O Ebola e o mercado. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 12 de agosto de 2014 por

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Um dos princípios mais caros da direita e dos liberais econômicos é o de que o Estado deve se ater ao mínimo possível, deixando a produção e regulamentação da produção livres. O pressuposto ainda é o de Adam Smith, no século XIX: deixe o mercado livre que a lei da oferta e da procura se encarregará de equilibrar preços e disponibilidade de bens e serviços. O Estado, argumenta-se, além de “ineficiente e incapaz” de produzir, atrapalha o desenvolvimento tecnológico proporcionado pela livre iniciativa. Esta tem sido a tendência da política econômica mundial nas últimas décadas, inclusive no Brasil. E ainda é o argumento que enche a boca de muitos, intelectuais, empresários e até das classes mais baixas, convencidos do valor do “mercado livre” que incentiva o progresso e o “empreendedorismo”.

Muito bem, de fato o Estado não deve interferir na produção e comercialização de alguns bens. Não há necessidade, penso eu, de uma produção estatal de televisões, por exemplo, ou de vídeo games. Mas, existem outras áreas, e não são poucas, em que o Estado, a meu ver, deve sim interferir e produzir diretamente, se for o caso. Uma delas é a área da saúde e dos medicamentos. Neste exato momento, um surto de Ebola, uma doença virótica que mata cruelmente até 90% de suas vítimas, está se espalhando na África. Por volta de mil pessoas já morreram em quatro países africanos e em pelo menos um país do Oriente Médio há um morto, que contraiu a doença viajando para um país onde há surto. Segundo cientistas do NIAID (Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, já existe, há tempos, vacinas quase prontas, que nunca foram finalizadas por que não “há mercado” para elas. Segundo os cientistas Andrea Marzi e Heinz Feldmann, não se conseguiu “convencer” as indústrias farmacêuticas a continuarem a desenvolver as vacinas uma vez que os surtos são esporádicos e atingem poucas pessoas. Ou seja, não dá lucro desenvolver a vacina, até porque os surtos são em um continente pobre. E, como os governos não possuem laboratórios próprios que possam produzir as vacinas, então elas não saíram das fases iniciais de desenvolvimento.

Aqui está o limitante do “livre mercado” e a necessidade da produção pública. As empresas, que produzem para o “mercado” visam lucro, ponto. Uma empresa pode investir milhões no desenvolvimento, produção e comercialização de bens inúteis ou destrutivos se estes gerarem lucro, mas não vai colocar um centavo naquilo que não puder transformar em mais dinheiro. Assim, por exemplo, bilhões podem ser destinados (e são) para a produção de mísseis, que acabam usados pelos palestinos e por Israel para a matança mútua, mas não há vacina para o Ebola. E não é somente na área da saúde. Em muitas outras áreas o problema se repete: tudo é feito ou não, direcionado ou não, para a venda, o lucro, seja qual for o uso ou a necessidade daquele bem. A necessidade real, aquela da sobrevivência, está em segundo plano, o primeiro será sempre um balanço positivo para a empresa e seus acionistas.

Sim, a pesquisa e produção estatal têm defeitos e problemas e não devem se voltar para qualquer coisa, mas elas são necessárias, pois o engenho humano serve primeiro para garantir a sobrevivência e o bem estar dos seres humanos, todos eles. O Estado, que deve ser o resultado do esforço comum para o bem comum, tem o dever de pesquisar, desenvolver e até produzir aquilo que nos garanta a vida e a dignidade, inclusive a vida de poucos que não podem pagar por isso. Mesmo que o Ebola estivesse restrito a uma pequena parte da população africana, a vacina já deveria ter sido desenvolvida. Os africanos têm direito a vida assim como todos nós. A preservação deste direito não pode ser deixada para o interesse das grandes corporações. Estas não têm compromisso com a vida ou com o bem estar humano. Têm compromisso apenas com seus acionistas, que querem mais capital.

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