O ser e o temer. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 10 de junho de 2014 por

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Ela me conta que tinham entre 16 e 18 anos aqueles jovens reunidos no lado externo do shopping, no lugar onde informalmente as pessoas vão para fumar. Vestidos com roupas de pseudo grifes, nitidamente de origem mais pobre, bonés, bermudas, tênis, correntes grossas e prateadas no pescoço. Um deles, ergue o tom de voz para ser ouvido por outros que não os de seu grupo: “Vou ser advogado. E daí, “pá”! Vou tirar todos os meus amigos “nóia” da cadeia. “Parô”! Enquanto falava, gesticulava formando, com os dedos, um simulacro de arma. O dedo indicador e o médio estendidos e o polegar em ângulo, como se fosse o cão de um revólver. Não olhava para os colegas, olhava em volta, para as pessoas que também estavam ali.

A conversa ia nesta linha, sempre em tom alto. À volta, funcionários do shopping e clientes se incomodavam. Alguns olhavam com agressividade para o grupo. Outros demonstravam seu desconcerto baixando os olhos ou liquidando seus cigarros e saindo do lugar. Por que, ela pergunta, aquele jovem tem que falar assim? Por que tem que falar alto, com uma arma fictícia nas mãos e mencionar seus amigos “nóias”? O que ele queria? Ser bandido? Agredir? Ele seria bandido?

Não conheço o jovem em questão, mas já vi coisas assim, inclusive no shopping. Já escrevi também sobre o assunto. E o fato é que não acredito que ele seja bandido ou mesmo que queira ser, talvez até venha a ser no futuro, o que é lamentável, mas não acho que seja agora. O que acredito que aquele jovem queria era ser “alguém”. Ser notado, ser percebido e não olhado com desprezo ou mesmo não olhado, tornado invisível pelos demais. Em nossa sociedade atual, a valorização do indivíduo se dá pela inserção econômica e pela capacidade de consumo e aquele garoto, assim como milhões de outros, tem pouco de ambos, pouca capacidade de comprar e uma inserção econômica ruim, periférica. Se vivêssemos em outra sociedade, talvez ele fosse notado por outros fatores que fossem valorizados socialmente, como a cultura, por exemplo, ou talvez por traços de maturidade. Mas nosso mundo não é assim, nosso mundo é o do consumo e o do “seja um vencedor por ter coisas e dinheiro”. Pois bem, ele não é um vencedor e, convenhamos, suas chances de ser são fracas. Ele consome pouco, mas como todos, frequenta o “templo do consumo” onde você vale pelo que carrega nas sacolas de compras. Lá, então, ele é “invisível”, quando não importuno, indesejável.

O que lhe resta então é despertar o temor. Ao dizer que é “amigo dos nóias”, ao simular o gesto da arma, ao usar o termo “parô”, gíria de assaltantes, ele se afirma. É como se dissesse “vocês não aceitam, mas me respeitem porque eu sou perigoso, conheço os perigosos”. Se minha interpretação estiver correta, ele está “demarcando um território simbólico”. Está reivindicando o respeito através do temor, o “ser” através do “temer”. Claro que isto é ruim, que isto não o engrandece, e nem é minha intenção valorizar seu comportamento ou relevá-lo pela sua situação social. Minha tentativa é a de entender o comportamento dele e de outros como ele. Aliás, não afirmo tudo isto só pela fala deste rapaz, mas por outras falas e atitudes que já vi e vejo daqueles iguais a ele.

Se minha análise for correta, há uma forma de amenizar o comportamento agressivo destes jovens. É “vê-los”, falar com eles, dialogar com eles. Não, não teremos respostas fáceis. Nossa conversa não será capaz de mudar significativamente sua situação social. Mas pode ajuda-los a entender que existem outros valores e que ele não precisa ser temido para ser notado. Cabe a nós fazer isto, antes que eles nos deem motivos reais para serem temidos.

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