Pela televisão assisto o resgate de um jovem nepalês que ficou mais de cem horas soterrado em escombros depois do terremoto. Ele tinha ar e alcançou uma esponja molhada para beber um pouco e um tablete de manteiga. Isso lhe deu forças, mas os analistas dizem que mais poderosa foi a vontade dele em viver. Foi localizado por cães farejadores e uma equipe de enviados de vários países trabalhou horas para retirá-lo. Em certa altura do trabalho, um bombeiro conseguiu pegar a mão do jovem e falava com ele, segurando sua mão, até que os demais conseguissem escavar em volta. Quando finalmente ele foi retirado, segurou a mão do bombeiro ainda na maca, até ser levado pela ambulância. A cena seguinte transmitida, foi a dos voluntários festejando aos berros, jogando um deles para o ar. Não tenho vergonha de dizer que chorei vendo tudo isso.
A vida, como já escrevi aqui, é tão rara, frágil e preciosa, que me comoveu o resgate. Me comoveu o esforço das equipes e a alegria deles por um salvamento. Um só, faltaram muitos outros, mas alguns eles fizeram.
Eu queria ter estado lá. Queria ter ajudado. Eu queria ter salvo uma vida. Eu queria mais, queria que o Nepal, assim como outros lugares que precisam, estivessem cheios de gente ajudando. As grandes potências têm tropas de elite, treinadas duramente para lutar e matar em qualquer situação e sob quaisquer condições. Fiquei imaginando se tivéssemos equipes tão treinadas e hábeis assim não para lutar, mas para salvar. Você já imaginou o que significaria termos suprimentos, aviões, carros e especialistas de plantão no mundo, prontos a voar para um local de catástrofe? Essas seriam as tropas de elite que eu gostaria de ver. Mas elas não existem, pelo menos não na proporção das necessidades do mundo. Mesmo as doações dos governos de países ricos são pequenas. Os EUA doaram dez milhões de dólares. Isso é menos do que custa um míssil sofisticado e civis pelas redes sociais doaram isso em pouco tempo. A realidade é óbvia, matar e destruir reúnem mais especialistas e dinheiro do que socorrer e reconstruir.
Na mesma semana, leio dezenas de manifestações de apoio à execução do brasileiro acusado de tráfico na Indonésia. Já tinha lido as anteriores, por ocasião do primeiro executado. Foram odes ao ódio e à morte. Posso entender que se odeie as drogas, o tráfico e toda a violência e tragédia que eles geram. Mas não posso aceitar a pena de morte e a execução dos brasileiros assim como a dos outros condenados. Se tenho a vida como um bem precioso, ela precisa ser preservada e ninguém pode tirá-la. Quem a tira deve ser punido sim, e com rigor, mas não com a morte. Mesmo o assassino mais cruel e vil não pode, a meu ver, ser morto. Se o matarmos, estamos negando a ele o bem absoluto que devemos proteger e, a meu ver, estamos cometendo o mesmo crime que ele cometeu. Não, não sou ingênuo. Não acredito na liberdade ou reabilitação de Suzane von Richthofen por exemplo. Ela deve ser mantida longe dos demais. Mas não defendo sua morte porque isso me tornaria “igual” a ela, capaz de matar alguém indefeso, como ela fez. Sim, indefeso, porque é assim que um condenado está ao ser executado.
Antes que você diga que: “se fosse comigo ou com minha família”, eu pensaria diferente, deixe-me dizer que já fui assaltado dentro de minha casa, com minha família, e fiquei sob a mira de armas, temendo por mim e pelos meus. Já fui roubado e furtado, já fui ameaçado de morte três vezes, duas delas bem sérias. Conheço, portanto, a violência, o medo, a insegurança e a raiva, mas não creio que meu ódio seja uma boa lei universal.
Nesta semana assisti a comemorações pela vida e pela morte. As primeiras foram mais escassas do que as segundas. Porém, como diz a sabedoria judaica do Talmude: “Quem salva uma vida, salva o mundo todo”. Mesmo menores, as comemorações pela vida do jovem nepalês superam as da morte do brasileiro.
Heloísa Angeli
6 de maio de 2015
Concordo com VC em cada virgula desse artigo.
Seriamos muito mais humanos com tropas de elite socorristas sim.
Deus nos ajude a ajudar e a criar consciência p amar e amar.
Marina Machado
6 de maio de 2015
Pra variar, arrasou no texto. Chorei de ler. Abraço a ideia de formar parte de uma tropa de elite de socorristas, como disse acima a Heloisa. Parabéns e um abração.
Marisa
6 de maio de 2015
Também adorei o texto, não discordo de uma única palavra que você escreveu. Também queria, e muito, estar salvando uma vida no Nepal. Parabéns!
Anônimo
7 de maio de 2015
Simplesmente incrível!
blogdoamstalden
8 de maio de 2015
Obrigado.