Daniel Joseph Hogan. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 25 de agosto de 2020 por

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Em um dos seus mais belos contos, “Zeidlus, o Papa” o escritor Isaac B. Singer, diz que, por uma “intriga política”, um demônio teve a ingrata tarefa de tentar um homem erudito.
Mas, como fazer isso? Sendo sábio e erudito, a vítima não se renderia facilmente às tentações.
E, de fato não se rendeu, até o momento em que o demônio, já cansado, lançou a derradeira cartada: tentou o homem com a vaidade, porque esta é a grande fraqueza do sábio e do erudito.
A antítese da vaidade é a humildade. E Daniel, desde que eu o conheci em 1984, quando ele ofereceu uma das primeiras disciplinas de Meio Ambiente no IFCH, nunca demonstrou vaidade. Nunca comigo.
Como o curso foi oferecido fora da grade obrigatória e como matéria optativa, não havia horário disponível e as aulas eram à noite, em uma época em que não havia cursos noturnos na UNICAMP. Na primeira aula, só duas pessoas chegaram no horário, ele e eu. E eu, jovem graduando cheio de dúvidas, fiquei surpreso com a acessibilidade daquele homem, que sentou-se ao meu lado nos bancos de cimento em frente às salas e conversou com simplicidade.
As aulas, a disciplina e a pessoa de Daniel foram decisivas para que eu me mantivesse no curso de Ciências Sociais. Até então, eu pensava em deixar o curso e tentar outro. Mas, além da citada humildade intelectual, que levava Daniel a afirmar várias vezes, naquela época, que havia muito que precisávamos estudar, que não tínhamos ainda uma grande solidez nos estudos ambientais dentro das Ciências Humanas , havia uma segunda caraterística que me marcou e envolveu, abrindo-me o caminho da permanência no curso e mais tarde no mestrado e no doutorado. Havia o entusiasmo de Daniel.
Um entusiasmo intelectual e de construção de um saber e uma sociedade mais equilibrada que se manifestava nas aulas e nas conversas que tivemos desde então.
Com seu jeito mais fleumático do que o nosso, ele dialogava com profundidade e, torno a dizer, com humildade, ouvindo os alunos e alunas. Mas, na fleuma, a profundidade e o diálogo demonstravam o entusiasmo. Demonstravam o ânimo que diferencia um professor formador de alguém que repete lições, quase com tédio, para graduandos.
Outra demonstração de seu entusiasmo me foi dada anos depois, quando eu escrevia minha monografia de graduação, que ele orientava. Em uma reunião, eu relatei minhas pesquisas sobre o uso excessivo de agrotóxicos na agricultura brasileira e manifestei meu pessimismo e minha tristeza com os rumos da situação.
Daniel respondeu que eu estava enganado. Que, apesar de todos os problemas, esse era o grande desafio. O fato de tudo estar por fazer e que, assim, teríamos a chance de fazer algo novo, melhor. A chance de construir.
Nunca me esqueci destes dois momentos marcantes, a primeira aula e aquela conversa. Claro, não me esqueci de muitas outras coisas também. Das aulas no mestrado, no doutorado, dos autores que ele nos apresentou, dos debates, do trabalho conjunto, da convivência e da amizade que tive o privilégio de desfrutar com ele e com sua família.
Porém, aqueles dois momentos, o primeiro contato e a fala sobre a construção, foram fundantes. Um me manteve no curso de Ciências Sociais. E o outro me mantém ainda hoje, sempre na perspectiva de que temos muito a fazer. E esta percepção, nos tempos sombrios em que vivemos, tempos em que a questão ambiental é negada e até combatida, é o que mantém meu entusiasmo em meio às trevas que me envolvem. Mantém meu entusiasmo nas minhas aulas.
Daniel nos deixou cedo demais. Tinha ainda muito a produzir. No hospital, algum tempo antes de nos deixar, falava com ânimo de seu novo projeto.
Eu sei que acabei por não corresponder às expectativas dele em termos de produção. Isso aconteceu por muitos motivos que não os de minha vontade. Mas sinto-me triste por isso.
Porém, como ele, ainda procuro ouvir aos meus alunos e alunas. E sei que, mesmo que tudo esteja muito difícil, o que ele me ensinou está comigo e estará com aqueles que eu conseguir ensinar.
E assim, Daniel está vivo em mim e em meus alunos e alunas, bem como em mim está viva, e espero que em meus alunos e alunas também, a vontade de construir e mudar esse mundo que, por enquanto, ainda é uma grande promessa.

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