Música e afins. Stone Flower – um Adeus à Bossa Nova. Por Edu Pedrasse

Posted on 4 de fevereiro de 2014 por

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StoneFlower

É com grande prazer que apresento nosso novo colaborador, Eduardo Pedrasse, guitarrista, violonista, bacharel e mestre em música pela UNICAMP. Edu é também uma das pessoas que me ajudou a montar este Blog e agora redigirá a coluna “Música e Afins”, com artigos, vídeos, links e temas ligados a música. Seja bem vindo, Edu.

Tom Jobim foi um compositor tão prolífico, de tantas parcerias e gravado por tanta gente, que não é incomum os próprios brasileiros desconhecerem sua discografia autoral – convenhamos, mal lançada e distribuída no Brasil.

Com a Internet ficou muito mais fácil ter acesso à discografia de Tom, e hoje é fácil – e um exercício interessante-  ouvir e perceber o desenvolvimento da obra de Jobim, que vai bem mais além da Bossa Nova, tal qual a música dos Beatles vai bem mais além do que o Yeah, Yeah, Yeah.

Quando a Bossa Nova estourou nos EUA, nos meados dos anos 60, tom caiu na graça dos gringos como um dos fundadores da Bossa Nova. Espertamente fez contatos e ficou um bom tempo por lá, gravando partir de 1963 uma série de discos autorais. Sendo assim, a maioria dos discos de Tom foi feita nos EUA – onde ele percebeu que teria mais condições de fazer a música que tinha na cabeça – e depois lançada no Brasil. Quase como um artista americano.

Um desses casos é o obscuro disco Stone Flower, lançado em 1970.  Tom há três anos não lançava um disco e com nova gravadora, novo arranjador – Eumir Deodato- gravou em um ano uma grande quantidade de material, suficiente para dois discos. O primeiro, lançado no mesmo ano é Tide, um disco irregular, com arranjos estrambólicos de Garota de Ipanema (!), a faixa título, uma cópia descarada de Wave e uma questionável versão de Carinhosos. Estaria Tom perdido?

Stone Flower parece responder a questão. Tom parece querer se livrar da pecha de pai da Bossa Nova, gênero já desgastado pelo tempo, que tinha virado até música de elevador. Os casamentos acabam, as folhas caem no outono, e os músicos de tempos em tempos se enchem de ficar tocando um mesma coisa.

Mas, tal qual sua alma leve e gentil, Tom disse adeus à Bossa com maestria. E sutileza.

No mesmo ano Jobim já tinha feito a trilha do filme The Adventurers, da qual pescou três temas para o disco. Talvez o “ambiente de teste” que uma trilha de filme proporciona tenha tirado dos ombros do maestro o responsabilidade da Bossa Nova, incentivando-o a procurar por algo diferente.

O fato que colocando a modernidade de Eumir Deodato no lugar, compondo coisas diferentes que saíam da órbita da Bossa, e primando por fazer um disco sutil, Tom lentamente deixa o gênero que o consagrou, se metamorfoseando para o que viria a ser o “seu” e somente seu som, pulando fora do trem da alegria da Bossa Nova.

Stone Flower abre justamente com….uma Bossa (Tereza My Love). Sim, quase como um abraço de adeus, uma canção feita para a esposa, simbolicamente agradecendo tudo que o gênero e a mulher tinham feito por ele.

Segue-se Children’s Games (da trilha do filme) um valsa-jazz, que mais tarde ganharia letra e viraria Chovendo na Roseira.  Tom começa a voar.

As duas músicas seguintes são uma espécie de retorno de Tom às suas origens: “Choro” – uma lembrança das músicas de Radamés – e a versão “de bar” de Aquarela Brasileira, tocada – pasmem – em um piano elétrico. Tom parece querer voltar às suas raízes, ao período pré-Bossa, no tempo que ainda tocava em Boates. A primeira impressão ridícula que a audição de Aquarela dá é enganosa. Na despretensão da versão tem muito mais sabedoria que se imagina. Como dizem os americanos: Back to Basics.

Finalmente, a faixa título: Stone Flower (que viria a ser relançada pelo músico como Quebra Pedra). Nada mais nada menos que um baião. Aí a coleira já quebrou. Tom sai da praia e vai pro sertão. O participação do violinista Harry Lookofsky reforça a sonoridade rabecas do sertão

Passamos a uma canção maravilhosa, Amparo, também oriunda da trilha do filme, que original. O clima da canção distancia-se ainda mais da Bossa Nova, está mais para Villa-Lobos, Trenzinho caipira. A música iria ganhar letra de Chico Buarque posteriormente e virar a fantástica Olha Maria.

A seguir novamente uma típica Bossa Nova, Andorinha, talvez para não assustar os ouvintes fiéis: pequenas pitadas do velho, fazendo a transição suavemente.

A faixa 8 – também da trilha do filme – “God and Evil in the land of Sun” (Deus e o Diabo na terra do Sol) é outro baião, com direito a improvisação jazzística, praticamente outside, do saxofonista americano Joe Farrel. Outro tipo de afastamento da bossa tradicional de Tom, na qual não havia quase seções de improvisação.

O disco termina com uma música de Tom com letra de Chico Buarque, que havia ganho o III Festival Internacional da Canção, em 1968. Um arranjo sinfônico que flerta com Debussy e Villa- Lobos, lentamente entrando no tema com uma levada que insuna mais para o Samba do que para Bossa. Novamente a passagem sutil, sem rompantes de novidade, mas ainda assim introduzindo o novo, a transformação do rito de passagem.

O disco tem por volta de 37minutos. Sintético, um rito de passagem sutil, que viria a ser confirmado nos discos posteriores de Tom dos anos 70, como Matita Perê e Urubu, onde o músico – embora nunca renegue de vez traços da estética da Bossa Nova – muda definidamente de rumo, mergulhando em universo onde mistura Villa Lobos com Guimarães Rosa, saindo da praia e adentrando-se cada vez mais no Brasil profundo.

Álbum completo: http://www.youtube.com/watch?v=0JTUduEqVT4

Edu Pedrasse é guitarrista e violinista. Atua profissionalmente desde 1986 como músico e professor. Tem Bacharelado e Mestrado em Música pela UNICAMP e atualmente e Professor do Curso de Música Licenciatura na UNIMEP, além de promover o seu Show Entartete Jazz.

Site: http://www.edupedrasse.com

Página Facebook:  https://pt-br.facebook.com/edupedrasse

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