A tragédia de Brumadinho, assim como a de Mariana e tantas outras, foi um crime e não um desastre ambiental. Como parte considerável dos crimes, foi calculado. Este cálculo mina gradativamente o futuro da civilização humana. Consubstanciado no elevado número de mortos (84) e desaparecidos (276) Brumadinho transmite relativo ar de excepcionalidade, como um episódio macabro que marca determinado momento de nossas vidas. Entretanto, não o é. Pertence à normalidade cotidiana que, de tão presente, torna-se imperceptível.
O que move nossa sociedade é, antes de tudo, o cálculo monetário. O custo-benefício. Diariamente todos os seres humanos da terra se questionam: “Será que Vale o quanto custa? Será que Vale a pena gastar com isso? Quanto Vale isso? Vale investir nisso?” Todas essas perguntas, bem como suas respostas, são mensuradas por uma única variável: o dinheiro. Sobre esse atributo são tomadas a quase totalidade das decisões humanas numa sociedade capitalista. O dinheiro é o Valor máximo numa organização social fundamentada na sua suposta escassez. Reside aqui a quase totalidade dos nossos males.
Tanto no nível micro quanto macro, individual ou coletivo, privado ou público, avaliações relacionadas à saúde, à educação e ao meio ambiente são constantemente mensuradas pelo dinheiro. “Cortaremos gastos com saúde para atingirmos o equilíbrio fiscal”. “Invista no curso que mudará sua vida”. “Estude e se dê bem”. “Utilize o agrotóxico que duplicará sua produção e rentabilidade”. “Casou bem”. Todas essas frases colocam o dinheiro acima de qualquer coisa, tornando-o objetivo e base do relacionamento e da sociabilidade entre todos os indivíduos. Interagimos mediante o dinheiro. É o objetivo supremo das nossas ações. É a razão das nossas atitudes. É o Valor primeiro do nosso cotidiano. É o substrato da sociedade capitalista.
Os indivíduos nessa sociedade dormem e acordam pensando em como ganharão mais dinheiro. Bolam estratégias, falas, comportamentos e atitudes que os levem ao sucesso, ou seja, ganhar dinheiro. Apoiados na inocente ideia de meritocracia, realmente acreditam que o dinheiro é o prêmio justo e adequado àqueles mais esforçados. Realmente acreditam que o mundo é composto por perdedores e vencedores. Que uns têm pouco porque não merecem, outros têm muito porque mereceram. É assim que deve ser. Criamos nossos filhos para serem vencedores; investimos em colégios caros e cursos de inglês não na esperança de torná-los mais humanos e preocupados com o mundo ao seu redor mas sim porque terão mais ferramentas para se destacar no mercado de trabalho esmagando seus competidores e recebendo seu merecido prêmio em dinheiro. Forjamos amizades com o intuito de ampliar nossas redes de contato e facilitar nossos negócios. Praticamos relacionamentos interessados buscando incessantemente o dinheiro. O livro mais vendido no mundo desde os anos 1940 é: “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, de Dale Cornegie. Nossa sociedade move-se por esses Valores. Acreditamos neles; a Vale também. Não é só um Valor da Vale; é nosso também.
Como o critério de mensuração é o monetário, todas as demais questões ficam em segundo plano. Ética, sustentabilidade e amor ao próximo são Valores ressaltados apenas quando melhoram a imagem e portanto conferem ganhos. Não são prioritários. O dinheiro é primaz; é o nosso principal Valor. O crime de Brumadinho está nisso assentado. A Vale calculou: “Gastarei menos na barragem. Caso o fiscal perceba, o suborno. Se estourar, pago a multa ou compro o juiz. O que economizarei na barragem compensa o gasto que terei num eventual rompimento. Vale a pena”. Infelizmente, foi “apenas” um cálculo monetário. Da mesma natureza que fazemos todos os dias, colocando o dinheiro no centro das nossas vidas e acima de tudo.
Tais cálculos monetários derivam da fixação pelo dinheiro e subsistem nas raízes dos principais problemas enfrentados pela humanidade, tornando sua civilização insustentável. Afinal o que é a desigualdade, a pobreza e o aquecimento global senão manifestações da primazia do dinheiro sobre qualquer outro Valor? Reclamamos diariamente da corrupção e da ganância mas não percebemos que tais “Valores” estão em nós impregnados. Enquanto o amor ao dinheiro for o que nos move todos os dias, não temos moral para criticar a Vale. Numa escala menor praticamos diariamente o modo Vale de agir. A Vale está em nós e isso torna o mundo impraticável.
Daniel de Mattos Höfling
Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp. Professor da Facamp
(texto de 29 de janeiro de 2019)
blogdoamstalden
31 de janeiro de 2019
Para um professor, ser superado pelo aluno é una alegria.
Porque isso significa que aquilo que ensinamos foi adiante e deu frutos.
É o “plantio” do futuro que frutifica.
Daniel Mattos Höfling foi meu aluno.
Agora adulto e Doutor em economia e também professor, superou-me para meu orgulho.
Claudio Salm
1 de fevereiro de 2019
Daniel, forte libelo contra o mundo desencantado.