Por volta do ano de 480 a C, o Senhor Buda faleceu. Conforme a tradição, ele contava na época com 80 anos de idade. Logo após (algumas citações falam em um ano) realizou-se um concílio entre os discípulos. Nesse concílio os ensinamentos do mestre foram escritos, já que, como já foi dito anteriormente, o Mestre nunca escreveu nada do próprio punho.
Durante a reunião, surgiu a primeira diferença de interpretação. Alguns, principalmente entre os mais velhos, afirmavam que os ensinamentos budistas eram para poucos. A Doutrina somente seria adotada por aqueles que, por mérito de outras encarnações (Karma), tivessem evoluído o suficiente para se interessarem naturalmente por ela. O caminho destes seria o monastério, ou seja, tornar-se-iam monges e monjas. Porém, outro grupo de discípulos, mais numeroso, acreditava que a compaixão do Senhor Buda levou-o a pregar a todos que quiseram ouvir. Assim sendo, a tarefa dos discípulos era levar a verdade a todos os povos, pregando os ensinamentos do Mestre para toda a humanidade.
Desse debate apareceram as duas primeiras escolas. Theravada, a primeira, que pode ser traduzida como Ortodoxia, ou ainda “escola dos anciãos”, que dizia ser inútil a pregação, já que o predestinado carmicamente iria buscar os ensinamentos por si mesmo. E Mahayana, a segunda escola, que pode ser traduzida por “Grande Veículo”, já que admitia que toda a humanidade poderia ter acesso aos ensinamentos do Buda. Note-se que a escola Theravada é mais apegada aos conceitos hinduístas de reencarnação e mérito, enquanto Mahayana tem uma flexibilidade maior.
Essa primeira divisão restringiu a escola Theravada a região do sudeste asiático, enquanto que o Mahayana espalhou-se. De fato, o Mahayana adotou um caráter mais “missionário”, e seus adeptos peregrinaram pelo mundo traduzindo e ensinando os “Sutras”, ou os discursos compilados do Buda. Foi exatamente dessa peregrinação que outras escolas vieram a surgir. Hoje são centenas delas, que mesclam ensinamentos diversos.
Essa é outra característica do Mahayana. Nas suas peregrinações, os discípulos acabaram por incorporar conceitos e idéias de outras regiões e crenças, formando assim escolas distintas. Atualmente considera-se o Mahayana não como “uma” escola, mas como um conjunto delas, que embora mantenham os ensinamentos principais, incorporam vários outros elementos e práticas.
Seria francamente impossível descrever todas as inúmeras variações surgidas do Mahayana. Nos limitaremos, portanto aqui, a falar brevemente de três das mais importantes e antigas. A primeira é o chamado Zen Budismo, que surgiu na China, por volta do 500 D. C. Os ensinamentos budistas entraram em território chinês através do missionário Bodhidarma (conhecido no Japão por Daruma) A partir da introdução houve uma a preciosa combinação dos ensinamentos budistas e do pensamento Taoísta, bastante antigo na China e esta mescla se deu principalmente pela junção com os princípios do Tao mais sofisticado, culto, de Lao Tzé e Chuang Tze.
Originalmente o Zen era conhecido por “Chan Budismo”. A palavra Zen é uma adaptação japonesa, feita por ocasião da entrada dessa escola no Japão (por volta de 600 D. C.). A principal característica do Zen é o conceito de que a meditação é dinâmica, ou seja, que pode e deve ser realizada não somente durante os momentos em que o praticante se senta para meditar, mas a todo momento, em todas as atividades. Assim, para o Zen, trabalhar, comer, beber, divertir-se, ler e até mesmo lutar, são momentos de meditar, em que o praticante procura manter a mente clara e alerta, livre de amarras e pensamentos de apego e desejo.. Essa é a grande chave do Zen. Viver a cada minuto a Consciência Plena.
A segunda escola que citamos é o Lamaísmo, que tem se tornado bastante popular no ocidente, principalmente através da figura de seu líder, o Dalai Lama e de filmes como “O Pequeno Buda”. O Lamaísmo, também chamado de “Tantra Tibetano” surge da mescla de conceitos budistas com a antiga religião do Tibet, o Bon – Po. Sua característica mais marcante é a abundância de cores, sons, rituais e um grande número de ensinamentos e práticas iniciáticas, além de divindades que passam a ser percebidas pela ótica budista. Transformam-se de deuses e deusas originais em espíritos protetores ou diferentes “budas” desta terra ou de territórios espirituais. O Budismo Tibetano tem uma gama de livros e escritos próprios, dos quais um dos mais famosos e importantes é o Livro Tibetano dos Mortos, que narra o caminho da alma entre a morte e a reencarnação. Porém, a despeito de sua aparente diferença do Budismo original, de caráter mais simples, o centro dos ensinamentos continua o mesmo. Desapego, meditação, compaixão e mente alerta. Os métodos se transformam para a melhor apreensão do povo de acordo com sua cultura.
A última escola citada, é o ‘Tantra Budismo”, uma síntese de técnicas da Yoga hindú com o pensamento do Buda. A palavra “tantra” quer dize “trama”, entrelaçamento, como o das fibras de um tecido. Uma das ideias mais importantes é a de que os entrelaçamentos cármicos podem ser alterados através de práticas espirituais, mentais, rituais esotéricos e até práticas físicas, como algumas forma de Yoga. Existe, dentro desta escola, uma variedade muito grande de práticas diferentes, que vem a se tornar outras pequenas escolas dentro da mesma. Sua característica principal é a prática da meditação com as Asanas, posturas da Yoga clássica, e a celebração de antigos rituais que ainda lembram muito o hinduísmo, além de um esoterismo muito intenso. A subdivisão em muitas escolas/grupos dento do Tantra Budismo é a mesma que aconteceu nas escolas anteriormente citadas (Zen e Lamaísmo) . Ou seja, dentro de cada grupo surgiram escolas distintas, que variam um tanto as suas práticas, mas, no geral, mantêm a mesma essência.
Um fenômeno interessante em relação as mesclas da escola Mahayana é o surgimento do que chamamos de Amidismo, um movimento iniciado, ao que tudo indica, de forma espontânea pelos povos que tomaram contato com o budismo. O Amidismo desenvolve a figura do Buda Amida, o Buda da Compaixão Divina. Esta ideia é, por muitas vezes, uma divinização do Buda. Em outras uma incorporação de antigos deuses e deusas que personificavam a Compaixão e a sua transformação em Budas dento da crença popular. Tal deificação porém, não consta em nenhum sutra clássico, mas se origina da necessidade popular, principalmente dos mais simples, de ter uma divindade a quem recorrer. Trata-se de um desejo, muito humano, de visualizar uma figura compassiva que nos socorra nos momentos de aflição. O Budismo mais tradicional não fala em divindades. E não porque as negue, mas por acreditar que o culto a uma divindade pode criar uma relação “sujeito-objeto” que desvia o praticante de seus objetivos.
Muito mais poder-se-ia falar a respeito das escolas e também do Budismo como um todo. Porém, isso não é possível num artigo simples como este. Assim, resta-nos, nesse último artigo, propor aos que se interessaram, algumas leituras que os informem mais. Seria bastante produtivo que quem se interessa realmente pelo assunto buscasse tais leituras. Principalmente dado o grande número de charlatães, confusões e obras duvidosas que têm fascinado o ocidente na atualidade. A busca por algo novo, acabou por criar uma indústria esotérica, que atinge também o budismo. Com o perdão da afirmação pretensiosa, mas com a experiência de anos de estudo, podemos afirmar que pelo menos 80 % de todos os livros sobre budismo e afins que se encontram em nossas livrarias, não passam de pura bobagem confusa, escrita sem critério, com fins puramente comerciais. Os que propomos a seguir, tem o mérito de fugir a essa maioria.
Para quem esta iniciando suas leituras, recomendamos as seguintes obras:
“Para Viver em Paz”. Thich Nhat Hanh, Ed. Vozes. Petrópolis- RJ. 1993
“Shakyamuni Buddha – Uma Biografia Narrativa do Buda Histórico” Nikko Niwano. Ed. Cidade Nova. SP – SP. 1987.
Para quem já conhece um pouco mais, ou está mais habituado a leituras um pouco mais extensas:
“O Livro Tibetano dos Mortos”. Organização de W.Y.Evans-Wentz. Ed. Pensamento. SP – SP. 1998
“Budismo – Psicologia do Autoconhecimento”. Homenko e Silva. Ed. Pensamento. SP – SP. 1990
“Shambala – A Trilha Sagrada do Guerreiro”. Chöngyam Trungpa. Ed. Cultrix. SP – SP. 1994
“Zen e as Aves de Rapina” Thomas Merton. Ed. Cultrix. SP – SP. 1993
“A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen” Eugen Harrigel. Ed. Pensamento. SP- SP. 1990
“Introdução ao Zen Budismo”. D. T.Suzuki. Ed. Pensamento. SP- SP. 1989
As edições citadas aqui são mais antigas, uma vez que são do meu acervo. Mas a maioria tem edições mais novas. Boa leitura.
Alexandre Diniz
3 de janeiro de 2013
Texto muito bom professor! É interessante notar, como foi mencionado, o processo do Amidismo. A nova tradição Kadampa por exemplo, tem como um dos seus focos o buda Tara Verde. Tara é um buda feminino, representando a concepção ocidental materna (cuidadosa, cheia de compaixão, educadora). Isso lembra muito a virgem Maria e também Iemanjá.
Outro ponto interessante no budismo é a sua permissividade ao ateísmo. O próprio Siddartha Gautama não se intitulou como um deus. Mas pribiu de uma certa forma a discussão se há ou não deuses. (segundo ele, essa discussão só levaria à conflitos). Sendo assim, como descrito no livro A Doutrina de Buda, o budismo permite que seus seguidores sejam ateus.
Grande abraço!
blogdoamstalden
20 de janeiro de 2013
Alexandre. Até hoje existem debates acadêmicos sobre o fato do Budismo ser ou não uma religião, dada a recusa de Sidarta em falar de uma divindade. Penso que ele não a negava, mas insistia no fato de que nunca poderemos entender o univeso através da razão, daí a inutilidade de se entender racionalmente ou através de ritos, a existência ou não de Deus. O seu foco estava na autoconsciência e na percepção de si e da vida, que levariam ao Nirvana. Em relação a Tara Verde, esta tendência, assim como o Amidismo, está relacionada ao desejo tão humano de um acolhimento no sofrer. E para isso a figura materna, como você lembrou, costuma ser mais relevante do que a paterna. Desculpe a demora em responder. Como vc. sabe, andei em recesso. Abraço