Música & Afins. Dois. Por Edu Pedrasse

Posted on 11 de fevereiro de 2014 por

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Em 1986 o Legião vinha de um álbum anterior consideravelmente “punk” e muitos fãs mais radicais se decepcionaram com Dois. Os arranjos Pop, a forte influência acústica-Folk nos violões de aço, e também o clima consideravelmente menos indie do arranjo das canções.  Mas o público adorou: o disco fez um sucesso absurdo vendendo 1,2 milhão cópias.

Nada no disco é excessivo, gratuito. Ouvindo agora, 28 anos depois, distanciado e não mais “tão jovem”, é fascinante ver como o poder decantador do Tempo nos mostra que essa obra soa muito bem e resolvida. E nisso os anos são imperdoáveis, o plástico esfarela logo. Não é o caso em questão.

Com um grupo coeso, a Legião parece estar no pico. Embora sem a força instrumental de um Paralamas ou Lulu Santos, o “concreto” dado pela simplicidade do baixo e bateria, sem firulas, deu o piso perfeito para os mais talentosos do banda: Renato Russo e Dado Villa-Lobos.

Aliás, Dado é um dos mais subestimados guitarristas do Rock/Pop brasileiros. Na época quando tirávamos músicas do Legião para tocar na noite, adolescentes, chapávamos muito mais com Herbert Vianna e Lulu santos. Hoje, depois de décadas de estrada o descubro cada vez mais. Calcando sua guitarra fortemente em influências dos Smiths, U2, Police, The Cure, e incorporando tudo isso nas canções “de fossa romântica” de Renato – nada mais Brasil anos 50 que isso – Dado cria um serpentinas de linhas melódicas que se completam de forma perfeita, criando “nuvens de guitarra”, que, com todas influências que citei acima, não soam cópia de gringo, mas completam as canções com um clima quase impressionista. Ouçam o disco com fone de ouvido e irão perguntar-se: aonde está o que? o que é o que? Clareza pela indefinição. Relevância pela discrição. Coisa de craque.

Das letras fantásticas de Renato, poupo-me de jogar linhas fora.

O disco começa com Daniel na Cova dos Leões, Quase sem querer e Acrilic on Canvas. Três porradas Pop. Enquanto a primeira e terceira são recheadas de teclado a lá New Order e Police, a segunda me lembra muito as tramas de guitarra/violão feitas por Pete Townshend: The Who com The Cure. O não-solo do final é arte pura. Detalhe: o violões dessa faixa e todas outras do disco são feitos por Renato Russo…pasmem…Nem eu sabia que ele tocava assim.

Aí surge o inesperado: Eduardo e Mônica. Umas das coisas mais antropofágicas que já aconteceram na música brasileira. Blues do Mississipi/Folk com moda viola e a narrativa do Repente nordestino. Um lance que até hoje não entendi direito. Mas funciona e é sensacional. Nesta Renato toca tudo sozinho. Até o baixo.

Eduardo e Mônica dá uma “pausa acústica” no disco, sendo que é seguida pela intrigante instrumental Central do Brasil. Clube da Esquina? Moda Viola? Talvez uma desorientação proposital do ouvinte para a pancada que viria a seguir…

Tempo Perdido. A melhor música do disco e uma das melhores feitas na música brasileira até hoje. Uma canção construída sobre loop hipnótico de quatro acordes, parecendo rodar em cima de si mesma, cuja letra e modo de cantar de Renato Russo vão rasgando como um bisturi, tencionando a cada verso, arregaçando tudo no final, deixando mesa cheia de sangue, suor e dúvidas.

O disco segue com um revival dos tempos Punk do legião (Metrópole e Plantas embaixo do Aquário). Letras boas, críticas ácidas, som pesado. Não são ruins, mas dispensáveis.

Outro momento acústico: Música Urbana. A maior prova que se pode fazer blues à moda brasileira, sem soar pastiche de americano. A letra é um absurdo. Se a moçada das manifestações de junho querem fazer protesto – de verdade – deveriam estudar essa canção antes.

Andrea Doria, a próxima, retoma o clima das faixas iniciais. Não é grande coisa, mas é uma lição de como fazer uma introdução de guitarra com uma nota só. Vale por isso.

A faixa 11, Fábrica, é uma síntese de tudo que o Legião tinha feito até então: a agressividade punk, letras ácidas, o lirismo no meio caos, a esperança juvenil, temperada com o lado mais Pop e romântico que o disco vinha sendo conduzido. A banda chega na síntese da sua própria síntese. Uma distopia entre sombras e esperança. A fusão do final “quase sem querer” com o teclado soturno dizem tudo.

Índios fecha o disco. Poesia perfeita. Teclado hipnótico, tensão crescente, amor, raiva, des/esperança. …”E é só você que tem a cura de insistir nessa saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi”. O final da música, inspiradíssimo no final de Here comes The Sun dos Beatles é um charme à parte.

Saudades da época na qual o rock nacional tinha algo pra falar.

Edu Pedrasse é músico profissional – guitarra e violão – há 28 anos, e professor particular de música. Possui Bacharelado e Mestrado em Música pela UNICAMP. Atualmente é professor universitário na UNIMEP, no curso de Música Licenciatura. Atua também com seu show Entartete Jazz, nas casas noturnas de Piracicaba e região.

Site: www.edupedrasse.com

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