Don Quixote e os moinhos. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 25 de março de 2015 por

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dom quixote

Tenho um amigo, destes que também se incomoda com as injustiças, com a política suja e corrupta, a troca de votos por favores. Que se entristece e irrita com o poder dos grandes grupos econômicos que impõem seus interesses sobre todos, a despeito das injustiças sociais ou do prejuízo ambiental. Enfim, um amigo idealista. Mas ele diz que está cansado e desanimado. Ele é daqueles que não fica só no discurso, mas que se expõe, critica, escreve, participa de manifestações, abaixo assinados. Que já deu cursos e palestras de cidadania, vai às escolas públicas para discutir os direitos do cidadão e, principalmente, é coerente em sua vida pessoal. É uma destas pessoas que realmente fazem diferença na luta por um mundo melhor, mais justo. No entanto, está cansado…

Segundo ele é tão difícil lutar e ver, ao final, os mesmos poderosos manobrarem tudo até que toda situação fique na mesma. É pior é ver a indiferença daqueles que teriam até mais motivos para lutar, afinal são ainda mais prejudicados por uma sociedade desigual e injusta. Ele diz que se sente só, tolo, feito um Quixote contra toda a realidade. Que no fim das contas teme acabar como o Fidalgo de la Mancha, velho, pobre, doente e considerado um louco.

Penso que eu entendo bem a situação. Tantas vezes sinto a mesma coisa. A mesma tristeza e vontade de largar tudo e cuidar somente de minha conta bancária, sempre tão vazia. Tantas vezes sinto que tudo o que faço e digo é inútil, que não interessa a ninguém, sejam os fortes ou os fracos. Acho que é normal que ele se sinta assim, bem como tantas outras pessoas que não são egoístas a ponto de cuidar só de seus interesses. No entanto, eu tenho algumas considerações para meu amigo, que faço agora em público.

A primeira é a de que, no fim das contas, não podemos medir o resultado de nossos esforços pelo tempo comum. A vida humana é muito curta, mas a História é longa e as transformações são lentas. Mesmo assim, a mudança acontece. Pense bem, se a dois mil anos atrás alguém dissesse, no Império Romano, que era cruel e injusto atacar outros povos, escraviza-los e usar estes escravos no Coliseu, provavelmente seria considerado louco. Não encontraria muitos ouvidos atentos e não veria mudanças durante sua vida. Sua indignação pareceria vã e causa de mais sofrimento do que de alegria para ele mesmo. Da mesma forma, 150 anos atrás, se alguém no Brasil dissesse que era injusto e cruel trazer africanos como escravos, separando suas famílias, impingindo a eles toda sorte de abusos, seria também ignorado. Penso que em ambos os exemplos quem assim pensasse ouviria dos outros que “tudo sempre foi assim e sempre será, que sempre existiriam escravos e senhores e isso não mudaria”. E, no entanto, meu amigo, mudou. Claro, ainda temos escravos por aí, mas isso não é mais considerado legal e moral, como foi no passado. Isso é considerado crime.

E se mudou, meu caro, mudou porque lá no passado alguns poucos ousaram pensar diferente. Ousaram criticar, lutar por algo distinto. Eles não viram o resultado de suas ideias na prática, mas elas aconteceram. E daí fica a questão, será que se eles não tivessem, lá atrás, plantado estas ideias e a semente de uma outra cultura, hoje teríamos mudado? Será que sem estas ideias tendo sido cultivadas por séculos, não teríamos ainda gladiadores forçados a se matar na arena ou escravos africanos no pelourinho? Creio que, sem um início, sem o germe de um mundo diferente cultivado por alguns, nunca mudaremos de fato. Os “moinhos de vento” que alguns “Quixotes” do passado combateram, foram realmente derrotados ou enfraquecidos.

Em segundo, digo-lhe que se lhe ocorrer que você parece um Don Quixote, fique alegre. Apesar de tudo, poucos personagens da literatura universal foram tão puros quanto ele. Quixote sonhava sim, e sonhava com um mundo que havia acabado. Porém ele sonhava com o que havia de melhor neste mundo findo, ou pelo menos deveria haver. Ele sonhava com a nobreza de espírito, com a pureza, com a verdade que, como cavaleiro, delirava defender. Esta pureza, a meu ver, é que muda o mundo, lentamente. Não muda como um furação ou um terremoto, mas como a água que pingando devagar fura a rocha ao longo dos séculos.

Sua luta poderá construir o futuro, a liberdade e a justiça. O que hoje parece, para a maioria, moinhos de vento inúteis de se atacar, podem, um dia, se mostrarem gigantes reais a serem derrotados. E isso, meu amigo, depende da sua luta, agora, mesmo que você não veja tal futuro.

 

 

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