A Histeria do Vinil (ou a Teoria do Mundo Ruts às avessas) – Por Edu Pedrasse

Posted on 15 de abril de 2014 por

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As modas em geral me irritam.

E o “retorno” à moda do vinil não poderia passar batido.

Não que eu procure algo sobre isso. Mas por ser professor e músico inevitavelmente entro em contato com essas coisas.

Hordas de jovens pagando tubos por um toca-discos, escafunchando sebos e correndo pra me mostrar a primeira tiragem do disco de fulano, o qual ele pagou uma fortuna. É claro.

Qual agulha é melhor? (ou a certa (!)). Qual é pick-up mais “fiel” ao som “original”?

Santo Deus…

Cresci ouvindo vinis (que a gente sem a frescura de hoje chamava de discos). Pra mim é algo muito natural. Sempre foi.

Continuo ouvindo discos ainda hoje? Sim, menos que antes mas ouço. Não entrei na paranóia do CD, que quando surgiu fez que o vinil fosse renegado ao limbo. Me lembro de um amigo de São Paulo, no início dos anos 90, em uma espécie de happening sacrificial, inaugurando a “nova era” do som e jogando seus discos pela janela do décimo andar….

Os discos, até surgir o Cd, eram a coisa de melhor qualidade que tinha pra se ouvir. Não era para todos, era caro, como um Cd é hoje. Mas tínhamos as inefáveis fitas K7, que garantiam os pés-rapados (nós, no caso) a chance de poder ouvir aquele disco do Pink Floyd.

Quem tinha disco ouvia disco. Até gastar, riscar, começar a pipocar e pular. Quem tinha fita ouvia fita, até começar a perder o som. E tudo rolava numa boa. Várias festas foram feitas com as famosas “seleções” em fita: seleção de rock, seleção de lentas, etc. Vários namoros começaram ao som de fita nos Toca-fitas dos carros. E ninguém estava nem aí.

Foi então que chegou o Cd. Com seu conceito de “pureza” (conheço um papo de pureza ocorrido na Europa nos anos 30, mas deixa pra lá…). E os discos e as fitas foram renegados feito o próprio Belzebu.

Você ainda não ouviu fulano em Cd? Você está por fora.

Inegável que o Cd deixava o som mais claro e os detalhes mais audíveis. Isso era bom? Claro que sim! Teve caboclo que trocou toda sua coleção de vinis por cd, só pra “ouvir melhor” a obra dos seus ídolos. Tudo que era possível era remasterizado e passado para Cd. E todo mundo comprou. Leia-se: lucro.

Mas então…

Chegou a virada do século e chegou a moda Vintage [1]. Tudo que era antigo passou a ser cultuado.

Guitarras, discos, aparelhos antigos.

Foi uma correria aos sebos de vinis.

Meca tinha mudado de lugar.

O Ruts [2] era chic. E a principal argumentação para estar na moda e que era mais fiel ao som original da época.

Era mais próximo da “pureza” ( de novo…) da época.

E era?

Sim. E daí?

Os cabeças-de-bagre, principalmente jovens que não tinham passado a fase do vinil, marcavam encontros ritualísticos para se ouvir um disco em grupo tomando cerveja, e se gabavam de ouvir o som cheio e “gordo” ( e fiel) do vinil.

Aí vocês me perguntam: o som do vinil é melhor que o digital (Cd, mp3, flac)?

Nem melhor nem pior, é diferente.

O vinil realça certas frequências da música que o digital não faz. Por sua estrutura física de leitura – uma agulha atritando um disco – certas característica sonoras são destacadas, deixando o som um pouco mais robusto (nem sei se é essa a palavra) e quente.

Por outro lado o digital deixa tudo mais limpo, mais claro, mais nivelado.

E a fita realça outras características. E assim por diante.

Mas a coisa acabou virando uma igreja. E o mercado espertamente aproveitou-se disso: relançamentos da obra de artistas em vinil. Mas olhe bem! Tem que ser vinil de 500 gramas senão não é bom vinil. E olhe lá! Se for vinil importado é melhor. E o cartão de crédito do otário é mastigado pela Amazon.

Relançaram toca-discos também, fábrica de agulhas, e tem bandas-pangaré lançando seu primeiro “álbum” (que nomezinho…) em vinil (!).

Olhem, se esses caras quisessem ouvir o verdadeiro som que a famosa-banda-antiga ouviu e deu seu aval quando acabou o disco teriam que ouvir as fitas (ou cópias) de rolo originais nas quais as bandas gravaram e fizeram a mixagem final do seu disco. Os Beatles não gravavam em vinil. Gravavam em fitas de rolo enormes, de duas polegadas, e resolviam se o disco estava bom para ser prensado (em vinil) ouvindo-as no estúdio. Ninguém ficava passando pra vinil pra ver se estava bom.

Tem uma entrevista do Zé Rodrix, quando lançaram a obra do Jimi Hendrix remasterizada (em Cd) perguntado se fazia diferença – pra melhor ou para pior – dos vinis que ele tinha ouvido na época. Sua resposta foi maravilhosa

— Olha, depende… se você for “experienced” [experiente, calejado, experimentado] não faz muita diferença não. O som sempre esteve lá, de qualquer forma. Mas, agora, se não você não for experienced…vai fazer uma enorme diferença…

É isso.

O que importa é a música, o conteúdo. Não a forma.

Ontem tive uma experiência maravilhosa ouvindo o disco Beatles for Sale na sua última remasterização, em 24 bits (a maior tecnologia sonora que se pode alcançar hoje). Parecia que John Lennon estava na minha sala.

E também ouço de vez em quando – pra lembrar do cheiro de chicletes e do perfume da minha primeira namorada – o primeiro disco que comprei,  em 1984, com meu próprio dinheiro: Abbey Road.

Se você gosta de vinil, ouça.

Se você gosta de fita, ouça

Se você gosta de som digital, ouça.

Mas não me encha o saco.

[1] De alta qualidade e valor duradouro, ou mostrando as melhores e mais típicas características de um determinado tipo de coisa, especialmente a partir do passado (Dicionário Cambridge).
 
[2] Corruptela do inglês “Roots”, que significa literalmente “raízes”, em inglês. Expressão criada no fim dos anos 90, por universitários do Instituto de Artes da Unicamp, e que tem vários sentidos dentro de um mesmo conceito inicial. Pode significar algo ligado às origens, como “samba de raiz”, por exemplo, mas alastre-se semi-oticamente por áreas como: rústico, antigo, tosco, forjado a ferro, que aguenta o tranco, sem muitas frescuras, original, etc, etc, O Fusca é um carro “ruts”, tal qual aquele bar de beira de estrada, como também aquela menina barraqueira, que não leva desaforo para casa…Um serviço mal feito ou acabado também pode também ser chamado de “ruts”.

Edu Pedrasse é músico profissional – guitarra e violão – há 28 anos. Possui Bacharelado e Mestrado em Música pela UNICAMP. É professor universitário na UNIMEP, no curso de Música Licenciatura e também é professor particular de música. Atua com seu show Entartete Jazz, nas casas de espetáculos de Piracicaba e região.
Site: http://www.edupedrasse.com
Facebook: https://pt-br.facebook.com/edupedrasse

 

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