O Role da Elite. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 29 de janeiro de 2014 por

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Alguns de meus artigos são considerados “polêmicos” e eu mesmo recebo este adjetivo às vezes, além de outros menos educados (e para dizer a verdade, dependendo de quem me dá o adjetivo, eu fico honrado). Mas o que publiquei a semana passada (O role dos indesejáveis) foi um dos que mais gerou debates, pelo menos na internet, através do Blog e das redes sociais. Dentre as críticas que o artigo recebeu havia algumas bem pesadas, como uma que afirma que o que os jovens praticantes dos “rolezinhos” são todos “aspirantes a traficantes e bandidos”. Não vou rebater aqui esta afirmação ou outras críticas, mas propor outra questão. Os jovens dos “rolezinhos” são acusados principalmente por fazerem “bagunça”, correrem, gritarem e, no limite, brigarem entre si e afrontarem outros freqüentadores dos shoppings. Não são comuns registros de furtos, roubos ou depredações. Mesmo brigas entre os próprios jovens são relativamente raras. Até agora, pelo menos dentro do que eu consegui pesquisar, praticamente não ocorreram fatos mais graves do que a aglomeração, a correria nas dependências do shopping e o pânico dos lojistas. Logo o que fica das críticas, se não for preconceito puro e simples, é a aversão à bagunça, ao barulho e ao tumulto.

Concordo com estas críticas. Também acho que tumultos, correrias e brigas são indesejáveis. Mas o que acontece quando tais tumultos são criados por jovens das classes médias e altas? As críticas são iguais? Alguns exemplos: em Piracicaba os calouros de uma conceituada faculdade são submetidos durante meses a trotes bem violentos e humilhantes. Em maio eles são “libertados” em uma passeata seguida de festa. Eu vi pessoalmente, em várias destas passeatas, jovens caindo de bêbados, molestando transeuntes a pé ou de carro e até quebrando placas, coletores de lixo e bancos de praça. Em uma ocasião, eu assistia à “comemoração” na praça central e um dos calouros correu em minha direção fugindo de uma briga. Eu estava em companhia de dois guardas municipais que assistiam impotentes à confusão e o calouro veio até nós pelos guardas. Estava com os joelhos e cotovelos esfolados e sangrando. Era um jovem inteligente, sabe? Havia apanhado dos veteranos numa briga e, inconformado nos disse: “esta é a elite do Brasil. Os estudantes da melhor universidade brasileira…” No dia seguinte esperei ler nos jornais um artigo ou notícia criticando a baderna e a depredação dos bens públicos, mas não havia nada além da notícia de que a passeata havia ocorrido. Que eu saiba ninguém foi detido também e segundo os guardas (que haviam  sido meus alunos) não havia resposta para um reforço e nem instruções para coibir os abusos.

Não foi só isso. Também vi outros estudantes, participantes de jogos universitários das faculdades de direito, caindo de bêbados nas ruas, assediando garotas e mulheres e ameaçando brigar com os homens. Um deles, de fala prejudicada pela bebida, chegou a tentar paquerar as filhas de um primo que estavam com o pai e a mãe dentro do carro. Uma das meninas tinha dez anos, a outra doze. Concentrações em frente a bares e boates, jovens acelerando seus carros e motos potentes, queimando pneus no asfalto, brigando entre si, tomando as ruas também foram coisas que cansei de ver, de presenciar. Tudo isto, a meu ver, é agressão, baderna, desrespeito, falta de educação, destruição de patrimônio público, intimidação e até crime. Mas praticamente não vejo críticas e questionamentos a estas atitudes dos jovens universitários e/ou mais ricos. Estes todos não parecem ser considerados “baderneiros”, mas apenas jovens querendo se divertir. Nas palavras de um pai cujo filho se envolveu em uma briga feia, agredindo seriamente outros,  “foi apenas molecagem, coisa de jovem…” E assim fica, assim é. Se você é pobre, da periferia e faz bagunça no shopping, é um “aspirante a traficante” que tem que aprender a respeitar os outros e a propriedade alheia. Mas se você é jovem de classe média e alta, estudante universitário, motorizado e com dinheiro para gastar nos bares e restaurantes, é apenas um “garoto pondo energia para fora” ou “participando de uma festa universitária tradicional”.  A noção de certo e errado está, portanto, condicionada ao seu lugar na sociedade e o “role” das elites, nunca vira tema de debate nacional…

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