Em uma manhã de domingo, no centro de Campinas, meu irmão foi abordado por um mendigo. Já se preparava para dizer que não tinha dinheiro quando o homem o interrompeu: “moço, não quero dinheiro nem comida. Quero apenas que você fale um pouco comigo. Ninguém conversa comigo e é como se eu não existisse”. Outro amigo meu, seguidor do Zen Budismo, fez uma experiência radical. Viveu uma semana como sem teto em Florianópolis. Ele relata que duas coisas o marcaram: o frio das ruas a noite, mesmo não sendo inverno e o fato das pessoas não falarem e mesmo olharem para ele. Em um dia, foi pedir uma informação para uma mulher e ela disse rispidamente: “não fale comigo, mendigo! ”
“Mendigo”, “andarilho”, “vagabundo” ou politicamente mais correto, “morador de rua” e “sem teto”, todos são a nossos olhos invisíveis. E são porque não queremos vê-los, não querermos que eles existam. E no entanto eles existem. Estão às nossas vistas o tempo todo e nos incomodam com seus pedidos, suas lamúrias, suas eventuais mentiras e sua aparência. Nos incomodam com sua falta de perspectiva, sua vida precária, suas doenças e fragilidades. E nós não queremos que eles existam por isto tudo. Porque eles nos incomodam, enfeiam nossas cidades, poluem nossa vista, lembram a fragilidade humana que também é a nossa. .
Não, eles não são bonzinhos. Muitos se drogam, outros bebem, outros ainda têm doenças mentais. São feios, sujos e incômodos. Mas são humanos, tão humanos quanto eu e você e sofrem. Em algum momento, assim como pode acontecer comigo ou com você, eles “caíram” e foram parar nas ruas. Não acredito que eles estejam ali porque querem. Você iria querer? Claro, existem aqueles que são “profissionais”, tem casa e as vezes até carro. Eu já fui “vítima” da enganação de alguns assim. Mas estes não são a maioria dos que estão nas ruas. São oportunistas desprezíveis e não podem ser comparados com os que realmente não tem para onde ir e nem encontram mais caminhos. Quem de fato está nas ruas por não ter para onde ir, sofre sim, e muito. Sofre talvez mais por ser “invisível”, indesejável. Por ninguém sequer olhar ou falar com eles, assim como relatavam meu irmão e meu amigo.
E diante deste sofrimento, temos que escolher quais são, de fato, nossos valores e caminhos. Podemos optar por considera-los apenas um incômodo e, talvez, apoiar a destruição de lugares onde eles possam pernoitar, como a proposta do vereador de Piracicaba de destruir um coreto onde eles dormem. Desta forma, quem sabe, eles sumam de nossas vistas. Podemos ir além, podemos considera-los “culpados” pela sua própria condição, ignorando que ninguém tem o controle total de sua vida. Se pensarmos assim, então fica tudo mais fácil. Eles estão ali porque “merecem”. Por serem “preguiçosos”, “bêbados”, “parasitas”. Se adotamos esta visão, talvez possamos chegar à solução radical dos nazistas e eliminá-los. Recentemente ouvi alguém defendendo isto, que o “governo deveria matar todos”.
E podemos, também e finalmente, buscar uma outra forma de trata-los, uma forma que demonstre outro valor em nossa sociedade. Podemos tentar entender que eles sofrem, assim como nós. E que não são perfeitos, como também não somos. Podemos buscar soluções, não sozinhos, mas em grupo, em sociedade e ouvindo a eles também. Aliás, esta talvez seja uma das necessidades fundamentais, ouvi-los, falar com eles, demonstrar a ele e a nós mesmos que eles são seres humanos e que compartilham o mesmo destino que nos. A partir daí podemos encontrar soluções, acolhe-los. Tudo se inicia de um valor assumido e depois do diálogo e da vontade. A mim parece que, se assumirmos esta última forma de agir, este valor que preza e cuida da vida, estaremos fazendo mais do que ajudar a algumas pessoas, estaremos ajudando nosso mundo a ser outro. Não, não é fácil, mas é um caminho necessário. Mas você pode achar que não. Então, faça sua escolha e tenha claro quem você realmente é.
José Miguel
25 de junho de 2014
Excelente abordagem, Luiz Fernando! Eu já tentei dar emprego a dois deles como pintor que eles diziam ser, e, me convenceram com o conhecimento teórico dessa função.O cargo que eu lhes tinha para oferecer era para ser assistente de um profissional que já estava trabalhando para mim O 1º se revelou eficiente e capaz nos primeiros dias. O profissional, meu amigo fraterno,que já estava há um bom tempo realizando à contento seu labor, mas por motivos pessoais precisava de um auxiliar, acatou a proposta de pronto e se desvelou em auxiliar à esse ser tão necessitado de uma oportunidade. Nos primeiros dias esse último se mostrou produtivo e muito feliz com essa oportunidade, saiu das ruas, foi morar com um amigo profissional de tatuagem (sic), carreira que ele parecia ter pendor , mas logo começou a não chegar nos horários, bem flexíveis por sinal, e por fim se revelou adito em cocaína, vício esse herdado desde criança do pai (sic). Nem precisei despedi-lo,ele mesmo, já bastante transformado usando as roupas e tênis que eu lhe doei foi trabalhar como quardador de carros num bar da moda (sic).O 2º nem começou a trabalhar, roubou uma máquina fotográfica a qual eu estava numa tomada carregando a sua bateria, e voltou para a rua, era viciado em cocaína também.Antes disso, um sobrinho de um meu corretor de imóveis, também se arvorou em dizer para minha pessoa, na imobiliária desse seu tio, que era pintor, mas esse tio, ato contínuo, me alertou do eminente perigo de eu ser roubado por esse sobrinho que era adito tb! Agora passado recente, eu fui abordado por esse último já em situação de mendicância me pedindo um cigarro,eu não o reconheci de pronto e sim só depois dele me recordar e comentar que tinha acabado de sair da imobiliária do tio. Entrei em contato com esse tio que me informou que já sabia da condição desse, e que a família já havia feito de tudo para tentar ajudar, porém sem resultado. óbvio e ululante! E, havia desistido desse. Após algumas semanas após decorridas,encontrei-me, por acaso, com esse meu corretor que me relatou que fora roubado por esse seu sobrinho numa das visitas que esse lhe fez em sua imobiliária para pedir-lhe ajuda. Fora- lhe subtraído um relógio que estava sobre a sua escrivaninha! Uma conhecida psiquiatra relatou-me que esses podem induzidos pelo alcool, por exemplo, ter um surto psicótico e esfaquear um amigo deles msm.
Carla Betta
25 de junho de 2014
Sintonia de pensamentos. Ontem à noite , no ônibus , entrou um senhor pedindo um real “pelo amor de Deus” para comprar pão para os 5 filhos que estavam famintos em casa. Visivelmente embriagado. Fiquei a pensar em um episódio vivido junto a meus filhos , na Madre Teresa de Calcutá e na invisibilidade dos sentimentos humanos mais frágeis. Talvez se transforme em artigo.
Marlene Pitarello
25 de junho de 2014
Adorei seu escrito, Luis Fernando! As pessoas não se deram conta de onde todos estamos….todos no mesmo barco….
E estamos aqui porque nos faltam virtudes a uns mais que outros, mas à todos faltam! Eu sinto vergonha quando vejo um dizer: “Você sabe com quem está falando?” O camarada ainda não se deu conta que estamos aqui para aprendermos o que não sabemos ainda…..e estamos todos nivelados pela nossa incapacidade de amar plenamente!
Ao olhar o mendigo sujo, mal cheiroso e inconveniente: uns torcem o nariz, viram os olhos, xingam….outros movidos pelo dó e piedade dão uns trocadinhos, oferecem pelo menos um bom dia….outros já conseguem ter a virtude da compaixão na alma que é além da pena da piedade….é se colocar no lugar do outro…é sentir a pessoa no coração e na alma….e quando isso acontece temos a atitude de tirar dali e de lutar e não admitir mais que isso aconteça! A compaixão implica na atitude de aliviar o sofredor, de estar ao lado incondicionalmente! E assim pode-se constatar que poucos a tem na alma!
São Francisco de Assis beijava as mãos e as feridas dos irmãos moradores de rua, dos leprosos, dos despossuídos….ainda precisamos caminhar muito…..
Graça Ribeiro
25 de junho de 2014
Minha cunhada foi abandonada pelo marido, com duas filhas menores. Para que ela não pedisse pensão alimentícia, ele tratou de pedir demissão do emprego e desapareceu. As vezes, aparecia para rever as filhas e contava histórias mirabolantes. Um dia, a filha caçula, dirigindo seu carro, parou num semáforo e foi abordada por um mendigo. Qual não foi seu susto, o mendigo era seu pai. Ela o procurou durante dias, em abrigos e pelas praças, mas em vão. Depois de alguns meses, a família foi contatada por um senhor que se dizia enviado do marido desaparecido. Pois bem, o marido de minha cunhada estava sendo velado e seria enterrado como indigente, se a esposa e as filhas não comparecessem ao cemitério. Foi um grande choque, ele havia passado os últimos anos de sua vida na rua, onde contou sua história a outros mendigos, inclusive forneceu o nome e o endereço de sua familia. Por que ele escolheu essa vida? Não sabemos, só lembramos do alcoolismo que o dominou e da violência doméstica que ele proporcionava. Coitado, tinha uma família linda, mas foi engolido pelo vício.