Ando pesquisando, lendo a respeito e analisando a questão racista na obra de Monteiro Lobato, mais precisamente, na coleção “Sítio do Pica Pau Amarelo” e, dentro dela, os livros condenados “Caçadas de Pedrinho” e “Histórias de Tia Anastácia”.
Não sou nenhuma acadêmica, peço desculpas pela minha ignorância e pela minha singeleza em analisar essa questão do ponto-de-vista de minha própria experiência e sob a visão de uma leitora apaixonada por seu primeiro amor.
Em minhas andanças pelo conhecimento, tristemente descobri que Lobato era eugenista, isto é, abraçava a teoria da valorização da raça pura e era, sim, racista. (Artigo de: Juremir Machado da Silva, no site: http://www.geledes.org.br/monteiro-lobato-o-racismo-e-os-alunos-em-camara-ligada-politicamente-incorreto/#axzz3XDObzyNs ; Artigo de: Marisa Lajolo, no site: http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/outros/lobatonegros.pdf)
A argumentação referente às obras acima resume-se em (quem quiser maior detalhamento, sugiro que consulte os sites indicados): a) a posição social ocupada pela Tia Anastácia, que transita entre a sala e a varanda, mas se mantém na cozinha e na função de cozinheira; b) costuma ser chamada de negra habitualmente, sendo esta não apenas uma descrição física, mas uma característica pela qual é conceitualizada; c) em duas passagens, é descrita como “macaca de carvão” e que tem “carne preta”; d) os comentários jocosos da Emília quanto às histórias folclóricas contadas pela Tia Anastácia e os comentários inferiorizando a cultura popular dessas mesmas histórias pela Narizinho, com desdém e pela D. Benta, justificando a ignorância pelo analfabetismo.
Modificando a direção do raciocínio, gostaria de compartilhar com todos minhas profundas ligação e admiração por Monteiro Lobato. Meus primeiros livros foram a coleção do “Sítio do Pica Pau Amarelo”. Li e reli. Aventurava-me com Pedrinho, Narizinho e Emília! Pousava a minha cabeça no colo da “vó” Benta e ouvia suas histórias. Comia os bolinhos de Tia Anastácia. Para mim, elas eram comparadas às minhas avós. Minha avó Irene, de ascendência italiana, amante da cozinha, cujos quitutes incomparáveis provocam a mais cruel das saudades. Assim como Tia Anastácia, fazia bolinhos de chuva de lamber os beiços. E a D. Benta se assemelhava à minha avó Albertina que era mestra em contar histórias, em nos acompanhar nas fantasias aventureiras de nossas imaginações.
Aprendi imensamente sobre história, sobre mitologia grega, sobre o prazer de ler, a delícia de aprender, sobre o interior desse Brasil, sobre as crendices do tio Barnabé, sobre o folclore brasileiro, sobre tanta, mas tanta coisa, que não saberia enumerar. Aprendizados que se fincaram, que me acompanham até hoje e cuja referência maior não foram os bancos escolares, mas a coleção “Sítio do Pica Pau Amarelo”. Impressionante a genialidade deste escritor em nos envolver, em nos ensinar como se estivéssemos brincando e transformar a leitura em mais uma aventura deliciosamente vivida no “Sítio”.
Repeti tantas vezes o vocábulo “aventura”, o que não é de praxe, nem de bom tom ao escrever, mas não consigo substituí-lo por outro sinônimo, que seja fiel aos meus sentimentos ao viajar nas páginas da coleção de Monteiro Lobato.
Pesquisando sobre sua biografia, para além da polêmica que impulsionou a Petrobrás, Monteiro Lobato tornou-se também editor, em uma época em que os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa, passando a editar livros no Brasil. Com isso, ele implantou uma série de renovações nos livros didáticos e infantis.
Ficou bastante conhecido entre as crianças, pois se dedicou a um estilo de escrita com linguagem simples onde realidade e fantasia estão lado a lado. Pode-se dizer que ele foi o precursor da literatura infantil no Brasil. Foi esta a linguagem que me cativou, não era nem infantilizada e nem adultizada, dirigia-se às crianças respeitando sua inteligência.
“De escrever para marmanjos já estou enjoado. Bichos sem graça. Mas para crianças um livro é todo um mundo”, disse-o ele.
Sendo um nacionalista convicto, criou aventuras com personagens bem ligados à cultura brasileira, recuperando inclusive costumes da roça e lendas do folclore.
Monteiro Lobato pegou essa mistura de personagens brasileiros e os enriqueceu, “misturando-os” a personagens da literatura universal, da mitologia grega, dos quadrinhos e do cinema. Também foi pioneiro na literatura paradidática, ensinando história, geografia e matemática, de forma divertida.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Monteiro_Lobato e http://www.suapesquisa.com/biografias/monteirolobato/)
Este complexo homem torna ainda mais difícil banir a sua literatura pela qualidade inigualável de escritor infantil, pelo ineditismo de sua linguagem para crianças, pelo conteúdo criativo, lúcido, propulsor do amor à leitura, transmissor de conhecimentos sobre o folclore, mitologia grega, história e tantos outros matizes.
Mas, pensemos nos pontos desfavoráveis e que corroboram o seu racismo:
- a) a posição social ocupada pela Tia Anastácia, que transita entre a sala e a varanda, mas se mantém na cozinha e na função de cozinheira. Significa a falta de mobilidade social e praticamente dizer que este era o lugar da Tia Anastácia. E era mesmo. Principalmente naquela época. Minha avó também exercia essa função magistralmente, mas a ela pertenciam também os lugares das reuniões familiares, do comando e do mando na gestão familiar. Em minha infância, tivemos uma empregada negra, que nos batia e nos amedrontava, por isto minha mãe a dispensou e parou de trabalhar. Tia Anastácia era, para mim, a fada bondosa em oposição ao que esta empregada representou. A situação social de tia Anastácia, sem pensarmos no racismo de Lobato, é bastante coerente com a época de seus escritos. Mais que isto, diferentemente do usual daqueles tempos, era bem tratada, respeitada e admirada. Não o era pela Emília? Mas, a Emília tem como parte de sua personalidade a irreverência e a malcriação.
- b) costuma ser chamada de negra habitualmente, sendo esta não apenas uma descrição física, mas uma característica pela qual é conceitualizada. Suponho que seja adequada esta observação. Não se trata apenas de uma questão “da época”, mas uma visão do autor. Mas, não acredito que este preconceito seja transmitido à criança que lê toda a obra infantil de Monteiro Lobato. Pontualmente, nas observações em “Caçadas de Pedrinho”, em que a cozinheira é comparada a um “macaco de carvão” e no modo em que Emília por vezes lhe responde, Anastácia é desrespeitada por conta de sua negritude. Cresci lendo toda coleção, como já afirmei. Casei com um negro e tenho dois filhos mulatos (lindos, mas lindos mesmo). Fica-me difícil crer na possibilidade de influência racista pelos livros infantis do homem das grossas sobrancelhas. Ou eu seria a mais ferrenha adepta da Ku Klux Klan.
- c) em duas passagens, é descrita como “macaca de carvão” e que tem “carne preta”. Nessas passagens, o preconceito é inegável e o racismo se evidencia. Talvez uma nota de rodapé que as explique ou ainda, as critique possa fazer a reparação necessária a estes termos tão ofensivos. No caso, do “macaca de carvão”, apenas o pretume do carvão é expressão desnecessária, mas Tia Anastácia foi comparada a um macaco pela habilidade com que subiu uma árvore e, neste caso, qualquer um que assim o fizesse, poderia ser comparado a este animal. Indubitavelmente, preconceituosa a fala da Emília, afinal, qual seria a diferença entre carne preta e carne branca, se pertencemos a mesma espécie? Absolutamente nenhuma!
- d) os comentários jocosos da Emília quanto às histórias folclóricas contadas pela Tia Anastácia e os comentários inferiorizando a cultura popular dessas mesmas histórias pela Narizinho, com desdém e pela D. Benta, justificando a ignorância pelo analfabetismo. Situação bastante enfatizada por Marisa Lajolo em seu estudo. Apesar deste viés, não percebido por mim na infância, foi assim que conheci os personagens do folclore brasileiro. Não carreguei nenhum preconceito com o nosso folclore, muito pelo contrário, foi a partir das obras de Monteiro Lobato que o valorizei. Precisaria reler “As histórias de Tia Anastácia”. Mas, o que me foi mostrado ou o que percebi, já não sei bem, é que as críticas ao folclore diziam respeito às pessoas acreditarem piamente naquelas fantasias. Diferentemente das histórias contadas por D. Benta, cuja irrealidade era marcada pelo pó de pirlimpimpim, que nos levava à terra da imaginação. Quem acreditou no Minotauro? Ou nos 12 trabalhos de Hércules? Ou no casamento aquático de Narizinho? Algo marcava o limite entre fantasia e realidade. As críticas da Emília, de forma desbocada e desrespeitosa, expressam um racismo aversivo. As críticas da Narizinho demonstram um desdém pelas histórias do povo favorecendo as histórias infantis européias, o que me parece um “tiro no pé”, no qual o autor se auto-desvaloriza. Já as críticas de D. Benta esclarecem a condição de gente analfabeta que crê no irreal. Para mim, este seria o único livro a ser retocado a fim de preservar o conhecimento que ele traz sobre o nosso folclore, cujos porta-vozes só poderiam ser Tia Anastácia e Tio Barnabé (no caso do saci), enquanto representantes dessa gente singela que originaram e alimentaram nossos personagens folclóricos.
Richard Wagner, compositor alemão do século XIX, compôs peças clássicas belíssimas, músicas e óperas extraordinárias. Também escreveu O judaísmo na música, em que atacava fortemente a influência judia na cultura e na arte alemã. Na publicação, ele retrata os judeus como “ex-canibais, treinados para ser agentes de negócios da sociedade”. Sua obra não é menos bonita por conta de seus ideais.
(http://musicaclassica.folha.com.br/cds/09/biografia.html)
Penso que é preciso separar o homem de sua arte; a contribuição social e histórica dos obtusos pensamentos.
E com relação a Lobato, penso que as qualidades e vantagens pedagógicas de sua obra infantil superam os viéses da eugenia e do racismo. Além de, conforme dito acima, pode-se fazer uma nota de rodapé a respeito das duas infelizes frases citadas pelos estudos e por aqueles abominam o autor.
Evandro Mangueira
14 de maio de 2015
Difícil criticar gênios.
Dá medo de parece idiota, quando se fala de alguém que a obra é tão grandiosa quanto a própria história do País, mas creio que é possível fazer humor, criar histórias (infantis e adultas), fazer televisão (Ah, essa falta muito pra melhorar), programas de auditório, teatro, jornalismo de forma que as minorias (que não são tão minorias assim) sejam favorecidas, representadas nas suas pluralidades.
Monteiro não conseguiu isso, seja pela época em que escreveu, seja por não existe obra sem opinião do “obrador” (Autor).
A cria sempre será semelhante ao criador, pois da boca só se sai o que está cheio o coração, e talvez por essa razão você não veja maldade na obra de Monteiro, talvez por essa razão você tenha bondade ao ver nos outros apenas as diferenças físicas que nos torna iguais, porque o seu coração está cheio dessa bondade que eu chamo de respeito ao próximo.
Monteiro foi genial, mas gênios também erram.
Carla Betta
14 de maio de 2015
https://lavitanuova13.wordpress.com/2015/05/14/129/
Neste link, João Camilo, narrador e estudioso da literatura infantil, explana sobre o mesmo tema, mostrando outros aspectos e outras análises.
Anônimo
14 de maio de 2015
O racismo existente nas obras desse grande escritor não se resumem apenas nessas duas frases. Deve-se notar que o “Sítio” na verdade, é um latifúndio, né? E a Emília, apresenta uma superioridade maior que Deus, pois em “Emília no país da gramática”, a personagem afirma que: “não há força maior que a minha!”. Perante isso, fico com a opinião do Evandro Mangueira: “Gênios também erram!”
Carla Betta
14 de maio de 2015
Oi, anonimo. Obrigada por comentar. A Emília é a irreverência, a tolice, a “torneirinha de asneiras”, então, ela não representa o pensamento do Lobato. Aliás, ela é um dos personagens do Lobato e não há nenhuma indicação de que ela seria ele. O que representa o pensamento do autor é a totalidade de suas obras e não uma fala recortada do contexto. Em se falando de contexto, o texto do João Camilo é mais abrangente que o meu e mais esclarecedor:
https://lavitanuova13.wordpress.com/2015/05/14/129/
Gênios também erram, principalmente porque apenas a Emília se acredita perfeita e onipotente.
Antonio Carlos- Totó
16 de maio de 2015
Muito boa análise dentro de um belo texto.
Dediomar
30 de setembro de 2016
[…] gênios também erram.