Domingo pela manha chegam más notícias cada vez mais comuns. Uma prima de minha esposa, morta aos 21 anos em um acidente de carro e a mãe de uma amiga ferida, atropelada por uma moto. Estou cansado destas mortes e ferimentos. Está bem, são coisas de vida, acontecem, mas estou cansado. E minha tendência natural ao me deparar com o sofrimento é o da busca de razões. Da compreensão que possa levar a algum “remédio”, alguma solução. Não consigo ficar indiferente, tampouco consigo me refugiar no fatalismo religioso ou ateu. Minha reação é a da mudança, de tentar mudar, minimizar, fazer diferente. Mas então, o que pensar sobre o trânsito e suas vítimas? Por detrás de cada acidente existem muitos fatores, nem todos controláveis. Porém alguns são óbvios e sutis ao mesmo tempo.
Um deles é o machismo ao volante. O comportamento machista não se define somente pela relação com o sexo feminino, mas nas atitudes frente à vida. A postura machista é a da dominação, do desafio, da imposição, seja sobre as mulheres seja sobre outros homens. No volante este comportamento se demonstra e fortalece, uma vez que o motorista está “protegido” por uma armadura de aço, o carro. Assim o comportamento machista nos leva ao aumento da velocidade, às ultrapassagens perigosas e ao subjulgar do outro. Se alguém está numa velocidade que consideramos lenta demais, abaixo de nossa “potência masculina”, então temos que demonstrar nossa força deixando-o para trás, mesmo que para isso seja necessário podar pela direita, costurar o trânsito, acelerar onde não se deve. Aliás estas atitudes de “costura” e aceleração só demonstram nossa ousadia, outra característica do “macho dominante”. Se alguém nos ultrapassa de forma ousada então temos que “dar o troco” indo até o momento em que podemos ultrapassar de volta.
E infelizmente, este tipo de atitude não se restringe, como podemos pensar, ao sexo masculino. Muitas mulheres são também machistas. No carro não é exceção. Ousadia, força, coragem e estupidez são também características de motoristas femininas, se bem que em menor grau, como sabem as companhias de seguro que cobram menos das mulheres. Por outro lado, “jovens machos” são mais propensos a tais atitudes, tanto que morrem mais nos acidentes. Mas “machos mais velhos” mudam menos do que poderíamos esperar da experiência trazida pela idade.
Outro fator que se esconde atrás dos acidentes é o caráter brasileiro do “jeitinho”, do desrespeito à ordem. Quem acompanha meus escritos sabe do que estou falando. No Brasil de história injusta e elitista, a estratégia de sobrevivência de muitos foi o burlar das leis, que na maioria das vezes só atendiam a elite mesmo. O problema é que esta luta “oculta”, que tinha lá seus motivos, se perpetuou em nossa cultura. E, parece-me, transferimos isso para tudo, inclusive para o trânsito. Assim, burlar o semáforo, ultrapassar o limite de velocidade, ultrapassar em local proibido ou estacionar na frente da casa de outros, tornaram-se hábitos comuns, que refletem nossa valorização do salve-se quem puder. Agora, no entanto, o maior prejudicado somos nós, uma vez que não é uma elite opressora que é desrespeitada pelo comportamento no trânsito, mas nós mesmos que nos ferimos, que morremos, que perdemos nossos filhos e que acabamos numa guerra uns com os outros pelas ruas. Ou seja, o desrespeito se tornou coletivo.
Uma jornalista americana descreveu nosso país e esta característica a que me refiro de uma forma muito refinada. Ela disse que o Brasil era o único país que conhecia no qual ao ver o sinal amarelo do semáforo, os motoristas aceleravam. Nos outros o comum é diminuir, já que ele vai fechar. Aqui não, aqui temos que ultrapassar logo, aproveitar, correr, pegá-lo enquanto ainda podemos passar. Não é típico de uma sociedade que não confia nas próprias leis e julga que, já que ninguém as respeita, respeitá-las significa ser tolo, perdedor?
Some agora, o machismo, o comportamento de desdém às leis e o carro e o que temos? Um fato que vivenciei talvez ilustre bem a soma. Ao atravessar uma rua central, quase fui atropelado por um motociclista que entrou na rua pela contramão. Quando reclamei recebi como resposta o tradicional gesto de dedo erguido. Eis aí a junção do macho que ousa, que subjulga e não aceita reclamações com o brasileiro que ignora as regras do trânsito (e da vida) em prol de um benefício ilegítimo. Eis aí o estúpido que quase me matou, que quase matou a garota que levava como carona (uma adolescente) e quase se matou. Eis aí o estúpido que vai matar.
Da próxima vez que você entrar no seu carro, comece a mudar seu comportamento. Lembre-se de que o carro serve para levar você, vivo e seguro, de um ponto ao outro. E só para isso.
Ju
21 de junho de 2012
foto ilustrativa: http://www.ricardomartins.pro.br
Blog
21 de junho de 2012
É exatamente isso!
Vale a leitura p/ lembrarmos qdo estivermos ao volante.
Abraços!
Andre Sanson
23 de junho de 2012
Muito bom as suas reflexões ! Deveríamos ler esse texto sempre que formos dirigir…
blogdoamstalden
25 de junho de 2012
Valeu André. Abs
plataformaplural
27 de junho de 2012
Ótima leitura!
Aline C Pavia
25 de julho de 2012
O texto que estou preparando sobre violência e mortandade no trânsito expande e complementa estas importantes reflexões. Não é só machismo, ao volante algumas pessoas se transformam como “Transformers” ou “Velozes e Furiosos” e o carro vira uma armadura, uma couraça. Vou colocar aqui o link para o vídeo do TAC que mencionei por email. Esse vídeo muda nossas vidas. O artigo virá nos próximos dias. Grande abraço.
On December 10th 1989 the first TAC commercial went to air. In that year the road toll was 776; by last year 2008 it had fallen to 303.
A five minute retrospective of the road safety campaigns produced by the TAC over the last 20 years has been compiled. The montage features iconic scenes and images from commercials that have helped change they way we drive, all edited to the moving song Everybody Hurts by REM.
This campaign is a chance to revisit some of the images that have been engraved on our memories, remember the many thousands of people who have been affected by road trauma and remind us all that for everyones sake; please, drive safely.
Transport Accident Commission Victoria.
http://www.tac.vic.gov.au
Em 10 de dezembro de 1989 o primeiro comercial da Comissão Australiana de Acidentes de Trânsito foi ao ar. Naquele ano, houve 776 mortos em acidentes de trânsito na Austrália. Em 2008, esse número havia caído para 303 – pouco menos da metade.
Um vídeo retrospectivo de 5 minutos foi compilado em 2009, produzido pela Comissão a partir das campanhas de segurança no trânsito promovidas nos últimos 20 anos. A montagem traz cenas célebres e imagens dos comerciais que têm ajudado a MUDAR A FORMA QUE NÓS DIRIGIMOS. O vídeo foi editado e traz ao fundo a música “Everybody Hurts”, do REM.
Esta campanha, de 2009, é uma chance de revisitar algumas das imagens que ficaram gravadas na memória; de lembrar as muitas milhares de pessoas que foram afetadas pelo terrível trauma de um acidente de trânsito; e de lembrar a todos nós que: PARA O BEM DE TODOS NÓS, por favor, dirija com segurança.
Comissão Australiana de Acidentes de Trânsito.