Desafio Público à Câmara dos Vereadores. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 15 de agosto de 2012 por

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Caricatura de Erasmo. Jornal de Piracicaba. Todos os direitos reservados.

 

Na extinta União Soviética, havia um grupo denominado “Nomenklatura”, composto por burocratas do Partido Comunista, administradores públicos, membros do governo, políticos enfim, que gozavam de privilégios espetaculares e absurdos. Enquanto a maioria da população vivia com pouco e trabalhava muito, estes homens e mulheres tinham acesso a bons produtos e viviam em abundância. Também dominavam os órgãos de participação política, tais como os parlamentos locais e o parlamento nacional (chamados “soviets”). Utilizando a lei, impediam a população e os indivíduos de se manifestarem e divulgavam sempre a imagem de que “tudo ia muito bem”. Favoreciam seus familiares e amigos com cargos e privilégios enquanto perseguiam seus opositores, mesmo que tivessem que criar falsas imagens deles. A situação era bem descrita pela frase famosa: “para os amigos tudo, para os inimigos a lei”. A União Soviética persistiu neste esquema grotesco por décadas, mas “implodiu” em 1990.

No último dia nove de agosto, quando assessores dificultaram a entrada de membros do grupo Reaja Piracicaba à Câmara Municipal e dezenas de funcionários e servidores da mesma Câmara tomaram os assentos do plenário, não deixando espaço para os manifestantes, tive uma sensação de “volta ao passado”. Vi na atitude da Câmara e de seus membros, uma prática muito parecida com a da Nomenklatura (para não dizer de muitas outras ditaduras). Vi o descaso para com uma reivindicação legítima, para com membros da população e o uso do Estado como coisa privada. Vi a ocupação dos lugares que deveriam ser do povo pelos burocratas, pelos membros diretos e indiretos do poder e tudo isso baseado na acusação (não provada) de que os manifestantes, uma semana antes, danificaram carros de funcionários e portavam armas.

Mas o pior veio depois. Tive que ler que o Presidente da Câmara, vereador João Manoel dos Santos, considera os integrantes do movimento “drogados e alcoolizados” e que não reconhece a legitimidade do movimento. Bem, tenho que dizer que fiquei pessoalmente ofendido. E isso porque na primeira manifestação eu estava lá. Quer dizer então que o Sr. João Manoel me considera um “drogado e alcoolizado”? Considera a todos os que estavam presentes, estudantes, professores, advogados, jovens ambientalistas, funcionários públicos e muitos outros, como drogados e bêbados irresponsáveis, além de vândalos perigosos? Que nossa presença na Câmara não é bem vinda porque somos perigosos? Ou será que é porque somos parte do povo e a Câmara não é mais do povo e sim dos políticos e funcionários que, como o Sr. João Manoel, estão lá a muito tempo? Devo dizer que, de todas as declarações infelizes que já ouvi do Sr. João Manoel, esta foi a mais infeliz e ofensiva. Aliás, a única declaração “feliz” que ouvi deste vereador foi aquela que ele assinou, declarando sua profissão como “vereador”. O que, de fato, penso que após vinte e quatro anos de mandato, é a mais pura verdade. Que espaço ele teria no mercado profissional agora? Seria por isso tanta raiva, tanto empenho para desqualificar o movimento? Uma busca de garantir o seu emprego e a de muitos amigos e familiares que dependem de cargos distribuídos pela Câmara? Ou será que ele realmente está nos acusando de drogados e alcoólatras?

Drogas e álcool são problemas de saúde pública. Mas as palavras foram ditas em tom de injúria, de ofensa. E injúria e difamação são crimes, Sr. João Manoel. Sobre “vandalismo” e porte de “armas”, eu estava lá e não vi nada. Mas talvez até possa ter acontecido (eu não sou onisciente e onipresente). Mas se aconteceu, então tem que ser provado e o  ônus da prova é da acusação. Melhor do que ofender e acusar (através, inclusive de objetos encontrados no gramado…) seria mais adequado e esperado de um vereador em um Estado de Direito, que buscasse as provas e agisse pelos meios legais a fim de punir os responsáveis, se é que eles existem.

Mas tudo tem o seu tempo. O Sr. João Manoel terá tempo de provar que quem estava lá era um bando de vândalos enlouquecidos pela bebida e pelas drogas, assim como quem foi ofendido terá tempo de pedir reparação. Por outro lado, o foco da questão se perde nesta discussão e, penso eu, este é exatamente o objetivo, esvaziar o debate. E que debate é esse? O questionamento do aumento de vagas e de salários dos vereadores, dentre outros. E para não cair na armadilha de esquecer o foco do debate, eu lanço aqui um desafio público. Proponho que seja feita uma pesquisa junto a população e realizada por um instituto idôneo e contratado com a mediação de algum órgão neutro (pode ser a OAB), indagando se o povo concorda com o aumento dos vencimentos dos vereadores. Proponho ainda que os vereadores deste mandato, que são todos candidatos a reeleição, paguem a pesquisa do seu bolso, já que se beneficiarão no mandato futuro se reeleitos. Não ficará caro não. Sendo dezesseis os vereadores atuais, ficará pouco mais de mil reais para cada um, se estou bem informado dos preços de mercado. Não me parece um investimento pesado para demonstrar que estão agindo legitimamente, que não estão legislando em causa própria e, acima de tudo, que respeitam o povo e são dele os representantes, e não algo similar a antiga classe política dominante da União Soviética. E já que a Câmara tem tanta certeza de que está fazendo a vontade do povo, não deverá temer a resposta da pesquisa. Ou terá?

Para quem não conhece toda a história e quer mais informações:

Link para a notícia da restrição da Câmara aos manifestantes.

http://jornaldepiracicaba.com.br/capa/default.asp?p=viewnot&cat=viewnot&idnot=207830

Link para as declarações do Sr. João Manoel dos Santos

http://jornaldepiracicaba.com.br/capa/default.asp?p=viewnot&cat=viewnot&idnot=207852