O intelectual e a pobreza. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 7 de maio de 2014 por

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Fazia tempo que não acontecia, mas semana na passada ouvi, de novo, a seguinte afirmação: “você é intelectual e intelectual gosta de pobreza”. Não é uma frase original. É a variação de uma de Joãozinho Trinta, carnavalesco que inovou os desfiles no Rio, abusando do luxo e vencendo o carnaval. Na época ele sofreu críticas por ter gasto muito em adereços e respondeu: “Quem gosta de pobreza é intelectual. O povo gosta de luxo”. De lá para cá, a idéia pegou e as variações da frase se repetem. Eu as ouvi muitas vezes, a última, como disse, semana passada.

Partindo do início, não sei se sou um “intelectual”. Nunca entendi bem a aplicação do conceito. Me parece uma “distinção”, as vezes elogiosa, as vezes pejorativa, sem sentido. O que é ser um “intelectual”? Alguém que pensa, que trabalha com idéias? Bem, todo ser humano pensa, trabalha com idéias, ainda que de formas variadas. Talvez até mesmo os animais tenham lá suas percepções, pensamentos e idéias. Mostre-me alguém que não pensa ou não se utiliza de idéias e eu lhe mostro uma pedra ou um cadáver.

Agora, tomemos a questão de “gostar da pobreza”. Não vou responder por outros, mas eu, particularmente, não gosto da pobreza. Na verdade eu a odeio. Não há nada de digno, bonito, sofisticado ou espiritualmente elevado em ser pobre. Claro, existem pessoas que são tudo isto e são pobres, assim como existem aqueles que em busca e em nome da elevação da alma ou de uma causa, optam por serem pobres. Mas em geral a pobreza é degradante, humilhante, frustrante. Abrevia o tempo de vida dos pobres e consome o tempo que lhes resta em uma luta pelo mínimo da sobrevivência. A pobreza é injusta, socialmente e existencialmente. E é injusta porque os pobres trabalham sim, constroem sim a riqueza do mundo, mas não podem desfrutar delas. E o mais trágico é que em nossa sociedade, no nosso estado de avanço tecnológico, talvez já pudéssemos ter erradicado a pobreza do mundo, mas não é assim. O estudo mais recente que vi sobre distribuição de renda, diz que 0,7% da população mundial detêm 41% da riqueza do mundo. Imagine se fosse diferente. Se fosse uma proporção mais equilibrada. Não teríamos, talvez, o fim da pobreza?

Eu não gosto, portanto, de pobreza. Eu me preocupo com ela, tento entendê-la e refletir sobre o que poderia erradicá-la. Existem, no entanto, grupos que gostam? Acho que sim, mas não entre muitos daqueles que são chamados de “intelectuais”. Os que “gostam da pobreza” são outros. São os políticos que vêem nela uma forma de se elegeram facilmente. Pobres tem menos cultura e mais necessidades. Podem “vender” o voto por pouco, muito pouco. Uma vereadora, certa vez, afirmou que “política é a melhor forma de fazer caridade”. Eu já a respondi diretamente a esta afirmação em outro artigo. Mas o fato é que ela, assim como outros, têm na pobreza um grande manancial de votos sem reflexão, que se perpetua enquanto os pobres existirem.

Quem gosta da pobreza são, também, aqueles que precisam da mão de obra dos pobres, barata, pouco exigente, que não tem força para negociar salários melhores e geram, aceitando parca remuneração, a riqueza dos que usam sua força de trabalho. Quem gosta de pobreza são muitas ONG’s, que existem para erradicá-la, mas que se isto acontecer, deixarão de existir. Para muitas destas, a pobreza é uma fonte de lucro também. Quem gosta da pobreza são algumas igrejas e isto não se deve a motivos místicos. Gostam porque em nome dos pobres arrecadam bilhões e fazem, assim, a riqueza de seus dirigentes. Quem gosta de pobreza, enfim, sem esgotar a lista, mas finalizando este artigo, são os que estão um pouco, só um pouco acima dela. Aqueles que por terem um carro, uma casa, um emprego e um salário que os mantém (por um triz) acima dos pobres. Para estes, a existência dos que tem menos, dos que não tem nada, é agradável. Dá-lhes uma sensação de vitória, de superioridade, de auto-satisfação. É algo que lhes dá a falsa segurança de que venceram. Que os leva a ignorar o fato de que sua própria condição é precária. De que basta uma “crise” e tudo o que têm será perdido, uma vez que eles não estão entre aqueles verdadeiramente ricos, que determinam os destinos da economia.

Eu gosto, ou melhor, gostaria sim, da riqueza, mas da riqueza coletiva, da prosperidade comum. Gostaria de viver em um mundo onde ninguém tivesse que se humilhar para comer ou morar. E você, gosta do quê?

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