Sra. Desembargadora Marília Castro Neves
Quando alguém é aprovado em um concurso e assume a magistratura, como a Sra., deveria bem saber, está assumindo uma posição de muita responsabilidade e também muito delicada.
Pelas mãos de tal pessoa a sociedade tenta fazer cumprir leis. Não necessariamente fazer justiça, uma vez que tal conceito é muito subjetivo e, infelizmente, não universal, não destinado a todos, principalmente no Brasil, mas pelo menos fazer cumprir leis.
E para tanto, como a Sra. Deveria saber, são necessárias várias características, das quais cito algumas, dentre muitas outras.
A primeira característica é a discrição. Penso que um magistrado não deve se pronunciar sobre casos que julga, mas TAMPOUCO sobre casos que não são de sua alçada. E não deve nunca se pronunciar em público sobre crimes que julga ou não, posto que seu cargo pode levar pessoas a tomar seus pronunciamentos como a sentença final ou a “verdade”. Claro que um magistrado tem direito de ter uma vida privada e opiniões próprias, mas, tirando a esfera familiar e dos amigos mais íntimos, tem que ter muito cuidado com o que diz. E mais ainda em redes sociais. Seria melhor abster-se delas ou de comentários relativos a casos que a o Poder Judiciário terá que tratar.
A segunda característica é a da prudência. Um magistrado tem que ser extremamente prudente, como já aponto acima. E isso NÃO somente no exercício das suas funções, mas TAMBÉM na sua vida pública, o que inclui as redes sociais. Quem é imprudente em comentários ou análises preliminares de fatos recém ocorridos, passa a imagem de ser TAMBÉM imprudente na sua atividade profissional, a de julgar.
A terceira e última característica que cito aqui é a da imparcialidade. Espera-se, pelo menos em tese, que magistrados sejam imparciais. Que antes de emitir uma sentença ESTUDEM o resultado das investigações e ANALISEM a veracidade e procedência dos fatos. Se não for assim, se um magistrado não for imparcial, não existe aplicação possível da lei, muito menos de justiça, que como já disse, é algo infelizmente bem parco no Brasil. O mesmo comportamento, formando uma tríade com os demais, se aplica a comentários públicos. Um magistrado não deve se pronunciar sobre casos criminais que NÃO CONHECE em público.
Ora, ao comentar em uma rede social o assassinato da vereadora Marielle Franco, a Sra contrariou TODAS as características que cito, contrariou o mínimo que se espera de um magistrado.
Comentou um caso grave de assassinato em uma rede social pública, ou pelo menos em uma comunidade desta rede que tem muitas pessoas, portanto não pode ser considerada privada. Afirmou que a vereadora assassinada teria ligações com o tráfico, tornando suas palavras, de alguém que detêm poder e responsabilidade, uma “verdade” caluniosa e difamatória reproduzida exaustivamente por internautas preconceituosos ou pouco esclarecidos, que viram nas palavras de uma desembargadora uma explicação definitiva. Nesse momento a Sra. demonstrou um comportamento indiscreto e imprudente, indigno do cargo e da responsabilidade que detém.
E, pior ainda, sem conhecer o caso e sem conhecer a vereadora Marielle Franco, como admitiu, foi absolutamente parcial na sua fala. Foi parcial porque emitiu uma opinião que reproduz a “equação” simplista e perigosa que associa e atribui aos pobres, negros e favelados uma ligação automática com o crime e a organização criminosa. Foi parcial porque se afirmou que a atividade de militância de Marielle era a responsável pela sua morte, culpando a vítima pelo próprio assassinato. Foi parcial porque afirmou que o caso era “mimimi” da esquerda, sendo que a Sra. não é magistrada de correntes ideológicas, mas de toda a população e das leis, não de uma corrente política ou partidária. Foi parcial porque afirmou que Marielle era “cadáver comum” sendo que NÃO EXISTEM CADÁVERES COMUNS entre vítimas da violência, sejam elas cidadãos honestos, policiais ou até criminosos assassinados. A imparcialidade da lei deve garantir o direito a vida de TODOS, logo nenhum cadáver vítima de morte violenta deve ser “comum”, mas sim objeto de sua atenção e sentença igualitária.
Ao ter feito tal comentário indiscreto, imprudente e parcial, a Sra. reforçou o preconceito de milhões que acreditam piamente no estereótipo perverso que atrela negros, pobres, favelados, gays e agora esquerdistas ao crime e à organização criminosa. Milhares de pessoas reproduziram suas palavras e vão reproduzir ainda por muito tempo, a despeito de qualquer racionalidade. E isso é extremamente perigoso, aumenta a violência, a injustiça e criminaliza os mais pobres e fracos na sociedade. Historicamente tal preconceito gerou genocídios e, temo eu, falas como a sua alimentam essa possibilidade histórica.
Sra. desembargadora Marília Castro Neves, a Sra. faz parte de um grupo que está, hoje, sendo questionado por seus benefícios que para muitos, inclusive para mim, são privilégios dignos da antiga “nomemklatura soviética”. E tanto os seus benefícios quanto os seus rendimentos são pagos por milhões de cidadãos, inclusive esse que lhe escreve, através de nossos impostos. A Sra. ofendeu milhões de seus pagadores, ofendeu o cargo de magistrada e até mesmo os seus colegas, que agora terão mais um motivo para serem criticados em seus vencimentos.
A Sra. será representada pelo partido da Vereadora Marielle Franco, mas eu não creio que seja responsabilizada em proporção ao dano que penso ter causado, até porque, a maior punição que a Sra. pode ter é ser aposentada com salário integral, que não é o caso, claro, mas que, mesmo que fosse, seria não uma punição, mas outro privilégio.
Assim, descrente de sua responsabilização legal, faço um apelo ético, já que não lhe conheço e lhe dou o benefício da dúvida, como a Sra. não deu à Marielle. Peço que retrate-se publicamente para com a família da vereadora, seus eleitores e os milhões de brasileiros que leram seu comentário infeliz, e que daqui por diante, a Sra. pelo menos tente ser em seus comentários públicos, aquilo que se espera de sua atitude profissional: discreta, prudente e imparcial. Caso contrário, a Sra. reforçará ainda mais preconceitos genocidas e a descrença no Poder Judiciário, já tão desmoralizado.
Prof. Dr. Luis Fernando Amstalden
Cidadão que ajuda a custear seus vencimentos.
PS: não a chamo de “meritíssima” por dois motivos. O primeiro é o de que, ate onde eu sei, não existe lei que me obrigue a isso. E o segundo é porque o meu conceito de “mérito” de onde vem a palavra “meritíssima” – cheia de mérito – é um tanto mais exigente do que o vulgo utilizado nos tribunais.
Maricell
19 de março de 2018
Boa tarde Luis Fernando!
Aplaudo, em pé, tudo que escreveu nesse post à desembargadora Marília Castro Neves. Aplaudo e compartilho toda sua lucidez em suas palavras e alegações, assim como compartilharei seu post com meus amigos no whatsapp.
Grande abraço.
Maricell
blogdoamstalden
19 de março de 2018
Muito obrigado Maricell. Façamos a Marielle viver em nossa luta. Abraço
anapaularotelli
19 de março de 2018
Professor, adorei o texto…
Mas esse parte final: “PS: não a chamo de “meritíssima” por dois motivos. O primeiro é o de que, ate onde eu sei, não existe lei que me obrigue a isso. E o segundo é porque o meu conceito de “mérito” de onde vem a palavra “meritíssima” – cheia de mérito – é um tanto mais exigente do que o vulgo utilizado nos tribunais.”, foi de ótimo gosto!!!
Já compartilhei… e continuarei enviando todas as difamações para o e-mail das advogadas que estão cuidando disso!!
Além disso, espero que seu texto chegue até a família da Marielle!!!
Beijos
blogdoamstalden
19 de março de 2018
Obrigado querida. De fato eu sou um tanto severo no uso de termos de homenagem.
Ana Penteado.
19 de março de 2018
Professor,
Fico imensamente agradecida por alguém como o senhor, dar voz a nós todos, os pagadores dos vencimentos desta senhora que no mínimo, visto a ausência de educação, tão pouco respeito ao próximo.
Do mais o senhor já bem mencionado em seu texto-carta já escrito e muito bem descrito, ausência de profissionalismo, ética e caráter da SERVIDORA PÚBLICA em questão.
Infelizmente, lamentavelmente, tudo que o senhor escreveu é verdade.
Aliás, antes mesmo da ausência de responsabidade que essa SERVIDORA PÚBLICA ocupa, já me sinto envergonhada pelo comportamento desta mulher banalizando o assassinato, tendo como vítima uma mulher, com agravante por motivos políticos, vendo ser cobrado responsabidade por este texto vindo de um homem.
Então professor, muitas vezes meu muito obrigada!!!!!
blogdoamstalden
19 de março de 2018
Eu é que agradeço. Mas ainda teremos muito chão pela frente para acabar com os privilégios desta casta.
M.de Lourdes Piedade Sodero
20 de março de 2018
Caríssimo Professor, minhas saudações.
Parabéns por sua carta de altíssimo conhecimento e competência. Sua atitude nos comoveu; tudo o que publica nos leva à seríssimas reflexões… à necessidade urgente de retomarmos os verdadeiros valores da vida, atualmente tão negligenciados.
Continue sua luta, árdua mas valorosa aos olhos de quem, como você, deseja uma Nação mais digna e Humana. Pode falar em nosso nome. Nós o conhecemos e apreciamos tão nobre conduta.
Abraço carinhoso ao “Menino Grande”que conheço há décadas,desde garotinho; hoje,um
Respeitado Sociólogo, Dr. Luis Fernando Amstalden, amigo querido.