Assim como a MTV foi a mãe do videoclipe, o YouTube foi o pai do Lyric Video. Esse novo formato vem sendo largamente utilizado pelos artistas da música na atualidade. Para quem não sabe, consiste em um vídeo com a letra da música acompanhada de algumas imagens ou animações – em alguns casos, há apenas os versos dançando na tela. A ideia tem funcionado bem, principalmente pelo baixo custo e por fazer com que o público se familiarize com a letra da canção.
Vamos agora falar de Sia Furler. Se você sintonizou alguma emissora de rádio FM nos últimos anos, certamente ouviu alguma canção escrita por ela. Se você já se emocionou com “Diamonds” da Rihanna ou “Love Me Back To Life” da Celine Dion, sabia que essas canções só existem porque saíram das mãos de uma cantora-compositora australiana que não gosta de mostrar o rosto.
Sim, é isso mesmo. Sia compôs músicas que se tornaram icônicas no mercado pop norte-americano, e já tem seis álbuns de estúdio, mas comporta-se como o avesso da maioria das estrelas pop da atualidade: ela não quer aparecer. Dona de um timbre de voz singular, e alcance vocal que supera até mesmo o das cantoras para as quais compôs, essa notável artista demonstrando uma aversão à superexposição na mídia. Suas performances são bastante inusitadas: ela já cantou de costas para a plateia e até deitada num beliche. Talvez você não a conheça, mas ao ver o “Lyric Video” de sua música mais recente, “Chandelier”, vai entender os seus motivos.
O vídeo em questão surpreende e encanta mais do que o próprio videoclipe oficial da canção, porque nos convida e uma reflexão. A produção retrata a cantora em um dia comum, começando no momento em que se levanta da cama, e depois sai caminhando pelas ruas, brinca num parque, dança no trem, bebe um pouquinho (um, dois, três drinques) e no final tem um encontro que leva a um desfecho surreal e interessante. A letra da música aparece em todos os lugares: pichada nos muros, em placas, na lateral do trem, no chão… Mas o que é que tem de tão espetacular nisso? Só uma coisa: ela está invisível, e podemos ver apenas os sapatos vermelhos e seu inconfundível cabelo louro Chanel!
O videoclipe não mostra a cantora como ela é, mas como ela quer ser aos olhos do mundo: invisível. Reconhecível apenas pelo lirismo de suas belas canções, e pela forte carga emotiva da sua voz. Se nós, brasileiros, já temos uma funkeira promovida a filósofa, o que dizer, então, de Sia? Aprendam com ela.
A sociedade vive um momento em que a maioria de nós é um ser invisível. Temos centenas ou milhares de amigos no Facebook, mas quantos desses conseguimos reconhecer nas ruas? E ainda que os reconheçamos, quantos irão parar para nos cumprimentar, das um abraço, olhar nos olhos e perguntar: “Como vai você”?
A gente se revolta com a miséria no país, mas não enxerga aquele ser invisível numa esquina que pede um pedaço de pão. A gente vota sem pensar, e depois se torna invisível para o candidato eleito. Os amigos se reúnem mas, em vez de conversarem, aproveitam o sinal de Wi-Fi para olhar pela enésima vez o que está acontecendo nas redes sociais – ninguém vê ninguém.
No ônibus, os passageiros seguem sua rotineira viagem como se cada um fosse o único ali. O garoto estava tão entretido com a música que toca em seu fone de ouvido, que sequer repara na invisível senhora com as pernas cansadas sem lugar para sentar. Também não vejo maldade naquela moça que estava tão animada ao ver que sua foto mais recente recebeu dezenas de curtidas, que não percebeu estar sentada num banco preferencial, enquanto uma mulher grávida invisível estava em pé diante dela.
É hora do almoço, mas qual mãe não fica invisível (senão inaudível também) quando chama o filho adolescente que está no notebook postando mais uma foto lambendo os lábios e a filha ainda criança que está trancada no quarto compartilhando um “selfie” que acaba de tirar com o celular?
Ainda que invisíveis, somos o contrário de Sia Furler.
Ela escolhe ser invisível para a mídia, para a internet, só para ter o gostinho de caminhar nas ruas e ser parada por algum amigo, que vai abraçá-la forte e perguntar: “Como vai você”, isso por admirá-la como pessoa, pelo que a ele é mais visível: o caráter, os sentimentos, os valores humanos.
Nós preferimos saborear as curtidas e compartilhamentos, os “bom dia a todos” e “kkk”. Não convidamos os amigos para tomar um café em casa, mas compartilhamos com eles uma foto do bolo de chocolate que acaba de sair do forno. Escolhemos ser invisíveis na vida real.
Que tal mudar hoje? E como sugere a própria cantora em “Chandelier”, vamos viver como se não houvesse amanhã, voar como pássaros. Vamos enxergar um ao outro.
Maxx Zendag Nascido em Piracicaba há trinta e um anos, amador na arte da escrita, artes gráficas e fotografia.
Autor do livro “A Águia Dos Ventos: O Leão Do Mirante”. Produziu a arte de cartazes para campanhas da Prefeitura de Piracicaba. Suas fotografias ganharam a exposição temática “É Uma Límgua Portugueza, Concertesa”, mostra paralela do Salão Internacional de humor de Piracicaba em 2010.
Site: http://maxxzendag.wix.com/portal
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junho 25th, 2018 → 16:06
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