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Geralmente o som é tão alto que as janelas do apartamento vibram. Na verdade são portas de vidro que dão para a sacada e é possível ouvir literalmente o zumbido da vibração delas se me aproximo. A “música” é repetitiva. Em um ano, ouvi o dia inteiro os “versos refinados”, cantados por diferentes grupos, de “créééu”, “vamo s´imbora pro bar” e outras pérolas da arte. Mas mesmo quando a música merece este nome, cansa, irrita e desgasta. Não há onde se refugiar, não se consegue dormir, ler, trabalhar ou assistir televisão. Sim, procuro não prestar atenção, me desligar do som, mas quem está ou esteve submetido a um ambiente de barulho intenso sabe que isso é difícil. Quando me percebo, estou cansado, irritado, com dificuldades de fazer as tarefas mais simples. Eu tento não ouvir, mas o som está à minha volta e entra em minha cabeça. Quando é possível, tampo os ouvidos com protetores de espuma. Mas se levanto cedo no dia seguinte não há como. Se tampar os ouvidos não ouço o despertador e acabo me atrasando.
Entrar na sala de aula as sete da manhã significa acordar no mínimo as seis. Mas quando há “festa” não durmo antes que acabe. Isso pode significar meia noite, uma ou até três da manhã. Na “virada cultural” não há limite. Já ouvi rock pesado iniciando as três da madrugada. O palco geralmente fica voltado para a margem esquerda do rio, enviando o som, já alto, em direção ao centro. Como se não bastasse, a formação geográfica, com barrancos mais altos na margem direita, dá um efeito de “concha acústica” e posso distinguir cada palavra falada, “cantada” ou berrada do palco. Some-se a isso os inúmeros carros que descem a rua procurando vaga perto do Engenho. Muitos já vêm “turbinados” com música alta em seus amplificadores, outros insistem em buzinar, seja a hora que for, na vã esperança de que o trânsito flua mais fácil. Acabou? Não, não acabou. Na Festa das Nações as ruas do entorno são “privatizadas” como estacionamentos. “Flanelinhas” oficiais ou não viram “donos arrogantes do espaço”. Uma vez, indo trabalhar (leciono a noite também), entrei em uma rua para chegar ao trabalho e fui parado após ter entrado na área “restrita”. O “funcionário” do alto de seu alvará e da boa causa da obra, queria que eu pagasse o estacionamento. Tive que ameaçar chamar a polícia para sair dali, já que o distinto cidadão não aceitava que eu estava trafegando e pegara aquela via por ser saída de minha casa. A ameaça funcionou, mas se eu tivesse chamado, nada teria acontecido. Ninguém desafia as festas, mesmo quando elas cometem ilegalidades, até porque elas são por “boas causas” e pela “diversão”, além de gerarem muito dinheiro.
Tenho todo respeito pelos muitos voluntários de verdade que atuam nas festas e também pelas causas. Mas é justo que a caridade seja feita às custas do incômodo e do sacrifício alheio? Do sacrifício daqueles que estão doentes, cansados ou com crianças pequenas em casa? Aliás, todos os eventos de som alto são de caridade? Os shows de Ivete Sangalo no Engenho foram “caridade”? Me perdoem, mas não é justo, tampouco legal. A lei garante o direito de alguém dormir e descansar em sua casa, limita os níveis de ruído e o horário em que pode ser feito o barulho. Mas a lei tem sido “flexibilizada” pelos “alvarás” e o direito de muitos tem sido ignorado pela “nobreza turístico benemerente” dos eventos. Tanto é assim, que até agora nunca havia visto um político questionar os eventos. Vi pela primeira vez na pessoa do vereador Paulo Camolesi na semana passada. Paulo me alegra com sua coerência e sua coragem, mas aborrece a muitos exatamente pelos mesmos motivos.
Note-se que Camolesi não está pedindo o fim das festas, está pedindo pela sua realocação em lugar mais próprio. Ele tem razão e está pensando, como verdadeiro homem público, no bem de todos. Infelizmente, porém, acredito que será ignorado e as festas mantidas no Engenho Central. Camolesi tem sido sistematicamente boicotado desde que assumiu abrindo mão do polêmico aumento dos vereadores. Tudo o que ele propõe é visto com reserva, uma vez que ele “ameaçou” o status quo confortável de alguns. Além disso, os “donos das festas” vão lutar para ficar lá, inclusive alguns que são políticos e as tem como moeda de troca. Por último, as festas vão ficar porque a maioria que as frequenta não mora perto e não parou para pensar naqueles que moram. E mesmo que parassem para fazê-lo, acho que não se importariam mesmo. Respeito pelo outro não é uma característica de uma país sem sentido de cidadania
Mariana
27 de agosto de 2014
Puxa Luis, de novo finalizar com a idéia de que “o Brasil não tem cidadania”? Até ali eu concordava (e muito) com tudo o que vc escreveu (aliás, tenho umas crônicas até que interessantes a respeito, se interessar). Mas porque insinuar que o Brasil tem menos cidadania que, sei la, (vamos pensar alto) a Alemanha quando nada no texto indica pra essa conclusão? Não concordo com isso não. 10 anos na França, 9 meses na Italia, sei la quantas viagens em outros países, só vejo diferenças na FORMA do “jeitinho”.
Antonio Carlos Danelon - Totó
27 de agosto de 2014
Perfeita análise Luis. Faço minhas sua preocupação e sua indignação. O último show que fui – Rosa de Saron, 70 anos da Diocese – tive que sair correndo antes que meus tímpanos estourassem. Isso porque é uma banda religiosa. Garanto que nem Deus lá estava, porque segundo São Francisco de Salles, “o bem não faz barulho e o barulho não faz bem”. Nem em casamentos ou festas se tem paz. Se você for para rever amigos, botar o papo em ordem ou fazer novas amizades esqueça. O som é tão alto que mal dá pra conversar. Vai indo que cansa e todo mundo fica mudo sendo obrigado a escutar o lixo que hoje infesta rádios à caça de dinheiro e de ouvidos de penico. Não deve ter amor por si quem precisa de volume alto para curtir música, muito menos com as letras chulas de hoje. O mais grave: essas pessoas no fundo fogem de si e precisam de muito barulho para driblar a voz interior questionando a vida vazia que levam. E nessa cidade é o que mais tem, a começar pelas ‘autoridades’. Quanto à Festa das Nações, acho uma hipocrisia. O dinheiro arrecadado vai para os assistidos pelas entidades. Como sempre, os ricos dando esmolas e ainda se divertindo com isso. Em vez da benemerência é preciso justiça para que ninguém mais precise da ‘caridade’ dos outros e assim a vida vire uma festa para TODOS. Só que então os ricos morrerão de tédio e dor na consciência. Quanto ao vereador Paulo Camolesi ele está no meio de um covil de lobos.
Carla Betta
29 de agosto de 2014
Nesta “onda” dos banhos de água gelada pela ELA fica explícito que as pessoas só doam para aparecer, quando há alarde(leia-se propaganda) de que ela está sendo (ó!) benemérita… Quantos jantares beneficentes! Vendas de pizzas, que eu também compro, para auxiliar! A Rede Globo faz um mega evento televisivo para arrecadação do CRIANÇA ESPERANÇA. Não estou discutindo nenhum evento em si, mas…. Como diria um padre em seu sermão dominical: “Paroquianos, nossa igreja precisa reparos; a obra assistencial que mantemos para os idosos também precisa de reformas para melhor acomodar nossos beneficiados. São essas más notícias. Mas, não desanimem, temos boas notícias também. Temos todo dinheiro necessário.para essas necessidades!” E “óóóó” fez a assistência surpresa e contente. Ao que o padre continuou: “Todo montante que precisamos está no bolso de vcs”… (fuen fuen fuen fuen). Quanto ao Engenho central, além de toda barulheira, o excesso de volume e o transtôrno causado pelos veículos, ainda há a questão de as estruturas poderem se danificar com a vibração sonora. Affff!!… Muito descaso, muito desrespeito!