Confesso que vejo muito pouca televisão. Eventualmente, no entanto, acabo por ver trechos de novelas para entender um pouco do que as pessoas falam. Assim já vi vários capítulos de novelas famosas, embora nunca tenha seguido uma até o fim. Mas se há algo que sempre me surpreende é um curioso fenômeno “sociológico novelesco”, principalmente naquelas exibidas pela maior rede de televisão do Brasil. Ocorre que nesta emissora, há uma marcada distinção social no quesito felicidade. Os pobres, geralmente, são mais felizes do que os ricos ou a alta classe média. Um exemplo, havia uma em que se fazia um contraponto. De um lado uma família muito rica cujos destinos se entrelaçavam com uma família de classe baixa. Na dos ricos tudo era problema, traição, drogas, conflitos por dinheiro, mas na dos pobres tudo era alegria, solidariedade. A matriarca da família pobre tinha um bar e nele gravitavam vários outros personagens da “comunidade” (eufemismo para favela ou bairro pobre). Via de regra o bar era agitado, feliz, frequentado por pessoas que tinham lá seus problemas sim, mas muito mais brandos, mais leves e geralmente eram pessoas engraçadas, de bom humor, que contrastavam nitidamente com as do núcleo rico.
Fico pensando no por que desta distinção. Serão mesmo os ricos mais problemáticos e os pobres mais felizes? Óbvio que não. Por um lado, essa polarização se deve ao fato de que os pobres, a maioria da audiência, não querem ver seus problemas na hora do lazer. Eles já vivem muitas dificuldades e após o jantar, quando se sentam em torno da televisão, querem mais é se esquecer de suas agruras e ver as dos outros, principalmente dos ricos que no dia a dia enfrentam menos dificuldades. Querem também sonhar (não é para isso que servem as novelas?) com outra realidade que não a deles, mais bonita, limpa e próspera do que a deles. Daí, claro, não se interessariam por uma exposição da vida dura de quem não tem dinheiro neste país. Eles já conhecem isso. Eles vivem isso.
Por outro lado, desconfio de um outro fator. As emissoras de TV e a imprensa em geral não são neutras. Elas pertencem a grandes grupos empresariais que se beneficiam de baixos salários e, portanto, da desigualdade social e da vida dura de muitos. Logo, para estes grupos e aqueles que anunciam nas televisões, demostrar algo mais real, mais verdadeiro socialmente, não é interessante. Exporia o contraste sobre o qual está assentada a riqueza de muitos. Melhor criar outra imagem, a imagem de um Brasil pobre sim, mas feliz e cujos problemas não vêm da pobreza, mas de “comportamentos inadequados”. Talvez eu esteja errado, mas penso que não. Quer um exemplo? Anos atrás a TV Globo colocou no ar um Globo Repórter cujo tema era a violência no Brasil. No último bloco do programa, mostraram cenas da Índia, com sua extrema pobreza em muitos pontos. A ideia era demonstrar que lá os índices de violência eram baixos, apesar da pobreza, daí não ser a má distribuição de renda a responsável pela criminalidade, mas uma “cultura de guerra” contra uma cultura de paz.
Foi uma manipulação nítida, sem qualquer base na realidade. A Índia é sim um pais violento, bem violento, com crime organizado, extorsão, drogas, assassinatos, estupros, machismo e de quebra uma grande violência religiosa. No entanto a emissora “vendeu” outra imagem, desvinculando a questão social da questão da segurança. Com a novela acontece o mesmo. Criar a imagem da pobreza “feliz” ou menos problemática, é uma forma de criar uma imagem do Brasil que oculta nossa questão social, que é grave, muito grave ainda.
Às vezes, é fato, as emissoras exibem algumas séries mais reais, como “Cidade dos Homens” por exemplo. Mas geralmente isso é bem mais tarde, quando os pobres mesmo não assistem e não podem se identificar. Claro, eles não assistem por vários motivos, alguns dos quais já citei. Mas também porque têm que acordar muito cedo, pegar várias conduções ruins para chegar ao seu trabalho mal pago.
Antonio Carlos- Totó
11 de abril de 2015
Na mosca, Luis. Beleza de análise. Não é a toa que os sinais da Globo chegam até debaixo de pontes. Presta um bom serviço ao simulacro oferecendo veneno em pílulas de ouro. Espero que essa organização pague por todo o mal que fez ao Brasil e pelo bem que deveria fazer e não fez ao povo brasileiro.
ggortan
12 de dezembro de 2015
Uma análise comum nas novelas de horário nobre onde é instigado a vingança, humilhação, supervalorização dos bens materiais, relações voláteis e corrompidas,… Realçando também que o escape aos problemas é a felicidade de bar que é obtida através da bebida.