Estou Tomando Conta” A Importância de Humanizar o Trânsito, que NÃO É Assassino – Os Assassinos Somos Nós por Aline Cristina Pavia

Posted on 13 de agosto de 2012 por

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Tudo começou quando li o artigo do  professor, sociólogo e cientista social Luis Fernando Ferraz Amstalden, em seu blog:

https://blogdoamstalden.com/

https://blogdoamstalden.com/2012/06/21/o-brasileiro-o-macho-e-o-carro-por-luis-fernando-amstalden/

Somente este mês (julho/2012), mais de três anos depois, é que tive contato com o impressivo vídeo da TAC – Transport Accidents Comission – do Condado de Vitória, na Austrália.
O link segue aqui para visualização http://youtu.be/Z2mf8DtWWd8

O vídeo foi editado em 2009, para marcar os 20 anos do primeiro comercial de TV veiculado pela TAC na Austrália. A campanha visava então reduzir o número de acidentes com mortes no trânsito daquele país, que era de pouco mais de 700 em 1989. Nesses 20 anos da primeira campanha, o vídeo traz ao fundo a tocante canção “Everybody Hurts” do grupo R.E.M.; e tem 5 minutos de imagens e sequências de uma crueza impressionante – essas imagens ficam depois repetindo em nossas cabeças a nos advertir sobre a maneira como dirigimos. O vídeo pode chocar e ferir pessoas mais sensíveis; mesmo assim penso que deveria ser mostrado a todo cidadão maior de 16 anos, especialmente aqueles em formação nas auto-escolas e aqueles que estão sempre nas ruas, avenidas e estradas, estudando e/ou trabalhando.
http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tema-livre/video-a-brilhante-campanha-de-tv-que-reduziu-em-mais-da-metade-as-mortes-por-acidentes-de-carro-em-estado-australiano-as-imagens-sao-duras-durissimas-mas-necessarias/

Antes de mais nada acredito que as campanhas de conscientização precisam ser chocantes, reais, impressionantes, como esta da Austrália.
É preciso parar de maquiar, minimizar, diminuir ou pasteurizar as nossas campanhas de conscientização aqui no Brasil.
Tudo é feito de forma fofa e bonitinha, com modelos maquiados e locutores de voz macia; e por isso mesmo são praticamente inócuas. Não vão ao âmago da questão, não se constituem em si de instrumentos de mudança de mentalidade e de educação ao mesmo tempo.
Isso vale especialmente para as campanhas para reduzir acidentes de trânsito, para não bebermos antes de dirigir, para nos prevenirmos contra o vírus HIV, para doarmos sangue e para doarmos órgãos.
Não é interessante para ninguém veicular campanhas chocantes, cruas, reais, incontestáveis, que eduquem e ao mesmo tempo conscientizem e informem de maneira indelével. Então todo mundo segue feliz: os órgãos públicos que fingem que fazem campanhas e os cidadãos, que fingem que vão mudar seus hábitos e comportamentos.

Para começar, é importante observar o panorama atual das estatísticas da violência e da mortandade no trânsito brasileiro.

Dados oficiais do DENATRAN dão conta de cerca de 30.000 mortos em acidentes de trânsito no Brasil a cada ano. Estatísticas não-oficiais projetam o número real de vítimais fatais entre 50.000 e 60.000 ao ano, tendo em vista que os números oficiais não contemplam as vítimas que morrem nos hospitais, após atendimento pelos serviços de emergência.

Aqui, cabe um parêntesis.
Uma vez assisti a um programa na TV no qual um Engenheiro de Trânsito afirmava que o correto não é dizer “acidente” de trânsito. Pois “acidente” pressupõe uma condição, fato, acontecimento, evento, absolutamente imprevisível e inevitável. Uma vez que o número de “eventos” no trânsito causados por negligência, imprudência ou imperícia podem chegar a 80% do total, ou seja, são condutas que poderiam ser evitadas ou ao menos minimizadas, entende-se que o correto é chamar de “incidentes” de trânsito. Acidente de trânsito seria um meteoro cair do céu no carro da pessoa. Isso sim seria absolutamente imprevisível e inevitável. O restante, portanto, são “incidentes” de trânsito.

Voltando às estatísticas, sejam 30 mil, 50 mil, 60 mil vítimas fatais POR ANO no trânsito no Brasil: são números absurdos, que mostram o quão distantes estamos da realidade de 1989 na Austrália, e que provam que medidas concretas, de choque, de tolerância zero, precisam ser tomadas URGENTEMENTE, por todos os órgãos públicos e instituições responsáveis, mas também, POR TODOS NÓS, motoristas, que estamos por aí com nossos carros, motos, ônibus, caminhões. Se compararmos com a Austrália, estamos 20 anos atrasados. E temos QUARENTA A CINQUENTA VEZES mais vítimas fatais do que eles.

É MUITA GENTE morrendo. Os resultados analisados pelo DENATRAN mostram que as vítimas fatais no trânsito são em maior número entre as pessoas de 20 a 39 anos, mais de 45% do total. Ou seja: metade das vítimas fatais são pessoas jovens e adultas, em plena idade produtiva. Pessoas que estão trabalhando, estudando, construindo, batalhando por seus objetivos e sonhos. Pessoas que estão morrendo e deixando pais, irmãos, cônjuges, filhos, funcionários, vizinhos e amigos, abalados e traumatizados graças a essas tragédias. O vídeo do TAC, mencionado no início do artigo, é tocante e comovente por vários motivos, mas o principal deles é que vemos naquele vídeo os familiares e o que acontece com eles quando perdem seus entes queridos de forma tão brutal e revoltante; vemos naquele vídeo que aquilo poderia acontecer comigo, com você, com todos nós, agora, neste momento, enquanto estamos no trânsito.

Ainda abordando números e estatísticas, é bom ressaltar que, para cada vítima fatal em incidente de trânsito, existem 5 vítimas não-fatais. Porém, essas vítimas que sobrevivem, ficam em que condições? São paraplégicos, mutilados, amputados, comatosos, desfigurados, vegetais, paralíticos, politraumatizados. São pessoas em plena idade produtiva e adulta que, de uma hora para outra, viram aleijados. Inválidos. E que ainda terão muitos anos, talvez décadas, de vida pela frente. Uns poucos conseguem boa readaptação e relativa independência; mas a grande maioria irá depender de parentes, familiares ou pessoas próximas, para o resto da vida. Neste caso é importante ressaltar que a cobertura do DPVAT, que é o seguro obrigatório que pagamos junto com o licenciamento de nossos carros, e que visa indenizar vítimas fatais e não-fatais, bem como as despesas hospitalares decorrentes de incidentes de trânsito, só é liberada para pedidos requeridos com toda a documentação completa exigida pelo governo. A indenização pode levar poucos dias para liberação, mas em alguns casos chega a três anos até os valores serem liberados para a vítima não-fatal ou para herdeiros/pensionistas, em caso de vítima fatal. E mesmo assim, sabem qual é o valor (2012) do prêmio DPVAT? R$ 13.500, para vítimas fatais ou invalidez total/permanente; e R$ 2.500, para cobrir despesas e reembolsos hospitalares. Apenas a título de comparação, uma maca hospitalar completa custa hoje cerca de R$ 4.500. Uma cadeira de rodas decente, nova, chega a R$ 6.000. Fora outras despesas como enfermeiras, medicamentos, fraldas geriátricas, fisioterapia e tratamentos de reabilitação e readaptação, além de eventuais mudanças de moradia e/ou reformas para receber a pessoa em casa após alta hospitalar. Em resumo: a vítima não-fatal de acidente de trânsito causa um prejuízo financeiro duplo: ela não está mais trabalhando, gerando riqueza, e ainda por cima irá gerar um custo financeiro e emocional altíssimo para seus cuidadores.

Se colocarmos na ponta do lápis as despesas dos governos (federal, estaduais, municipais) para atender a todas essas ocorrências terríveis no trânsito; outras despesas decorrentes, como guinchos, remoções, limpezas, indenizações, seguros, reformas e outras, pagas por entidades privadas; outras despesas incalculáveis decorrentes das adaptações nas vidas das empresas, vizinhanças e familiares de todos os envolvidos nos incidentes de trânsito; e ainda os lucros cessantes renunciados pelas vítimas que morrem ou que se tornam inválidos totais, parciais e/ou permanentes; bem como o abalo financeiro impactado na vida de seus cuidadores, estaremos falando seguramente de DEZENAS DE BILHÕES de reais gastos ou perdidos todos os anos. Dinheiro perdido, que não se recupera mais. São prejuízos incalculáveis. Temos, portanto, aqui no Brasil, a nossa guerra civil. A nossa epidemia. A nossa mortandade, um dos piores problemas de saúde pública hoje.

O que fazer? Por onde começar?

O Brasil mata muito no trânsito porque é falho no EDUCAR e no PUNIR.

Senão vejamos.

A educação para futuros motoristas deve começar em casa e prosseguir nas escolas. Desde criança devemos educar nossos filhos para serer futuros motoristas seguros e conscientes. Seu comportamento e sua conduta deve ser moldada desde cedo a distinguir o certo do errado e a respeitar o semelhante, o outro, aquele que também está na rua dirigindo. Entretanto, o que acontece na prática? As escolas públicas são falhas na formação básica curricular, fruto de políticas públicas de educação sucateadas e omissas ao longo de décadas. As escolas particulares formam com mais qualidade e método, mas cobram horrores por isso e obviamente não suprem a totalidade das grades curriculares que se espera de futuros cidadãos. E nós? Quando estamos ao volante com nossos filhos no banco de trás, como agimos?
– usamos celular.
– furamos o sinal vermelho.
– ultrapassamos pela direita.
– não usamos a seta para nada.
– não usamos cinto de segurança.
– jogamos lixo pela janela.
– discutimos e brigamos, seja dentro do carro, seja com outro motorista fora do carro, descarregando todas as nossas frustrações, recalques e ansiedades competitivas.
– não respeitamos a faixa de pedestre.
– estacionamos na vaga do idoso, do deficiente, da gestante.
– não respeitamos o limite de velocidade.
– bebemos e fumamos (entre outras coisas) ao dirigir.
– dirigimos descalços, com salto alto, com chinelos e sandálias soltas nos pés.
– não usamos capacete e dirigimos pelo corredor entre os carros.
– não realizamos manutenção em nossos veículos.

Como, portanto, esperar que nossos filhos sejam bons motoristas no futuro, se nós somos péssimos exemplos no cotidiano?

Uma vez no programa A Liga, da TV Bandeirantes, durante um programa que abordava justamente a violência no trânsito, uma repórter flagrou um motorista sem cinto de segurança. Ela o questionou do porquê estar dirigindo sem cinto, se ele sabia que estava sem cinto. A resposta do motorista (estatisticamente dentro das vítimas fatais apontadas anteriormente: um rapaz moreno, de seus 29, 30 anos) foi a seguinte: “Eu sei que estou sem cinto, mas nesta cidade são 6 milhões de motoristas e apenas 600 guardas de trânsito, é IMPOSSÍVEL um guarda me pegar”.
É esse o nosso comportamento: agimos certo somente “quando tem alguém olhando”.

A educação no trânsito não se dá em casa, e não se dá na escola. Portanto, ela se dá nas auto-escolas. Certo? Errado. As auto-escolas mudaram de nome após o Código Brasileiro de Trânsito promulgado pelo CONTRAN em 2004/2005. Apesar da aberração do “kit de primeiros-socorros” (abordaremos este item mais adiante), o Código tem seus méritos. Transformou as antigas auto-escolas em “centros de formação de condutores”, os chamados CFCs. É um nome imponente, pomposo. Mas a realidade, todos sabemos, é bem outra. Na prática, o que acontece é que você paga para se matricular ou para renovar sua carteira de habilitação e recebe um “manual” para depois responder a 30 perguntas “teóricas”. As respostas devem ser dadas ao vivo, em um computador equipado com webcam, autenticadas pela sua impressão digital. Sabemos que há escolas que se fazem passar por você; sabemos que há escolas que “mandam” o candidato permanecer sentado em frente à câmera, enquanto “alguém” faz a prova teórica por ele, em outro computador; sabemos que há escolas que fraudam o “tempo” mínimo de realização de prova; e, finalmente, há sites na internet nos quais se pode “baixar” gratuitamente todas as perguntas e respostas das provas teóricas, inclusive na ORDEM SEQUENCIAL das provas. Basta, portanto, baixar o manual em PDF e decorar as respostas.

A prova prática é ainda mais incrível: temos de provar que somos capazes de fazer curvas em 2ª e 3ª marcha, estacionar de ré, manobrar, fazer rampa de mão e rampa de pé.
Nada de dirigir à noite, com chuva, em pista simples. Nada de ensinar ultrapassagem segura. Nada de marcha reduzida, servo-freio, marcha-lenta, ponto-morto, farol baixo, lanterna, uso adequado do pedal de freio, como calcular distância do carro de trás e da frente, como reduzir adequadamente antes de lombadas, semáforos e faixas de pedestre, ou ainda como fazer uma curva com segurança, explicando o que é força centrífuga e força centrípeta. Nada disso.

Caso o candidato não queira ter todo esse trabalho, todos nós sabemos a solução. Nos centros das grandes cidades, em qualquer poste se vê colado um telefone de alguém que lhe vende uma carteira de habilitação novinha em folha. “Passe pontos na CNH”… “CNH em 24 horas”… “Limpe suas multas de trânsito”… e por aí vai. Com algum dinheirinho você tem uma nova CNH em 24 horas, ou ainda remove os pontos/multas do seu nome, facinho, facinho. Tem quem faça, porque tem quem compra. Essa é a educação de trânsito hoje no Brasil.

Se falhamos no EDUCAR, deveríamos ser EXEMPLARES em PUNIR.
Mas infelizmente não é o que acontece.

Hoje temos um novo fenômeno no Brasil. São os “velozes e perigosos”.
Porém não estamos falando da clássica série de cinema estrelada pelo ator Vin Diesel.
Estamos falando de motoristas que, a bordo de possantes bólidos tais como Ferrari, Porsche, Lamborghini, Mercedes, Audi, BMW, arrogam para si o direito de dirigirem em altíssima velocidade por ruas pacatas, residenciais e estreitas. Estamos falando de psicopatas sociais, alienados da sociedade, pessoas sem A MENOR condição de dirigir e sem O MENOR senso de coletividade, civilidade e respeito ao próximo. Estão acima do bem e do mal e acima da lei. E saem por aí dirigindo a 160 km/h na Pequetita, na Aspicuelta, na Vila Olímpia, em Moema, na Vila Madalena. Assassinos cujas armas são seus carros. Assassinos que podem pagar até 300 mil reais de fiança após estraçalharem outro ser humano com seus carrões.

http://fotos.noticias.bol.uol.com.br/imagensdodia/2012/05/31/velozes-e-perigosos-motoristas-abusam-e-causam-tragedias.htm?abrefoto=7#fotoNav=1

Infelizmente o arcabouço jurídico e normativo do Brasil permite que isso aconteça. E há advogados, desembargadores, promotores e juízes que colaboram para que isso aconteça. Com seu juridiquês fluente e polido, tratam de liminares, cautelares, protelatórias, mandados de segurança, habeas-corpus, instâncias, tutelas antecipadas, oficiais de justiça e ofícios de mérito a posteriori. Na prática, o psicopata assassino do carrão sai da cadeia em poucas horas e se condenado irá cumprir a sentença em semi-aberto ou terá sua pena revertida em cestas básicas.
Ora, tivemos um rapaz bêbado a bordo de um Porsche preto em São Paulo, Capital, que colheu violentamente uma Ecosport de uma advogada numa rua cujo limite de velocidade era de 30 km/h. A advogada Carolina Menezes Cintra Santos, 28, morreu após o seu carro ser atingido pelo Porsche do engenheiro Marcelo Malvio de Lima, 36, no Itaim Bibi, em São Paulo. Segundo o Instituto de Criminalística (IC), Lima dirigia a 116 km/h quando atingiu a vítima. O caixão teve de ser lacrado, pois o corpo da advogada foi cortado ao meio com a violência do choque. A polícia, quando atendeu a ocorrência, registrou que Marcelo lamentava ao telefone o fato de ter “amassado” seu Porsche – ele não se mostrou NEM UM POUCO sensibilizado com aquele corpo no outro carro, cortado ao meio.

Então, advogados, juízes, promotores, desembargadores. Vão lá com seu juridiquês bonito consolar aquele pai e aquela mãe, que não puderam sequer despedir-se de forma digna de sua filha no velório, pois o caixão dela estava lacrado. Vão lá falar em regime semi-aberto, em cestas básicas. Aquela moça que foi cortada ao meio não teve nenhuma chance, pois seu assassino estava dirigindo bêbado, em altíssima velocidade.

Acredito que agora vou abordar o assunto mais importante de toda esta questão.
Vamos falar de ÁLCOOL.
A pior droga social, a droga que desfaz lares e famílias e que transforma pessoas em farrapos humanos.
A droga “aceita”, legalizada, que poderia ser apenas um pingo de alegria em nossas festas, reuniões, confraternizações, comemorações.
Mas que se transforma num mar de tristeza para aqueles que a consomem e todas as pessoas de seu círculo familiar e social.

Devemos IMEDIATAMENTE parar com essa hipocrisia dos tais decigramas por litro, se são 6, ou 30, ou 100, ou duas doses, ou uma taça, ou uma lata, ou um bochecho com Listerine. CHEGA de hipocrisia, pelo amor de Deus.

Na Austrália, que abordamos como exemplo aqui neste artigo, e em muitos outros países, não há limite legal para se dirigir alcoolizado. Não há dosagem permitida. O limite é zero.
Se o motorista insistir em dirigir alcoolizado ele perde a carteira. Se estrangeiro, é deportado e nunca mais pode pôr os pés naquele país.
Se cometer qualquer infração ao volante sob efeito de álcool – mesmo que a infração seja apenas deixar o carro “morrer” – ele vai para a cadeia.
Se matar alguém pega prisão perpétua, ou até pena de morte.

Para falarmos das consequências nocivas e às vezes irremediáveis do ato doentio de se beber e dirigir, podemos relembrar um caso emblemático, que chocou os Estados Unidos e transformou-se em um símbolo mudo e chocante em si mesmo. Trata-se da jovem venezuelana Jacqueline Saburido (http://helpjacqui.com)

Em 19 de setembro de 1999, a estudante universitária Jacqueline Saburido estava em um carro, no banco de trás, acompanhando dois amigos a uma festa. O carro em que estavam foi colhido violentamente por outro motorista que dirigia bêbado.

O carro em que Jacqueline estava pegou fogo e Jacqueline, presa às ferragens, teve 60% de seu corpo queimado, especialmente rosto, pescoço, cabeça, braços, mãos, peito e costas. Os dois amigos de Jacqueline morreram, mas ela sobreviveu. Sua pele derreteu e ela perdeu parte da visão, as pálpebras, o cabelo, o nariz e as mãos, que se transformaram em tocos. Depois de mais de 100 cirurgias e anos após o acidente, Jacqueline Saburido hoje vive na Venezuela e tem 34 anos. Sua missão é levar sua história de vida a todas as pessoas, dando palestras que visam a conscientizar as pessoas sobre a importância de não beber e dirigir. O motorista bêbado que causou o acidente foi condenado a 7 anos de cadeia e a pagar uma multa de 20.000 dólares. Ele saiu da cadeia em 2008.

Aqui no Brasil, por incrível que pareça, a história de Jacqueline Saburido chegou a ser tratada como spam, pois foi espalhada por e-mail em 2001, 2002, quando ainda não havia Wikipédia nem Youtube. Hoje vale a pena pesquisar um pouco mais sobre a terrível e chocante história de Jacqueline Saburido, e olhar para as fotos de seu rosto e mãos, mesmo agora, 13 anos após o acidente; seu rosto desfigurado, o chapéu que passou a usar junto com as luvas que escondem os “cotocos” que ficaram no lugar de suas mãos. Sua entrevista a Oprah Winfrey teve uma das maiores audiências na TV e na internet nos Estados Unidos.

Aqui no Brasil entendo que devemos IMEDIATAMENTE adotar o seguinte sistema: dirigiu sob efeito de álcool, perde a carteira. Matou alguém, pena mínima de 18 anos de cadeia. Afinal é um homicídio doloso. Nada mais de semi-abertos, fianças, cestas básicas, penas alternativas. Chega de passarmos a mão na cabeça de assassinos, psicopatas, alienados sociais. Essas pessoas não estão preparadas para conviver em sociedade. Nós cidadãos de bem cumprimos a lei e pagamos nossos impostos. Não é possível que um homicida bêbado a 150 km/h, tenha da LEI e da JUSTIÇA os mesmos bons olhos que nós, que andamos dentro das regras e fazemos bem a nossa parte, e não somos capazes de matar nem uma barata no chão sem peso na consciência (“as baratas também são criaturinhas de Deus”, diz minha avó).

Em relação ao que devemos fazer hoje, já, além de repassar este artigo como importante forma de reflexão e conscientização, é adotar alguns comportamentos e condutas como condições obrigatórias enquanto estamos dirigindo nossos veículos nas vias públicas. Todas essas atitudes formam o que eu denominei “Estou Tomando Conta”.

Estou Tomando Conta é a melhor e mais simples maneira de humanizarmos e melhorarmos nosso comportamento ao volante.

Consiste em não mais olhar os outros veículos ao nosso redor como simples veículos, tratando-o por suas marcas e modelos. Não podemos mais falar “aquele cara do Palio”, “aquela moça da Ecosport”, “aquele senhorzinho do Astra”, “aquela véia no Honda Civic”.

Temos de olhar para as pessoas, e não os carros.

São pessoas que provavelmente nunca vimos antes na vida. E provavelmente não tornaremos a ver.

Mas que poderiam ser aquele rapaz que faz o suporte remoto de informática.

Aquela moça simpática que atende o telefone da floricultura ou locadora.

O pai de uma grande amiga sua.

A vice-diretora da empresa ou faculdade na qual você deseja desesperadamente entrar.

Não nos conhecemos, e mesmo assim tratamos como inimigos odiosos todos aqueles que ousam dividir espaço nas ruas conosco.

Queremos matar aquele idiota que conseguiu passar antes de nós no semáforo ou no pedágio. Queremos xingar aos berros aquela moça que estacionou na vaga do shopping antes de nós. Queremos descer do carro e arrebentar a cabeça daquele senhor que dirigiu devagar numa via de trânsito rápido. Queremos descer do carro e moer o carro a golpes de taco de beisebol, só porque aquela elegante senhora parou antes da faixa de pedestres ou não avançou o sinal amarelo.

Por que agimos assim? Por quê??

Se pararmos para pensar, a única coisa que impede o contato físico e visual entre todos nós que estamos no trânsito, são nossos veículos.

Encaramos nosso veículo como uma armadura, uma couraça. E dentro desta armadura podemos agir como bem entendermos.

Falamos sozinhos, cantamos alto, falamos palavrões, soltamos pum, tiramos caca do nariz e do ouvido, damos “aquela coçada” no saco, tiramos a cueca ou calcinha do nosso “tobias”-ladrão.

Sem hesitação e sem cerimônia.

Agimos como neandertais dentro de nossos carros como se fosse um recanto íntimo e secreto dentro do qual ninguém nos atinge nem ameaça.

MAS NÃO É.

Na verdade nossos veículos são a única intersecção, o único ponto de contato, que temos com todos aqueles que estão ao nosso redor. Na verdade, não estamos isolados. Estamos todos conectados. Como se fosse uma enorme teia de aranha ou colmeia, e cada carro fosse uma interligação na malha da teia, ou receptáculo dentro da colmeia. Estamos todos ligados uns aos outros por meio de nossos carros. Se nossos carros fossem feitos de acrílico transparente, isso daria uma ideia melhor de como estamos todos unidos.

Por que não passamos, então, a TOMAR CONTA de todos aqueles que estão ligados a nós?

Não importa quem sejam; não importam que estejam com pressa, dirigindo enlouquecidos, que nos xinguem, que nos bloqueiem ou ultrapassem.

São pessoas. Seres humanos. Semelhantes, iguais a nós. Com problemas, dificuldades, frustrações, como nós.

Devemos começar a tomar conta – eu tomo conta de todos aqueles que estarão na estrada comigo na ida e volta ao trabalho, e todos aqueles por quem passo – ou que passam por mim – no trajeto urbano na ida ou volta ao meu lar. E precisamos entender, de uma vez por todas, que aquele congestionamento monstro NÃO É culpa dos motoristas ao nosso redor. É culpa das AUTORIDADES DE TRÂNSITO E GOVERNOS que não tomam as devidas providências para devolver as cidades ao transporte COLETIVO DE MASSA, relegando os veículos de volta ao seu papel secundário, que é VEÍCULO DE PASSEIO.

Tome conta de mim. Eu tomo conta de você. Pelo bem de todos nós, dirija com segurança. E se beber não dirija.
“Um novo mundo começa por um novo país; um novo país começa por novas cidades; novas cidades começam por novas pessoas; e novas pessoas começam por você. Por mim. Por nós. Devemos ser a mudança que queremos para o mundo.” (Gandhi)

Sobre a Autora

Aline Cristina Pavia

37 anos, Farmacêutica, Flamenca, Corinthiana

Formei-me Técnica em Química, fiz Química Tecnológica na Unicamp e depois Farmácia-Bioquímica na UNIP.

Transito, desde os quatro anos de idade, com familiaridade, tanto por fármacos, reações orgânicas, entalpias e emparelhamento de elétrons, quanto por mesóclises, análise sintática, regência, estilística e etimologia. Acho que perdi uns 5 anos da minha vida me decidindo qual de minhas paixões – a Língua Pátria ou a Química – seria meu ganha-pão. Tive de escolher mas sigo manejando com destreza, tanto as buretas e béqueres, quanto a pena, a mais forte que a espada.

Sobre as Fontes

1. TAC – Transport Accident Comission – condado de Vitória, Austrália http://www.tac.vic.gov.au/jsp/corporate/homepage/home.jsp

2. Estatísticas de trânsito: site do DENATRAN www.denatran.gov.br

Parada Pela Vida: http://www.paradapelavida.com.br/

CESVI Brasil: http://www.cesvibrasil.com.br/seguranca/biblioteca_dados.shtm#causas

3. “Velozes e Perigosos”: galeria fotos BOL http://fotos.noticias.bol.uol.com.br/imagensdodia/2012/05/31/velozes-e-perigosos-motoristas-abusam-e-causam-tragedias.htm?abrefoto=7#fotoNav=1

4. Jacqueline Saburido: http://helpjacqui.com (em cache no Google em 26/07/12)

5. Imagens do Google