Apresentação: Alexandre Pacheco é médico e a partir de agora, torna-se também colaborador e articulista deste Blog. Para mim, que o conheço desde garoto e sei de sua capacidade e inteligência, é um prazer e uma honra tê-lo como nosso parceiro. Bem vindo Alexandre, e obrigado por estar conosco. Amstalden.
Considero este um dos dilemas da medicina dos nossos dias.
A ciência, com sua lógica metafísica e matemática, sofrendo evolução violenta e incontestável nas últimas décadas, afastou os médicos dos males da alma, focando nos males do corpo. Surgiram as máquinas de diagnósticos e suas incríveis façanhas e seus custos também incríveis . Mais recentemente, com as políticas de extensão universal da saúde, com o estado assumindo o papel de seu promotor e com o advento dos planos de saúde e medicares da vida, houve a necessidade do barateamento do custo do profissional médico.
A saída para os médicos tem sido produzir mais em menos tempo. Surgem os super-especialistas, que tratam um espectro cada vez menor de doenças, com muito mais capacidade que os demais. A grande maioria dos doentes chega triado e tem rapidamente seus diagnósticos e condutas executadas. Se ganha tempo e precisão no trabalho. Se o problema não diz respeito ao profissional, basta indicar um colega especialista na área e a roda gira…
É uma tendência mundial. Recentemente visitei serviços nos EUA e na França onde cirurgiões realizam somente um tipo de cirurgia. As equipes são super treinadas e tudo acontece como numa linha de montagem, com rapidez e profissionalismo. Os avanços técnicos conseguidos nestes tipos específicos de cirurgia são tremendos. Aprendi muito sobre técnica cirúrgica nestes serviços. Mas aprendi pouquíssimo sobre estas doenças e nada sobre como evitá-las ou preveni-las.
Esta medicina, como a consulta é mais rápida, normalmente não há tempo para ouvir os medos, traumas e lamentações dos doentes. Este afastamento desafoga o médico porque é difícil ouvir. Por outro lado, gera uma angústia tremenda. É muito comum os doentes saírem do consultório ainda com dúvidas, coisas por falar. Isso angustia também o médico, porque a linguagem corporal fala por si só, nossas almas conversam a despeito de nossas bocas. A necessidade humana de compreensão é universal.
Chegamos aos nossos dias, com muita tecnologia, muitos recursos, aumento na expectativa de vida e verdadeiras pandemias de ansiedade estampadas nas fibromialgias e dores miofasciais, nas lesões por esforço repetitivo, nas alergias e nas doenças auto-imunes, entre outras. Numa tentativa de minimizar esta ansiedade, nossas compulsões alimentares, tabagismo, etilismo, e as socialmente toleradas e até ovacionadas como por exercício físico, sexo, trabalho, consumo, etc.
Alguns médicos nos dias de hoje ainda conseguem algo diferente. Geralmente são aqueles que de alguma forma conseguem remuneração e disponibilidade para os pacientes por 30 a 60 minutos para uma boa consulta e principalmente para chamar o doente pelo nome, olhar nos seus olhos, se calar e ouvir… Consegue-se uma melhor compreensão do problema e maior adesão ao tratamento. A mudança de hábitos e atitudes, o cerne da maioria dos tratamentos, é mais provável. Diagnósticos mais difíceis também são mais prováveis. A relação fica mais pessoal, porque consegue avançar um pouco além da superficialidade.
Gosto muito deste último tipo de medicina. Entretanto também gosto e não deixo de reconhecer o tremendo avanço técnico e social que o sistema dominante gera na atenção à saúde. Mesmo os médicos que praticam esta última medicina em seu consultório costumam trabalhar em hospitais escola ou outro serviço onde haja muitos atendimentos para usufruir de seus benefícios técnicos. Não há sistema perfeito, mesmo porque como humanos, somos imperfeitos por natureza.
Alexandre Pagotto Pacheco é médico e cirurgião ortopedista.
Marlene
28 de janeiro de 2014
Olá Alexandre! seja benvindo! Gostei do seu texto e compactuo com suas colocações… a medicina está necessitada de novos paradigmas, uma nova visão sobre doenças/doentes e que seja ensinada desde a formação do médico. Eu sou homeopata e estou muito feliz com minha escolha. Escolhi também ganhar para viver com dignidade, ou seja não fiquei rica com a medicina, mas quero ter disponibilidade na alma para os pacientes. Cada um tem seu caminho e todo trabalho médico é abençoado porque quando não podemos curar, pelo menos alívio na maioria dos casos podemos dar. Um abraço
Alexandre Pacheco
29 de janeiro de 2014
De acordo Marlene, obrigado pelo comentário.
blogdoamstalden
31 de janeiro de 2014
Marlene, o Alexandre vai escrever regularmente e sua coluna vai se chamar “Medicina e a Vida”. Ainda não decidimos a periodicidade, mas conto desde já com seus comentários. Mais ainda. Que tal você escrever e enviar para nós alguns artigos sobre medicina e vida? Eu ficaria honrado. Abs.
daniela
28 de janeiro de 2014
Essa é uma excelente reflexão… sem dúvida pensarmos até quanto o diálogo entre pacientes e médicos já faz parte da cura é um caminho para uma medicina mais humana e assertiva….é esse o caminho…refletir….parabéns, doutor!
dralexandrepacheco
29 de janeiro de 2014
Obrigado Daniela. Esse é um dos caminhos e é fundamental que ele exista pois muitas pessoas precisam justamente dele.
Valéria Pisauro
28 de janeiro de 2014
O paciente deve ter confiança em seu médico, para isso precisa haver tempo, diálogo e conhecimento.
dralexandrepacheco
29 de janeiro de 2014
De acordo Valéria, obrigado pelo comentário.
Carla Betta
29 de janeiro de 2014
Que dilema! Mas, além da cura, há o inevitavelmente humano! Mde Teresa dizia mto sabiamente que além do pão e do agasalho a maior carência é a do olhar, do carinho e da atenção. Por que os placebos funcionam? Porque a força do emocional é maior que imaginamos. Mas, é claro que em casos mais complexos, somente um bom tratamento resolve.
dralexandrepacheco
30 de janeiro de 2014
É isso, Carla. Olhar e carinho não funcionam sem pão e agasalho, mas são igualmente fundamentais.
fabiocasemiro
4 de fevereiro de 2014
O interessante do artigo, Alexandre, é que neutraliza a crítica leviana tão naturalizada hoje em dia: “Os médicos de hoje são frios”; “A medicina é meramente capitalista”.
Vc joga luz nesses preconceitos mostrando que, inegavelmente, as tecnologias médicas evoluiram por demais, incorporando a “esteira de produção” a uma sociedade que se concebe, ela mesma, em seu cotidiano, como esteira de produção.
A velocidade na medicina (e sua consequente superficialidade) é um aspecto arraigado num mundo no qual velocidade e superficialidade é a regra: no trabalho, nas relações afetivas, na cidadania…
Transformar a medicina em bode expiatório do contemporâneo, é olhar com miopia para uma sociedade cada vez mais esquizofrênica (ou no mínimo, muito complexa).
Parabéns!
Abraços,
Fábio
dralexandrepacheco
5 de fevereiro de 2014
Seu comentário enriquece o texto, Fabio. Muito obrigado!!