A dengue, o transgênico e o lucro. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 29 de abril de 2015 por

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transgenicos

Na década de 1950, grandes empresas anunciaram com orgulho a “revolução verde”. Um “pacote” de sementes, adubos, agrotóxicos e máquinas agrícolas que iria, segundo eles, mudar a agricultura e eliminar a fome no mundo. Com o aval e com financiamentos de governos dos países ricos, milhões de agricultores, principalmente em regiões mais pobres, migraram para a “nova agricultura” para “alimentar o mundo”. De fato a produção aumentou, mas, como mostraram inúmeros estudos e relatórios posteriores, outros problemas surgiram, tais como o envenenamento do meio ambiente, aumento da resistência de pragas, surgimento de outras espécies predadoras das plantas, contaminação humana e animal e concentração de renda nas mãos de grandes agricultores, com a expulsão de pequenos produtores, extinção de sementes nativas e o controle do patrimônio genético de produtos por grandes corporações, dentre outros. A fome continuou porque ela não é uma questão tecnológica apenas, e sim uma questão de como se distribui a produção. O lucro das empresas também aumentou e muito, e este parece não ter dito “efeitos colaterais”.

Com a tecnologia transgênica parece ocorrer um processo similar. Desde que a alteração da estrutura genética dos seres vivos se tornou possível, não faltam os que profetizam uma era de ouro, sem fome, com abundância de produtos e com remédios e outros gêneros baratos. Esta tem sido a principal argumentação utilizada para a liberação de produtos transgênicos, dos quais já consumimos milho, soja e outros. O problema é que, da mesma forma que as técnicas da revolução verde, as variedades transgênicas também podem ter efeitos “colaterais” bem complicados. Um dos principais, para não tomar espaço demais aqui, é o fato de que não sabemos o que pode ocorrer no meio ambiente a partir do momento em que se introduz genes alterados em laboratórios ou inseridos de um ser ao outro por meios artificiais. A vida levou milhões de anos para compor sua formação genética e isso através de um processo de seleção natural no qual os “erros”, os genes que não eram eficientes ou não se relacionavam adequadamente com o meio, foram eliminados. A tecnologia transgênica tem pouco mais de trinta anos e muitas espécies vegetais ou animais transgênicas, são estudadas a vinte, dez anos. É muito pouco para se avaliar a reação futura destes genes na natureza e em relação ao homem.

Estudos como o de Jeffrey Smith (Roleta Genética) demonstram que vegetais geneticamente alterados podem causar doenças e até superbactérias, capazes de resistir aos tratamentos agora disponíveis. Também não sabemos ainda todas as modificações que sementes, pólen e esporos alterados podem causar em espécies na natureza e no equilíbrio ecológico. Ou seja, a tecnologia transgênica, embora apregoada por muitos como revolucionária, tem efeitos que desconhecemos. E se desconhecemos podem ser bons, neutros ou muito ruins. Aí reside o problema. Se não temos segurança (e de fato penso que não temos) dos efeitos a longo prazo desta tecnologia, o que deveria ser aplicado é o chamado “princípio do acautelamento”: continuar a pesquisa mas não disseminar os novos genes. Para as empresas, no entanto, não é assim que funciona. Elas investiram por dez anos ou mais e precisam gerar lucro com os investimentos. O tempo do balanço contábil é um, mas o da natureza é outro. Dez anos de investimentos é muito tempo para uma corporação, mas pouco para a segurança do meio ambiente. Assim os estudos são considerados satisfatórios e os produtos liberados em acordos com o Estado. E nós consumimos os genes alterados.

Em Piracicaba, no próximo dia 30, mosquitos aedes aegypti transgênicos serão liberados experimentalmente para diminuir a população dos normais e combater a dengue. A tecnologia custará, no futuro, milhões de reais a serem pagos à empresa dona do mosquito. Estes milhões gastos podem até diminuir a infestação de dengue, mas os efeitos disso a longo prazo são, como eu disse, imprevisíveis. A questão parece não ter solução, mas tem. Em Santa Bárbara do Oeste, cidade vizinha à nossa, um sistema de armadilhas para monitoramento dos mosquitos na cidade e a tomada de medidas, diminuiu em 78,4% os casos de dengue na cidade. A técnica transgênica a ser aplicada aqui pode até melhorar este índice. Mas a que custos econômicos e ambientais? Qual técnica escolher? Se você for um cidadão contribuinte, a das armadilhas de monitoramento parece mais adequada. Mas se você pertencer à uma empresa de biotecnologia interessada em vender, os transgênicos são melhores…

http://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2015/04/com-armadilha-para-aedes-santa-barbara-reduz-dengue-em-784.html

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