Como vimos no artigo anterior (As “Bases” do Poder- Punição), sem formas punitivas nenhuma estrutura de poder sobrevive. Mas uma estrutura de poder que se baseia somente na punição não é durável. Pode sobreviver por um tempo razoavelmente longo em comparação com o tempo de duração da vida humana, mas mesmo assim, não subsiste eternamente.
Isso porque somente o ato de punir não é suficiente. Submetidos somente a punição, os indivíduos acabariam por se rebelar, com de fato acontece e aconteceu em muitos momentos da História e em muitas sociedades diferentes.
O poder precisa de outra base. Esta é a que chamamos de “Legitimidade”.
Por legitimidade podemos entender “a capacidade que quem exerce o poder tem de ser aceito por aquele que obedece ou se submete a este poder”. Ou seja, aquele grupo ou indivíduo que de alguma forma tem poder sobre os demais, tem que ser aceito por estes como alguém com direito de ter este poder. Tem que ser percebido também como alguém capaz de dirigir e ainda como alguém que está fazendo a coisa certa para todos.
Em geral a legitimidade é uma combinação de todos os fatores. Quem obedece acredita que quem manda tem direito de fazê-lo, mas também o faz para o bem de todos e é competente para mandar.
Quando uma criança obedece aos pais, por exemplo, não é só porque teme apanhar se desobedecer. Mas também porque crê, ainda que inconscientemente, que eles têm o direito de mandar. Eles o geraram, criam e sustentam, assim mandam. Eles são o apoio da criança e seu recurso na necessidade, logo tem um direito imediato de comandar. Além disso, eles têm o direito afetivo. Amam e são amados pela criança, o que reforça sua legitimidade. Mesmo uma criança pequena que não tem noção exata destes “direitos” paternos, reconhece a legitimidade deles ainda que de forma não consciente.
Um governo, por outro lado, manda se também for legítimo. E a legitimidade do governo pode vir de muitas razões diferentes. Pode vir de uma eleição, por exemplo. O governo tem direito de mandar porque foi escolhido pela maioria, eleito. Daí o seu direito de governar.
Mesmo quem não votou no candidato eleito, tende a aceitá-lo. E isso não porque aceita o governante em si, mas sim porque aceita o processo pelo qual ele foi escolhido (a vontade da maioria expressa na eleição).
Mas um governo pode ter a sua legitimidade também construída por outros fenômenos, como a crença religiosa. No Irã, o governo é exercido por autoridades religiosas, os Aiatolás, especialistas na interpretação do livro sagrado (o Corão). Neste caso a população crê na legitimidade dos governantes porque estes são especialistas na lei divina, logo tem o direito de governar e, na crença deles, deverão fazer um bom governo por serem interpretes da vontade de Deus. Você vai notar, se olhar com mais cuidado para a História e para o mundo, que o sentimento religioso é muito eficiente ao conferir poder e também que muitos governos se estruturaram e estruturam através do uso deste sentimento religioso.
O direito herdado também pode ser uma forma de legitimar. Os reis em geral são legítimos aos olhos do povo porque são herdeiros de alguém que tinha poder antes deles. Neste caso dizemos que ele pertence a uma dinastia e a tradição de respeito a esta dinastia favorece a legitimação do governante.
Como você pode ver, a legitimidade também tem inúmeras formas de se manifestar. E, da mesma forma que a punição, na maioria das vezes é construída por uma combinação destas maneiras diferentes de se justificar o direito e a competência de quem governa.
Porém, da mesma forma que a punição nem toda legitimidade é construída sobre bases eticamente aceitáveis. Uma população pode ser manipulada pelos governantes de forma a que estes mantenham sua legitimidade mesmo atuando de maneira imoral ou anti ética.
Os nazistas, por exemplo, criaram uma série de fatores de legitimidade que nada tinham a ver com a ética. A superioridade da raça ariana foi um destes fatores e pior, baseados na ideia desta pretensa superioridade, os nazistas apregoavam o “direito” de decidir sobre a sobrevivência ou não de outras etnias. Outro fator foi o medo. Criando o medo dentre a população, medo do estrangeiro, medo do judeu, medo dos socialistas, eles se colocaram como defensores do povo, muito embora os “inimigos” não fossem reais. Como “defensores” construíram sua legitimidade.
No Brasil, penso que um fator que “legitima” muitos poderosos é a ignorância e uma “tradição” perversa. Por séculos, em nossa sociedade, os grandes latifundiários e senhores de escravos dominaram a esmagadora maioria da população. Dominaram com a força, a repressão (punição), mas também com a ideia (falsa, obviamente) de que os brancos senhores de engenho eram superiores aos negros, índios, mulatos e brancos pobres, daí sua força e seu direito de governar. Neste caso há uma similaridade com a ideia de superioridade racial que os nazistas usarão mais tarde, mas também um conceito de superioridade da civilização europeia personificada no branco conquistador frente aos conquistados. Há ainda uma noção de superioridade da religião ocidental, o cristianismo, que “justificava” o domínio de não cristãos a fim de “levar-lhes a verdadeira religião”. É uma soma de fatores de “legitimidade não ética” que combinados com a força, mantiveram o sistema social brasileiro de poder.
O interessante é que a vinda da república e das constituições, não foram capazes de por fim a esta estrutura. Pelo menos não de forma plena. Ocorre que agora, mesmo gozando de direitos constitucionais, nossa população ainda acredita na sua “inferioridade” frente aos poderosos. Eles, é óbvio, cultivam esta noção falsa porque lhe mantém o poder. É por isso que vemos tantos absurdos em termos de corrupção sem uma reação mais geral por parte de nosso povo. Acontece que a população acredita que o domínio do Estado e do Poder não lhes pertence e, portanto, se um político rouba ou utiliza o Estado em proveito próprio, se eleva seus vencimentos ou se distribui benefícios somente aos seus aliados, a população não se rebela porque está acostumada a esta noção “tradicional” da superioridade deles e da sua própria inferioridade. Não conquistamos ainda, então, um conceito mais profundo, o da Cidadania, sobre o qual falaremos num artigo posterior.
Anônimo
24 de abril de 2015
MUITO LEGAL, ADOREI O BLOG!