O dia amanheceu radiante. Era quinze de agosto, dia da Assunção de Nossa Senhora. Desde os primeiros tempos do cristianismo dizem que após sua morte, ela foi elevada aos céus. Chamavam isso de Dormição de Maria. Desde lá falam que ela morreu perto dos setenta anos. Seu corpo foi sepultado. Contudo, atraídos por um perfume indescritível provindo da tumba dias seguidos, deram conta de que o local onde ficara seu corpo estava tomado por flores, muitas flores.
Tempos atrás vi reportagem na TV sobre a casa onde a tradição diz que Nossa Senhora viveu seus últimos anos, em Éfeso. As pessoas entrevistadas, a maioria muito emocionada, falavam da grande paz, do conforto e do acolhimento que ali sentiram.
Nada mais justo que aquele corpo sagrado onde Deus morou fosse preservado da decomposição. Além do mais, essa simbiose humano-divina não podia ser diferente senão o divino divinizando o humano. Antes de o Senhor estar em carne e osso entre nós, estava ela. Foi através dela que Ele entrou na História e se fez um de nós. Ela o protegeu com braços fortes. Foi seu leite que o amamentou, de suas mãos se alimentou e foi no seu colo que aprendeu os rudimentos dos códigos humanos e a cultura de seu povo. Para ela foram seu primeiro sorriso e abraço. Seu coração não coube no peito quando pela primeira vez Ele a chamou de mãe.
Quando brincava com outras crianças em Nazaré somente sua fé o via como alguém especial tão igual se fez a todos, e chegava a se esquecer que seu destino estava traçado. Viu nascerem seus primeiros fios de barba e sua voz oscilando entre o grave e o agudo. Sofria com ele a indignação pelas injustiças que via. Quando morreu o justo José, seu grande amigo e companheiro perfeito; o pai no sentido pleno, foi nos ombros dela que o jovem Nazareno chorou inconsolado.
Sentiu orgulho ao ver o filho assumir com raça a carpintaria do pai para que o pão não faltasse. Porém, seu pensamento longínquo não a enganava. Até que chegou a hora da prova. Pensou que estivesse mais preparada, porém sua inevitável partida sangrou-lhe o coração, principalmente quando sua bela figura desaparecia no horizonte entre acenos cada vez mais espaçados. Os parentes pensavam que tinha ficado louco. Na única vez que retornou à Nazaré foi muito mal recebido pelos concidadãos. Vê-lo se tornou cada vez mais difícil. Tentou algumas vezes, porém as multidões não davam espaço. Ela ouviu, compreendeu e guardou um seu recado quando dissera que seu pai, sua mãe e seus irmãos a partir de então eram os que faziam a vontade de Deus. Apaixonado pelo que fazia, virou cidadão universal. Não mais era dela.
Foi justamente a fidelidade à vontade de Deus que a sustentou, principalmente quando teve o coração transpassado ao ver seu santo amado, seu menino ser elevado feito chaga viva para que o mundo fosse atraído por sua luz inefável. Sendo a primeira a acreditar ainda sem ver, somente ela e Ele compreendiam aquele momento, e seu sacrifício solidário se materializou quando seu colo feito altar apresenta ao mundo o corpo macerado da salvação rejeitada. Foi o seu momento; mãe e filho novamente juntos. Dor lancinante de um novo parto, a vida do Filho continuada nos seguidores.
Terminada sua peregrinação na terra o anjos vieram buscá-la. Ele não via a hora de abraçá-la de novo e lhe apresentar a família toda. Que festa teve no céu! Essa mulher que dignificou a raça humana continua a interceder por nós. Eu a venero profundamente e sinto que ela cuida de mim mesmo sem merecer. Meu pai pediu a ela todos os dias e milhares de vezes “rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”.
Após 97 anos de vida ela, que antes levara minha mãe, veio buscá-lo com tal serenidade e paz que a morte para mim não se chama mais morte, mas dormição.
Antônio Carlos Danelon, o Totó, é assistente social.
Augusto Sousa
22 de agosto de 2014
Um abraço….
Totó
24 de agosto de 2014
Outro, companheiro.
Carla Betta
22 de agosto de 2014
Devoção comovente a sua e de sua família, Toto. Eram mãe e filho e mesmo quando transcederam esses papéis, o amor filial e maternal os enlaçava. Tão profundamente mãe e entendida da missão de seu filho que aceitou Sua sugestão e viveram, ela e João, como mãe e filho. Maria, a mãe da humanidade.
Totó
24 de agosto de 2014
Fechou legal, Carla.