Parte e todo. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 16 de abril de 2014 por

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lua vermelha no mar

Quando você estiver cansado, angustiado mesmo, talvez comece a questionar tudo. Talvez comece a pensar que, no fim, nada tem sentido. Que a vida é apenas um acidente cósmico. Que um punhado de átomos se reuniu formando moléculas e, estas, também por casualidade e condições específicas, se uniram formando aminoácidos que, por sua vez, formaram genes que originaram células. Talvez, no seu cansaço e tristeza, comece a achar, assim como tantas outras pessoas, que a vida não tem sentido. Que os genes apenas querem se reproduzir, persistir, mas que no final, a deterioração sempre vence, tanto que os cientistas já nos alertaram: esta Terra e tudo que está nela, um dia será tragada pelo sol. Talvez, nesta hora, você tenha vontade de desistir. Desistir de viver ou desistir de viver com ética, com decência. Talvez se sinta tentado a dar cabo de sua vida ou de fazer de tudo, seja lá o que for, matar, roubar, mentir, enganar, para ter algum conforto e gozar o breve e inútil período de existência.

Eu já me senti assim. As vezes, para ser sincero, ainda me sinto. Nem sempre é fácil manter o equilíbrio e a esperança diante de tanto caos. E não é só a vida humana que, de tempos em tempos, me parece caótica, mas também a vida em si. Tem momentos em que me canso de assistir o sofrimento natural da vida, aquele trazido pela doença, pela velhice e pela morte que atingem todos os seres vivos. Nestes momentos sou tentado, sim, a ver a existência como um acidente e a vida como algo que tenta inutilmente existir, mas no final, será vencida também, assim como a Terra será um dia, engolida pelo sol.

Mas até hoje, todas as vezes em que me senti assim, profundamente desanimado e triste, um outro pensamento sempre me ocorreu. O pensamento de que não é só a vida que é um mistério, mas todo o universo. Se os seres vivos surgiram de um acaso, um acidente cósmico, como eu disse, então de onde surgiu o próprio universo que, por “acidente” gerou a vida? De onde vêm os átomos, as moléculas, a energia do universo? Seria tudo o que nos rodeia fisicamente também um “acaso”? Os cientistas nos ensinam que o universo se expande e, um dia, se retrairá. Nos ensinam o delicado equilíbrio dos átomos que, nas suas combinações, formam os elementos. Ensinam a sutil harmonia dos compostos orgânicos, que combinados formam os elementos químicos que sustentam as células. E, mais maravilhoso e misterioso, ensinam a complexidade das células e de suas funções e combinações, formando os seres vivos. Tudo isto, todo o genial funcionamento dos átomos, elementos, moléculas e da vida seriam um acaso? Uma aberração em meio ao nada? Ou seria parte de algo maior? Algo que não podemos entender, pois somos apenas uma parte dele e, a parte, como já dizia Padre Antônio Vieira, não pode entender o todo.

Quando eu tomo consciência disto, da complexidade, do equilíbrio e do milagre que é o universo, que é a matéria, a energia e a vida, também percebo que, embora nossa ciência saiba mais do que no passado, estamos longe de saber o suficiente. Que ainda muitas maravilhas serão descobertas, mas que provavelmente nunca saberemos o todo, não nesta forma, não como “parte” que somos. E quando esta consciência me atinge, experimento uma mudança de ânimo. Olho a minha volta e, embora ainda tenha que contornar meu cansaço e minha tristeza, parece que meus dramas e minhas angústias não são apenas tragédias de uma existência sem sentido. Mas ao contrário, parece-me que o que vivo e sinto, faz parte de algo muito maior, cuja finalidade eu não compreendo. Parece-me que minha incompreensão não é motivo o suficiente para que não exista, ao fim, uma grande lógica, um grande sentido, um grande propósito em tudo o que existe, em todo o universo. E com esta sensação, de que “há algo oculto”, eu recobro minhas forças, continuo a viver e a buscar o que é bom e justo. Quem sabe um dia, quando este corpo e esta mente com os quais eu vivo se deteriorarem, eu passe a fazer parte de algo maior. E então, mais como “todo” do que como “parte” eu veja o sentido claramente e me alegre por não ter desistido.

Feliz Páscoa. E que você não se esqueça nunca de que a vida é um grande mistério. Grande demais para você desistir dela.

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