O Universitário e a arrogância. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 11 de março de 2015 por

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Foto divulgação da internet

Foto divulgação da internet

No dia 27 de fevereiro passado, em Santo André –SP, o estudante Eduardo Baionne participava de uma festa de república de alunos da UFABC (Universidade Federal do ABC) quando decidiu sair para urinar no portão da casa de Ítalo Paschoalini, de 82 anos. O idoso teria se irritado e discutido com o estudante que continuou a urinar apesar das reclamações. Ítalo alega ter pego uma mangueira de água e molhado Baionne e que este o teria imobilizado com uma “gravata” e depois desferido socos contra o dono da casa. O estudante alega ter sido também agredido e não ter socado, mas empurrado o idoso. Alega ainda ter se arrependido e tentado ajudar Ítalo, o que este nega.

Os detalhes, é claro, precisam ser apurados, mas de antemão digo que é estranho um homem de 82 anos, desarmado, conseguir agredir um jovem de 19 a ponto de provocar uma reação tão forte do “agredido”. Também não me convence o fato de que teria sido “somente” um empurrão dado pelo estudante, até porque, os olhos roxos do aposentado parecem ter sido provocados por socos na face, sem contar, é claro, os pontos na cabeça que foram necessários. Por último, Baionne estava errado. Ao ser repreendido pelo dono da casa, não deveria ter discutido e sim subido a braguilha e pedido desculpas. Porém, malgrado meus “estranhamentos”, que eu adoraria ver esclarecidos pela Justiça (a esperança é uma característica minha…), e todos as demais análises e comentários que o fato provoca, uma parte das declarações do pai de Baionne me chamou mais a atenção.

O Sr. Rogério Baionne, saiu em defesa do filho. Disse que “ambos erraram” porque o idoso também “agrediu” e que a família e o filho vêm sofrendo ameaças e que “estão acabando com a vida do filho”. Pais defenderem a prole é normal, embora eu pense que em muitos casos eles deveriam ser os primeiros a punir os filhos, até para protege-los. Se Rogério Baionne tivesse levado o filho à casa do idoso e pedido desculpas assim como tentado reparar o dano, talvez não houvessem ameaças agora. O fato marcante, pelo menos para mim, no entanto, é a declaração final de Rogério Baionne sobre seu filho, publicada no Diário do Grande ABC no dia 03/03/15: Rogério afirmou, dentre outras coisas, que: “As pessoas, nessas horas, nem se lembram de que ele é estudante de uma universidade federal e que se dedicou bastante para estar lá.”.

A questão é: o que raios ser estudante de uma universidade federal tem a ver com o fato? No que isso justifica, ameniza ou até esclarece algo? Com ou sem esforço para entrar na universidade, no que isso se relaciona com o caso? Por um acaso o registro da matrícula é um atestado de idoneidade ou santidade?

A declaração de Rogério Baionne reproduz, na verdade, um estereótipo. O de que os alunos universitários, principalmente os das universidades públicas, são uma elite e, como tal, tem privilégios. Esta é uma visão antiga, do tempo do Império, no qual somente a elite econômica tinha condições de estudar. Reproduz nossa desigualdade, nossos “homens bons” versus o populacho. Eu fiz todos meus estudos superiores na UNICAMP e tenho orgulho disso. Mas mesmo enquanto aluno (e agora mais ainda) eu tinha consciência de que eu era um privilegiado, não uma elite. Eu estudava em uma instituição paga por milhões de paulistas que nunca poriam os pés lá. Para mim na época, assim como para meu círculo de amigos, nós tínhamos (e temos) uma dívida para com aqueles que nos custearam pelos impostos. Uma dívida que devemos pagar produzindo algo de bom, agindo de forma correta, ajudando a promover aqueles que se sacrificaram para nos custear sem nos conhecer. Ainda procuro “pagar” parte desta dívida, tanto profissionalmente quanto no meu comportamento pessoal.

Sr. Rogério Baionne, seu filho teve mérito sim ao passar em um vestibular. Ao ter estudado para isso. Mas este mérito não é só dele, é de todos que custeiam o estudo que ele vai ter. Dentre estes milhões, está o Sr. Ítalo Paschoalini, que paga impostos por cada grão de arroz que come. Seu filho, Sr. Baionne, deveria ter respeitado isso e não ido urinar na casa de quem ajuda a custeá-lo, deveria ter respeitado isso não agredindo um homem mais fraco. Deveria honrar a cidadania e não ofendê-la.

Se você é, foi ou quer ser estudante universitário, principalmente de uma universidade pública, lembre-se de que por mais que tenha estudado, sofrido e se esforçado, você não mantém toda a estrutura da universidade. Você deve a seus pais, claro, que o custearam, mas também aos pobres que pagam sua instituição e não tem acesso a ela. Você deve a todos eles e como você vai amortizar esta dívida, se com humildade ou arrogância, é que vai definir realmente quem você é: uma pessoa honrada ou um canalha…

PS: Tenho quase certeza de que o advogado do estudante vai alegar o fato dele estudar na UFABC para “provar” seu bom caráter, apoiando-se no estereótipo elitista. Querem apostar?

http://www.dgabc.com.br/Noticia/1246089/idoso-de-82-anos-e-agredido-por-estudante-universitario

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