O casal era muito jovem. Vinte anos cada, talvez nem isto. Roupa de adolescentes, bermuda, chinelos, boné… Sentaram-se a minha frente na área de alimentação de um shopping. Nas mãos traziam uma espécie de berço com alça e nela uma criança bem pequena. Não sou bom para avaliar idade de crianças, mas sou capaz de apostar que aquela não tinha um mês de vida. Com certeza não tinha dois meses. Confesso que achei estranho. Uma criança tão pequena em um shopping não me parece uma boa idéia. Enfim, era final de tarde e não havia tanta gente. Imaginei que o casal arriscava uma pequena saída. Mas então veio um susto mesmo. Eles se sentaram e colocaram o berço no chão. Aos seus pés, e moveram as cadeiras de tal forma que ficaram de costas para o berço/cesto. Ficaram, ainda, com os rostos virados em sentidos opostos um ao outro. A criança no chão, levemente atrás dos dois e eles sem se olharem, mirando, cada um, um lado diferente. Não falavam entre si, não se olhavam, e nos quinze minutos que fiquei ali, não fizeram uma coisa nem outra.
Quando se estuda a sociedade e o modo de vida das pessoas, é preciso tomar cuidado para não projetar nossas próprias idéias e valores naqueles fenômenos que observamos. É preciso ser flexível e admitir que aquilo que vemos pode ser enganoso, pode não refletir o real. Por outro lado, não podemos ignorar os sinais, as posturas que também retratam situações, fenômenos e desafios da vida humana. A criança estava no chão, longe dos olhos do casal. Não estava na mesa, não estava entre eles, não estava sob os seus olhares. E isto não me pareceu, embora eu possa estar errado, a situação de um casal feliz com um filho nascido a pouco. Não me pareceu uma atitude de cuidado e de alegria em relação à criança. O silêncio dos pais e seus olhares em direções opostas, pareciam dizer o mesmo sobre o casal. Eles não estavam felizes um com o outro, não pareciam felizes.
Á nossa volta outras pessoas observavam a cena com insistência, inclusive uma senhora que demonstrava seu desagrado com uma carranca hostil. Não, não conversei com o casal e nem tampouco com os demais espectadores. Mas eu sentia o desconforto da cena e isto também era visível nos demais. Estava claro o desalento dos pais com o filho e consigo mesmo.
Fiquei imaginando como aquela criança poderia crescer. Será que ela estará sempre no “chão”? Será que se ficará sempre fora dos olhos dos pais, perto, mais “invisível”? Temi por isto. Temi pela tristeza que isso poderia representar para os três, para o desequilíbrio da vida dos três naquela situação de desconforto. O que acontece com crianças “invisíveis”? Como elas crescem? Que segurança tem e que tipo de relação com o mundo vão desenvolver? Não há saída, crianças precisam muito de que seus pais, ou seja lá quem as criem, lhes dêem a certeza de serem amados, serem importantes, de não estarem no “chão”, mas no mesmo plano. Sem isto não há como se sentir bem neste mundo, sem este início afetivo, não há como se sentir a vontade, seguro, desejado. E o resultado costuma ser uma relação de deslocamento que se traduz ou em uma grande carência ou em uma revolta, um enfrentamento do mundo e das outras pessoas. Já vi acontecer. Já conheci outras crianças “invisíveis”.
Tive a esperança de que, por sorte, eles não fossem os pais, não fossem sequer casados. Talvez fossem amigos ou parentes dos pais e estivessem ali temporariamente. Levantei para pagar a conta e aproveitei para passar perto e olhar mais atentamente. Eles tinham alianças novinhas, iguais… Na volta do caixa parei em frente e disse: “bonito o seu bebê. Parabéns!”. A moça sorriu sem graça e o rapaz apenas olhou espantado. Ela agradeceu. Era sim, filho deles.
Fui embora torcendo por eles, pelo casal, pela criança e por todos nós. Para que tudo desse certo mais a frente. Que eles, todos os três, conseguissem crescer bem.
Anônimo
21 de maio de 2014
Outra muito boa! Realmente esse é um assunto delicado.
celso bisson
21 de maio de 2014
nem sempre pessoas estão prepareadas para uma vida juntas compartilhadas, menos ainda preparadas para cuidar (bem) dos filhos…
Valéria Pisauro
21 de maio de 2014
Linda crônica! A imaturidade leva sempre ao erro.