Durante a República Romana, (509-27aC), existia a figura do “ditador”. Um general que assumia o governo de Roma sem a participação do Senado e tinha poderes absolutos. Mas esse expediente era atípico, utilizado somente quando Roma encontrava-se sob grave ameaça. Era um sistema semelhante ao que existe hoje, em nossa constituição, e é chamado de Estado de Sítio, permitindo ao poder executivo governar sem a participação do Congresso e aumentando seus poderes. Mas também é um recurso extremo, para o caso do país estar em guerra.
Com o avanço das conquistas, Roma tornou-se cada vez mais dependente dos generais, o que levou a disputa destes pelo poder. Em resumo, aquele general que obtivesse maior apoio de legiões armadas, poderia buscar o poder pessoal já que a república dependia destas legiões. Foi esse o processo que levou às guerras civis de Roma e posteriormente ao Império (27aC-476dC). Durante este per9íodo, o general mais forte, mais apoiado pelo exército, governava como “Imperator” – imperador, título que pode ser entendido também como “comandante dos exércitos”. Logo, em Roma, o governo dependia da concordância, da permissão das forças armadas que apoiava ou não um imperador.
Quando li, há pouco tempo, a fala de Jair Bolsonaro em uma solenidade da marinh (a democracia só existe porque as forças armadas assim o querem), lembrei-me imediatamente do regime do império romano.
Lembrei-me também que foram necessário séculos de evolução das instituições, da filosofia, da ética, da ciência política, além de, é claro, muitos conflitos sociais, para que superássemos essa organização violenta e opressiva do poder pela da democracia, da constituição como lei suprema a que todos, inclusive os mais poderosos, devem se submeter, sem poderes absolutos calcados na força das armas.
Bolsonaro não sabe disso e não valorizaria se soubesse. Ele é fruto de uma ditadura. Entrou na carreira militar durante a ditadura e, segundo reportagem da revista época, dizia que entrava para ser presidente do Brasil (ver https://epoca.globo.com/como-foram-os-anos-de-formacao-de-bolsonaro-em-eldorado-xiririca-no-interior-de-sao-paulo-22921520?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar&fbclid=IwAR3eiGpxiLhN27bi2yStXhUMwfxUFI3nJ0HTxhLQfhYv_Nf3apSHFqrEbjY).
Ou seja, ele nunca foi um democrata nunca sequer considerou essa hipótese. Formou-se na ditadura política militar e dentro de uma instituição na qual a democracia não existe. Na qual existe apenas hierarquia e ordens a serem cumpridas, sem discussão, sem respeito pelo individuo e pelo sacrifício humano.
Aliás, suas falas, desde que apareceu na vida pública, sempre foram nessa direção. Não só defendeu a ditadura brasileira como também outras, tais como a de Stroessner e Pinochet, além de notórios criminosos da ditadura brasileira como Ulstra.
Agora ele elegeu-se pelas vias democráticas, mas não é capaz de entender a democracia. Não consegue compreender que deve respeito à toda a população e não somente aos que o elegeram. Não consegue compreender que existem outras instâncias de poder, tais como o Legislativo, que, embora passível de imensas críticas, é, em tese, uma forma de evitar o poder absoluto nas mãos do executivo ou um homem. Não é capaz de entender que não pode simplesmente delegar assuntos tais como a economia à um ministro e esperar dele que faça o “melhor”. Não é capaz de compreender que ele é responsável também por isso, por uma linha econômica. Mas ele mesmo admitiu várias vezes não entender nada de economia (e penso eu que de nada de outras coisas também). Temo que ele não entenda corretamente nem o que é a economia de mercado que diz defender. Se entendesse, saberia que os seus ídolos ditadores brasileiros não foram exatamente ortodoxos na economia capitalista.
No fundo, ele não quer ser um presidente. Ele gostaria de ser um imperador, apoiado integralmente na força das armas e na plebe inculta que votou nele e que admira sua falta de educação, seu machismo, sua truculência e seu desrespeito à organização democrática através de falas lamentáveis e postagens estúpidas nas redes sociais.
Tal como os antigos imperadores romanos, ele quer falar no circo e ser aplaudido por proporcionar massacres sangrentos na arena, seja essa arena moral ou física.
Quer governar acima e apesar da lei, como se a constituição pudesse ser modificada ou, porque não, revogada a seu bel prazer, assim como se fez na ditadura brasileira.
E o “imperador”, mandou suas legiões comemorarem o golpe de 1964 em mais uma demonstração de seu pensamento….
Bolsonaro é inculto e pouco inteligente para saber, também, que o destino de muitos imperadores romanos não foi nada agradável.
Mas ele vai descobrir isso na prática.
Até lá, nós sofreremos as graves consequências.
E ainda teremos que ler ou ouvir a plebe gritando, pelo menos por um tempo: “Ave Bolsonaro Imprator”.
Eloísa de Mattos Höfling
27 de março de 2019
Mais uma vez, parabéns pelo texto!!!Abraços,Eloisa