O dia do golpe. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 1 de abril de 2014 por

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A data oficial do golpe militar de 1964 é tida como 31 de março, em cuja madrugada o Gal. Olimpio Mourão iniciou a movimentação de tropas de Minas Gerais. Para alguns historiadores, no entanto, a data correta deveria ser 1 de abril, quando os generais Armando Moraes Âncora, tido então como legalista, e Amauri Kruel, comandante do Segundo Exército aderiram ao golpe. Também no dia 1 as tropas ocuparam o Estado da Guanabara, João Goulart voou para Brasília e de lá para Porto Alegre, e o deputado Ranieri Mazzilli “assumiu” provisoriamente o governo. O fato é que a definição do momento correto sempre foi mais do que uma discussão histórica. Foi (e ainda é) uma discussão política. Àqueles que deram o golpe e aos que os apoiaram, não interessa que o movimento seja “comemorado” no dia primeiro, tradicionalmente conhecido no Brasil como o “dia da mentira” ou o “dia dos bobos”. Eu, de minha parte, por razões políticas e não históricas, penso o contrário. O golpe ocorreu sim no dia 1 de abril e deve ser “comemorado” nesta data, no “dia da mentira”. E deve porque o que aconteceu antes, durante e depois, foram uma sucessão de mentiras.
Em primeiro, o projeto golpista já existia desde os contatos dos militares brasileiros com o exército americano durante a II Guerra Mundial, tanto que em 1954, depois do atentado frustrado contra Carlos Lacerda, as forças armadas ensaiaram um golpe, que só foi frustrado pelo suicídio de Vargas. Mais tarde, com a renúncia de Jânio Quadros, as mesmas forças armadas se recusaram a aceitar João Goulart e tentaram sua deposição. Assim é mentira que o golpe tenha ocorrido em um momento de caos, de desordem e para “salvar o Brasil” da anarquia. O projeto era anterior. Mais ainda, fazia parte da estratégia americana em manter suas zonas de influência, dentre as quais a América Latina, sob controle no contexto da Guerra Fria. Muitos dizem que o golpe livrou o país de um controle estrangeiro, representado pela URSS e pela China. Mas foi o contrário, o golpe nos manteve sob “controle” da esfera política americana. Os nacionalistas que esbravejavam e esbravejam em defesa de nossas cores, fizeram papel de bobos, obscureceram as cores brasileiras pelas cores americanas.
Os que tomaram o poder, contestavam ainda o “caos” que imperava no Brasil. Mas tampouco isto era verdade. O que ocorria (e ainda ocorre) são tensões sociais de um país marcado por diferenças sociais imensas. Segundo o relatório da ONU de 2010, somos o terceiro país mais desigual do planeta. Em 64 não era diferente. Aliás, falando em “caos”, como se restaura a “ordem” sem leis? Bem, uma das atitudes do regime foi suspender as garantias constitucionais. Outra mentira, portanto, a “ordem” instituída. Apregoava-se, ainda, que o regime militar traria o desenvolvimento, e até trouxe algum, no chamado “milagre brasileiro”, entre 1969 e 1973, porém foi um desenvolvimento causado por uma enxurrada de capital estrangeiro, que não precisava se preocupar com sindicatos e movimentos sociais, e que também manteve a linha de desenvolvimento do país dentro do sistema de exportação de bens agrícolas e minérios (o que, com poucas mudanças, se mantêm até hoje). Quando a crise do petróleo começou, em 73, o fluxo de capitais cessou e a economia entrou em declínio. Antes, porém, mesmo o crescimento, não diminuiu a desigualdade. Um ministro da época chegou a afirmar: “ a economia vai bem, mas o povo vai mal”. O desenvolvimentismo militar foi, assim, outra mentira. Mentira também foi a defesa do capitalismo contra o “comunismo” que “ameaçava tomar o país”. Reza a regra capitalista que o Estado deve se manter mínimo na economia e os investimentos devem ser feitos pela iniciativa privada. Foi o Estado da ditadura, no entanto, que investiu pesadamente em obras e indústrias, criando até estatais novas. Claro, algumas poucas empresas saíram beneficiadas, mas podemos chamar a economia da ditadura de capitalista plena? Eu penso que não, que isto é outra mentira.
Diante de tudo isto e de muito mais que poderia ser dito, eu “comemoro” sim o dia do golpe em 1 de abril, dia da mentira e dos bobos. E o mais interessante que tais mentiras continuam sendo aceitas por muita gente que defende a ditadura. Claro, eles têm razão em criticar aspectos dos governos atuais e o principal deles é exatamente as mentiras que os políticos nos contam todos os dias. Cabe a nós, porém, decidirmos se queremos continuar a acreditar nestas mentiras antigas e nas novas ou se queremos deixar de sermos bobos e assumirmos o controle social sobre nossa classe política.

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