em alguns casos os pais  simplesmente gostam da sonoridade dos nomes que escolhem. Temos ainda o fato da globalização desigual, que inunda nossa televisão e nossas rádios com músicas, filmes e programas principalmente americanos, o que por sua vez serve de inspiração para o nome de muitas crianças. No fundo, também entendo e aceito que seja uma questão de gosto  e minha apreciação não vem ao caso.

 Porém, suspeito que além de todos os fatores que citei acima, existe também outro motivo pelo qual tantos nomes “exóticos” são dados aos filhos. Ocorre que a rigor, não somos muito de valorizar nosso próprio país e cultura e assim, aquilo que é nosso (excetuando talvez o desempenho no futebol e algumas belezas naturais) não é lá algo que impressione a nós mesmos enquanto um povo. E isto é uma característica que vem desde a época colonial, quando não podíamos mesmo ter outra auto-imagem uma vez que a metrópole fazia questão de sublinhar nossa “inferioridade” para manter seu domínio. Mesmo quando passamos a ser uma nação “independente”, continuamos sob a influência política e econômica européia, trocando o domínio direto português pelo domínio indireto da Inglaterra. Nestas condições, nos acostumamos a desprezar nossa própria condição de povo e a nossa cultura e daí a supervalorização do que é externo, estrangeiro, inclusive nos nomes e sobrenomes. Já ouvi muitas vezes, por exemplo, que meu sobrenome é “chique”. Mas, o que significa Amstalden? Nada além de “junto do Stalden”, que por sua vez é um lugarejo montanhoso na Suíça. Oras, se minha família fosse “chique”, não teria que ter migrado para o Brasil, mas teve que fazê-lo movido pela pobreza. E isto não nos faz diferentes dos pobres que aqui estavam, embora muita gente (inclusive alguns de minha própria família) pense que éramos algum tipo de nobreza. Claro que não éramos. Viemos e alguns prosperaram, outros nem tanto. Alguns são gente de caráter, outros, bem, nem tanto… Enfim, somos uma família como outra qualquer, com coisas boas e más. Assim não há porque valorizar um nome de origem estrangeira e desprezar outros, mais comuns no Brasil. Muito menos dar a seus filhos nomes estranhos em busca desta mesma distinção imaginária.

Minha análise, porém, não significa que sou um “nacionalista” e ufanista.  Não acredito que o Brasil seja o melhor país do mundo ou superior a outros. O fato é que não acredito que nenhum povo ou país seja perfeito ou ideal. Tampouco acredito que um seja superior ao outro. Todos têm características boas e ruins ao mesmo tempo. Um povo pode ser mais rico, mais organizado e até mais eficiente, em alguns aspectos, do que outros, mas o paraíso não existe entre as nações desta Terra e, muitas vezes “boas características” como a riqueza, são obtidas às custas da exploração de outros povos e nações. Aliás, os organizados alemães cometeram as atrocidades do Holocausto de maneira muito ordenada. Os eficientes ingleses, moveram (dentre muitas outras) uma bem sucedida campanha militar para vender ópio para a China e os  honestos americanos tomaram boa parte do território mexicano além de massacrar seus índios da mesma maneira que nós.

 Na verdade, acredito que se há alguma coisa se muito positivo no ser humano em geral, é a capacidade de mudar, de se desenvolver não só economicamente, mas também eticamente e filosoficamente. E daí vem a questão. Se um país não é capaz de se valorizar minimamente, mas sempre se espelha no que lhe é externo, não vai encontrar seus próprios pontos positivos e desenvolvê-los. É uma postura que impede o equilíbrio e a visão clara de nós mesmos. A mudança, o equilíbrio e o desenvolvimento geral que cito, são possibilidades concretas e começam, creio eu, com atitudes pequenas, como perceber se o nome que estamos escolhendo para nossos filhos deve-se a um gosto real, uma homenagem ou a uma negação de nossa identidade.

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