Cinquenta Tons da Realidade Ou Notas sobre o Impeachment. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 14 de abril de 2016 por

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lula e maluf

Seria bom que a política fosse “binária”, ou seja, os mocinhos de um lado e os bandidos de outro. Mas não é, assim, como de resto, a vida também não. Na política e na vida não existem categorias puras, porque somos humanos, cheios de qualidades, falhas, altruísmo, egoísmo e as demais contradições do ser humano.

Agora, no entanto, na semana da votação do processo de Impeachment, nas ruas, nas redes sociais, na mídia, o que vejo é uma idealização de discursos. De um lado o bem e do outro o mal e, claro, cada lado se acha o “bem” e que o outro é o “mal”. Este é um dos momentos perigosos da História que tende a criar os piores radicalismos.

De minha parte, o que vejo, é uma realidade com tons muito mais complexos. E o primeiro diz respeito ao próprio Impeachment. Dilma e o PT o merecem? Minha resposta é sim e não…

Não porque “pedaladas fiscais” não são motivo. Se o fossem, teríamos que ter impedido FHC antes e muitos outros hoje, de prefeitos a governadores. O processo desta semana se baseia em um motivo primário frágil, mas também em uma mídia forte e um empenho incomum de alguns membros do Poder Judiciário, além de, claro, um imenso oportunismo do Legislativo, com deputados aproveitando para negociarem vantagens imensas, tanto os que são contra o governo quanto os que são a favor. Logo, a meu ver, o que temos é mais uma manobra política do que um processo legal. Mais um oportunismo do que um fato.

Por outro lado, penso que sim, o PT e Dilma, além de Lula, “merecem” o que está acontecendo. Merecem porque eu não duvido das irregularidades. Não duvido da existência do mensalão, da corrupção na Petrobrás, das ligações muito próximas com empreiteiras, que a meu ver são revertidas em doações para campanha.

Mas, é ainda um pouco mais profundo o motivo pelo qual, a meu ver, “merecem”. Ocorre que ninguém com o mínimo conhecimento ignora o clientelismo e o coronelismo da política brasileira. Os votos conquistados no “toma lá, dá cá”, as relações espúrias entre grandes grupos econômicos e políticos e a ignorância e a necessidade do povo que vota por uma conta de luz paga. O PT, pelo menos como eu o via nos anos oitenta, deveria ter sido a antítese disso tudo Deveria representar a construção de uma democracia real, fundada na cidadania e na lisura política. Não o fez.

No início, na primeira eleição de Lula, bem, naquela época talvez fosse necessário mais “pragmatismo político”, se me permitem o termo, para enfrentar uma estrutura viciada. Mas o PT teve dezesseis anos no governo. Dezesseis anos que poderiam ter sido usados para construir uma base parlamentar própria e sólida a fim de não ter que pagar mensalão. A fim de não ter que recorrer a alianças com Maluf, Calheiros, Temer, Collor.

Não o fez e abandonou o trabalho de base, nos municípios e nas comunidades pobres.  Deveria tê-lo mantido, principalmente na época em que a economia brasileira esteve bem. Foi incompetência? Falta de vontade? Acomodamento? Não sei. Mas em minha avaliação, condições reais de fazer uma mudança no cenário politico eles tiveram. Tiveram condições de aumentar a organização democrática popular, tiveram a oportunidade de ensinar a cidadania. Tiveram tudo isso nas mãos. E não o fizeram. Eu próprio, e muitos outros que conheço, cansamos de falar nas periferias e ajudar a organização de comunidades mais pobres. Mas o governo do PT se burocratizou.

Agora Maluf vota pela abertura do Impeachment, ele que apertou a mão de Lula nas eleições de São Paulo para eleger Haddad. Agora Temer já prepara seu discurso, ele que esteve com Dilma. E muitos outros correm para fora do governo como ratazanas que são. E o PT colhe o que plantou.

Muitos amigos meus vão às ruas. Escolhem defender o partido e Dilma porque creem, não sem razão, que um governo de Temer será um retrocesso. Eles escolhem o “menos ruim” na expectativa de que o partido se reformule. Mas o PT não fez o que deveria ter feito antes. A autocrítica e o expurgo de corruptos. Estava e está amarrado demais para isso. Logo, eu não vou defender o PT. Reconheço alguns ganhos no governo deles, como o aumento real do salário mínimo e das universidades federais, mas não vou defender o governo dado todo o restante.

Tampouco vou ás ruas pelo Impeachment. Continuo sendo de esquerda. Continuo abominando os neofascistas que saem da toca e o cinismo do PSDB, que também deve e não será avaliado com o rigor que o PT foi. Mas o PT não inventou a esquerda. E até onde eu percebo, nem a defendeu com a ênfase que eu esperava. Eu penso que as contradições que criam as ideias de esquerda continuarão e se tornarão ainda mais fortes. Por isso, penso que uma nova esquerda vai surgir, e precisa surgir. Não sei ainda como e não a visualizo em nenhum partido atual. Mas a visualizo no anseio e na percepção de muitos. Eu vou ajudar a busca-la defendendo ainda a cidadania e a democracia plenas que é a essência do pensamento de esquerda. Defendendo a justiça social e a distribuição de renda.

E o PT, bem, o PT que se renove, que se torne parte disso.

 Ou desapareça.

Luis Fernando Amstalden

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