Nós e os mendigos. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 25 de junho de 2014 por

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Em uma manhã de domingo, no centro de Campinas, meu irmão foi abordado por um mendigo. Já se preparava para dizer que não tinha dinheiro quando o homem o interrompeu: “moço, não quero dinheiro nem comida. Quero apenas que você fale um pouco comigo. Ninguém conversa comigo e é como se eu não existisse”. Outro amigo meu, seguidor do Zen Budismo, fez uma experiência radical. Viveu uma semana como sem teto em Florianópolis. Ele relata que duas coisas o marcaram: o frio das ruas a noite, mesmo não sendo inverno e o fato das pessoas não falarem e mesmo olharem para ele. Em um dia, foi pedir uma informação para uma mulher e ela disse rispidamente: “não fale comigo, mendigo! ”

“Mendigo”, “andarilho”, “vagabundo” ou politicamente mais correto, “morador de rua” e “sem teto”, todos são a nossos olhos invisíveis. E são porque não queremos vê-los, não querermos que eles existam. E no entanto eles existem. Estão às nossas vistas o tempo todo e nos incomodam com seus pedidos, suas lamúrias, suas eventuais mentiras e sua aparência. Nos incomodam com sua falta de perspectiva, sua vida precária, suas doenças e fragilidades. E nós não queremos que eles existam por isto tudo. Porque eles nos incomodam, enfeiam nossas cidades, poluem nossa vista, lembram a fragilidade humana que também é a nossa. .

Não, eles não são bonzinhos. Muitos se drogam, outros bebem, outros ainda têm doenças mentais. São feios, sujos e incômodos. Mas são humanos, tão humanos quanto eu e você e sofrem. Em algum momento, assim como pode acontecer comigo ou com você, eles “caíram” e foram parar nas ruas. Não acredito que eles estejam ali porque querem. Você iria querer? Claro, existem aqueles que são “profissionais”, tem casa e as vezes até carro. Eu já fui “vítima” da enganação de alguns assim. Mas estes não são a maioria dos que estão nas ruas. São oportunistas desprezíveis e não podem ser comparados com os que realmente não tem para onde ir e nem encontram mais caminhos. Quem de fato está nas ruas por não ter para onde ir, sofre sim, e muito. Sofre talvez mais por ser “invisível”, indesejável. Por ninguém sequer olhar ou falar com eles, assim como relatavam meu irmão e meu amigo.

E diante deste sofrimento, temos que escolher quais são, de fato, nossos valores e caminhos. Podemos optar por considera-los apenas um incômodo e, talvez, apoiar a destruição de lugares onde eles possam pernoitar, como a proposta do vereador de Piracicaba de destruir um coreto onde eles dormem. Desta forma, quem sabe, eles sumam de nossas vistas. Podemos ir além, podemos considera-los “culpados” pela sua própria condição, ignorando que ninguém tem o controle total de sua vida. Se pensarmos assim, então fica tudo mais fácil. Eles estão ali porque “merecem”. Por serem “preguiçosos”, “bêbados”, “parasitas”. Se adotamos esta visão, talvez possamos chegar à solução radical dos nazistas e eliminá-los. Recentemente ouvi alguém defendendo isto, que o “governo deveria matar todos”.

E podemos, também e finalmente, buscar uma outra forma de trata-los, uma forma que demonstre outro valor em nossa sociedade. Podemos tentar entender que eles sofrem, assim como nós. E que não são perfeitos, como também não somos. Podemos buscar soluções, não sozinhos, mas em grupo, em sociedade e ouvindo a eles também. Aliás, esta talvez seja uma das necessidades fundamentais, ouvi-los, falar com eles, demonstrar a ele e a nós mesmos que eles são seres humanos e que compartilham o mesmo destino que nos. A partir daí podemos encontrar soluções, acolhe-los. Tudo se inicia de um valor assumido e depois do diálogo e da vontade. A mim parece que, se assumirmos esta última forma de agir, este valor que preza e cuida da vida, estaremos fazendo mais do que ajudar a algumas pessoas, estaremos ajudando nosso mundo a ser outro. Não, não é fácil, mas é um caminho necessário. Mas você pode achar que não. Então, faça sua escolha e tenha claro quem você realmente é.

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