
Foto própria
Fazia um calor seco enquanto eu subia a ladeira para me juntar a manifestação contra os cortes na educação. Um calor anormal, mas que eu sabia que viria, desde que comecei a estudar sociedade e meio ambiente. É o calor que eu temia e temo, porque sinaliza uma catástrofe que vai nos atingir se as coisas não mudarem.
E não estão mudando. Ao contrário, está piorando. Só nos primeiros quinze dias de maio, segundo a imprensa, o desmatamento na Amazônia foi maior do que no ano passado todo. Os ruralistas, apoiadores de Bolsonaro, avançam. Assim como avança o ministro do meio ambiente sobre as reservas como as de Angra dos Reis.
A promessa é de mais aquecimento, mais calor, mais aridez.
E não é somente a aridez física.
Há também a aridez do pensamento, a aridez da falta de solidariedade , da falta de ética e, porque não dizer, da inteligência. É a aridez de milhões que ainda apoiam o governo estúpido e autoritário atual. De pessoas que foram a manifestações pró Bolsonaro na semana passada e, em minha cidade, posaram orgulhosamente em frente a uma bandeira do Brasil Império.
Meu Deus, o que eles querem? Um rei? Onde há um rei hoje, em um país civilizado, que governa só? E eles querem um rei…
Tudo árido, muito árido, seco, quente, prenunciando tempos piores.
E minha alma anseia por chuva. Por chuva física que, como ensinou-me meu pai, é vida. Da chuva de solidariedade, de ética, de inteligência, de tolerância, porque esta “chuva” também é vida.
Quando cheguei ao lugar da manifestação, eu fiquei surpreso. Jovens e adolescentes eram a maioria absoluta. No meio, eu e dois amigos também professores, éramos “idosos” diante de tanta gente jovem.
E eles batiam tambores. Gritavam slogans, clamavam pela educação, pela inteligência.
Eles, que são o futuro, eles que sofrerão mais do que eu se tudo continuar tão árido, tanto no clima quanto na vida, estavam lá. E batiam os tambores.
E para mim, sedento, seus gritos e tambores eram como uma dança da chuva. A dança das novas gerações, com as quais prometemos ser solidários e não cumprimos. As novas gerações que são minha continuidade, pois embora eu não seja pai, sou professor, e os meus alunos e alunas são o futuro e são minha continuidade nesse futuro. Eles “dançavam” pela “chuva”.
Por suprema ironia, o ministro da educação, hoje, publicou um vídeo em que aparece de guarda-chuvas cantando “singin in the rain”, numa pantomina grotesca, ofensiva e indigna de um ministro e de um povo sério.
Talvez ele esteja certo, afinal, em dançar com um guarda-chuvas.
Porque há jovens dançando pela chuva que pode levar o ministro enxurrada abaixo.
Encosto-me em uma parede e aprecio os jovens passando, gritando e tocando seus tambores.
Dancem, meninos e meninas. Dancem que as chuvas da vida voltarão. Dancem para que essas chuvas lavem as almas daqueles que se acomodaram e se cristalizaram no autoritarismo, no preconceito e no egoísmo.
Enquanto eu puder, estarei aqui com vocês.
E meu coração baterá no ritmo de seus tambores.
Luis Fernando Amstalden. Piracicaba, 30 de maio de 2019

Bandeira do Brasil Império na manifestação pró Bolsonaro em Piracicaba dia 26/05/2019
Posted in: Ação Direta, Artigos
Maria Tereza Leibholz
31 de maio de 2019
Como sempre uma reflexão muito boa, sensível e verdadeira. Obrigada por se dedicar tanto pelos jovens e pelo nosso país, professor!
blogdoamstalden
31 de maio de 2019
Você é um exemplo da minha boa permanência no futuro
Daisy Costa
31 de maio de 2019
Lindoo! Amei essa reflexão, é poética! É profética!
blogdoamstalden
31 de maio de 2019
Espero que seja profética
Lindalva Souza
31 de maio de 2019
Querido Fernando, gratidão pela síntese poética… Que a vida continue potencializada e nossos jovens dancem, toquem tambores e suas vozes entoem e ecoem: #TodosPelaEducação.
blogdoamstalden
31 de maio de 2019
Obrigado minha amiga. Que venham as chuvas para lavar esse mundo empoeirado