Quando você estiver cansado, angustiado mesmo, talvez comece a questionar tudo. Talvez comece a pensar que, no fim, nada tem sentido. Que a vida é apenas um acidente cósmico. Que um punhado de átomos se reuniu formando moléculas e, estas, também por casualidade e condições específicas, se uniram formando aminoácidos que, por sua vez, formaram genes que originaram células. Talvez, no seu cansaço e tristeza, comece a achar, assim como tantas outras pessoas, que a vida não tem sentido. Que os genes apenas querem se reproduzir, persistir, mas que no final, a deterioração sempre vence, tanto que os cientistas já nos alertaram: esta Terra e tudo que está nela, um dia será tragada pelo sol. Talvez, nesta hora, você tenha vontade de desistir. Desistir de viver ou desistir de viver com ética, com decência. Talvez se sinta tentado a dar cabo de sua vida ou de fazer de tudo, seja lá o que for, matar, roubar, mentir, enganar, para ter algum conforto e gozar o breve e inútil período de existência.
Eu já me senti assim. As vezes, para ser sincero, ainda me sinto. Nem sempre é fácil manter o equilíbrio e a esperança diante de tanto caos. E não é só a vida humana que, de tempos em tempos, me parece caótica, mas também a vida em si. Tem momentos em que me canso de assistir o sofrimento natural da vida, aquele trazido pela doença, pela velhice e pela morte que atingem todos os seres vivos. Nestes momentos sou tentado, sim, a ver a existência como um acidente e a vida como algo que tenta inutilmente existir, mas no final, será vencida também, assim como a Terra será um dia, engolida pelo sol.
Mas até hoje, todas as vezes em que me senti assim, profundamente desanimado e triste, um outro pensamento sempre me ocorreu. O pensamento de que não é só a vida que é um mistério, mas todo o universo. Se os seres vivos surgiram de um acaso, um acidente cósmico, como eu disse, então de onde surgiu o próprio universo que, por “acidente” gerou a vida? De onde vêm os átomos, as moléculas, a energia do universo? Seria tudo o que nos rodeia fisicamente também um “acaso”? Os cientistas nos ensinam que o universo se expande e, um dia, se retrairá. Nos ensinam o delicado equilíbrio dos átomos que, nas suas combinações, formam os elementos. Ensinam a sutil harmonia dos compostos orgânicos, que combinados formam os elementos químicos que sustentam as células. E, mais maravilhoso e misterioso, ensinam a complexidade das células e de suas funções e combinações, formando os seres vivos. Tudo isto, todo o genial funcionamento dos átomos, elementos, moléculas e da vida seriam um acaso? Uma aberração em meio ao nada? Ou seria parte de algo maior? Algo que não podemos entender, pois somos apenas uma parte dele e, a parte, como já dizia Padre Antônio Vieira, não pode entender o todo.
Quando eu tomo consciência disto, da complexidade, do equilíbrio e do milagre que é o universo, que é a matéria, a energia e a vida, também percebo que, embora nossa ciência saiba mais do que no passado, estamos longe de saber o suficiente. Que ainda muitas maravilhas serão descobertas, mas que provavelmente nunca saberemos o todo, não nesta forma, não como “parte” que somos. E quando esta consciência me atinge, experimento uma mudança de ânimo. Olho a minha volta e, embora ainda tenha que contornar meu cansaço e minha tristeza, parece que meus dramas e minhas angústias não são apenas tragédias de uma existência sem sentido. Mas ao contrário, parece-me que o que vivo e sinto, faz parte de algo muito maior, cuja finalidade eu não compreendo. Parece-me que minha incompreensão não é motivo o suficiente para que não exista, ao fim, uma grande lógica, um grande sentido, um grande propósito em tudo o que existe, em todo o universo. E com esta sensação, de que “há algo oculto”, eu recobro minhas forças, continuo a viver e a buscar o que é bom e justo. Quem sabe um dia, quando este corpo e esta mente com os quais eu vivo se deteriorarem, eu passe a fazer parte de algo maior. E então, mais como “todo” do que como “parte” eu veja o sentido claramente e me alegre por não ter desistido.
Feliz Páscoa. E que você não se esqueça nunca de que a vida é um grande mistério. Grande demais para você desistir dela.
Carla Betta
16 de abril de 2014
“Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina”
A sina infeliz do menino NÃO nos ilumina!
Belíssima reflexão! Somos sempre parte e a parte não tem como compreender o todo neste mundão de meu Deus, neste Universo incomensurável das coisas desta dimensão e de mil outras! Sabemos tão pouco que qualquer decisão é dúvida e… na dúvida, não ultrapasse, já diria o instrutor da auto-escola, sem sequer imaginar quanta sabedoria carrega esta orientação!
FELIZ PÁSCOA a todos nós! Pessach é libertação, renovação, transformação! Aproveitemos este astral!
Alexandre Diniz
16 de abril de 2014
“Nós somos aquilo que não somos, somos aquilo que projetamos ser.” Jean Paul Sartre.
Em Sartre, o Homem primeiro o é em si, e somente depois significa sua existência. Ele está condenado a escolher como proceder com sua existência. Está condenado a fazer suas escolhas. Está condenado a viver e suas diversas formas de viver, de sentir e obter seus diversos sentimentos… E até mesmo o fato de não fazer escolhas, já é uma escolha. Em Sartre, o Homem não está aprisionado ao determinismo, porém , é o ser quem determina sua existência – as suas significações.
Daisy Costa
16 de abril de 2014
Hj estou me sentindo assim…
Kaique Rossini
16 de abril de 2014
Muito bom texto professor. O senhor já assistiu a um video chamado “inner worlds outer worlds” ?? Ele faz uma ponte extremamente significante entre ciência e filosofia oriental e ocidental, deve só arranhar uma superficie, mas para mim foi bastante didático para estabelecer uma coerência entre o mistério e nosso conhecimento atual.
Paulo Fessel (@Szarastro)
17 de abril de 2014
Dando uma de advogado do diabo, aqui.
Primeiro, nossa existência pode ser sim o resultado do acaso. Recentemente, foi publicado um artigo (no sítio de preprints arxiv.org, http://arxiv.org/abs/1404.1207) onde se demonstra que o universo pode, sim, emergir do acaso, graças ao fenômeno das flutuações quânticas.
Além disso, se nossa existência for realmente obra do acaso (e existem muitas evidências hoje em dia que apontam nessa direção), entendo que ela se torne ainda mais importante do que se ela dependesse da vontade de um ser supremo. Pois nesse caso nossa existência nestas coordenadas do espaço-tempo é única. Não haverá reencarnação que dê conta de nossos malfeitos a cada interação, ou ressurreição da alma (ou mesmo do corpo), ou qualquer outro misticismo de nossa escolha. Só teremos uma chance de fazer o melhor possível de nós para nossas vidas. Para mim, a certeza de que só terei uma oportunidade de viver me faz querer esse viver da melhor maneira possível.
Afinal de contas, como disse Vincius de Morais, “a vida é pra valer, e não se engane não, é uma só”, já que ninguém trouxe até hoje um atestado de Deus (com firma reconhecida) dando conta do contrário. Por outro lado, essa atitude frente à vida exige de todos nós uma constante abertura para o novo, a fim que a vida e o mundo não nos deixem para trás – um contínuo renascimento, enfim.