O Ódio e as Palavras. Por Luis Fernando Amstalden

O antissemitismo, o preconceito contra os judeus, é muito antigo na Europa e no mundo todo. Assim, quando os nazistas começaram sua campanha contra os judeus, eles não inventaram nada, apenas utilizaram um fenômeno social já existente. Mas, na civilizada Europa, mesmo com o preconceito, não foi tão simples fazer o holocausto, a matança coletiva que atingiu mais de seis milhões de judeus nos campos de concentração. Para se chegar a este extremo, os nazistas, que subiram ao poder em 1932, criaram um conceito de que o judeu não era humano, era subumano. Somente assim, somente colocando a população judaica “abaixo” da raça humana é que se pode oprimi-lo, persegui-lo e matá-lo. O processo foi mais longo do que se costuma imaginar e envolveu, antes do macabro final, o discurso e a propaganda constantes da “inferioridade judaica”. Para matar, primeiro é preciso a ideia de que quem vai ser morto é um ser humano e colocá-lo num patamar inferior e nocivo (chegou-se a espalhar a ideia de que os judeus transmitiam tifo..).

O processo não aconteceu somente contra judeus (ciganos, homossexuais e outros grupos também foram perseguidos com o mesmo mecanismo) e tampouco foi exclusivo do nazismo. A escravização dos negros, no século XVI, também foi “justificada” com palavras, com a disseminação da ideia de que negros estavam destinados à escravização. Neste caso, um dos argumentos se baseou, também, numa interpretação errônea do Gênesis, na passagem em que Noé amaldiçoa seu filho Cam e o condena a servidão e de Cam teriam surgido os negros. Li a passagem e não vi a ligação. Mas muita gente viu e “justificou” opressão dos africanos por aí. E, infelizmente, parece que muita gente ainda faz este tipo de interpretação, além de outras “desconstruções” de seres humanos.

É o caso do deputado Marcos Feliciano, responsável por declarações como: “africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé” e, ainda sobre a África: “O caso do continente africano é sui generis: quase todas as seitas satânicas, de vodu, são oriundas de lá. Essas doenças, como a AIDS, são todas provenientes da África”. Feliciano também critica duramente os homossexuais, como por exemplo através da seguinte declaração no Twiter: “a AIDS é o câncer gay” e “a podridão dos sentimentos homoafetivos levam ao ódio, ao crime e à rejeição”. O que talvez o Deputado Feliciano não perceba, é que mesmo que ele jamais levante a mão ou a voz contra um negro ou um homossexual, o simples fato de ter feito estas declarações, pode incentivar outras pessoas à agressão, a discriminação. Logo, um líder político e mesmo religioso, não pode fazer este tipo de afirmação sem correr o risco de incitar o ódio, de realizar a “desconstrução” de outros seres humanos e causar, lá na frente, a agressão e até o assassinato. Pessoas que já tem preconceitos fortes, podem se sentir “desbloqueadas” para agredir, dado o fato de que um líder que aparentemente sabe mais do que elas, faz afirmações que vão de encontro com seus preconceitos.  E, infelizmente, no Brasil agressões e crimes raciais são muito comuns.

Em novembro de 2010, cinco rapazes, dentre eles quatro menores, atacaram dois homossexuais na Av. Paulista, em São Paulo capital. O ataque foi gravado e chama a atenção o fato de que a agressão acontece sem nenhum aviso ou provocação, com um dos menores atingindo o rosto de um dos agredidos com uma lâmpada fluorescente. Em 2011, numa festa de peão em São João da Boa Vista, pai e filho confundidos com um casal homossexual por estarem abraçados, foram espancados por sete homens, tendo o pai perdido um pedaço da própria orelha numa mordida dos agressores. Estes casos são exemplos do ódio que se nutre contra homossexuais no Brasil. Em relação aos negros, é mais “disfarçado”, mas ainda são os negros aqueles “preferencialmente” abordados em vistorias policiais e são os jovens negros os mais sujeitos a mortes violentas.

É por este motivo que penso que um homem que faz declarações deste tipo não pode assumir um cargo como a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Mesmo que ele não tenha tido a intenção de promover a violência, suas declarações estão aí e, sabe-se lá que tipo de reação de ódio elas vão causar no futuro em mentes mais rústicas. Aliás, já tem causado. Desde que eu postei no meu Blog e no Facebook críticas a nomeação do deputado para o cargo, tenho recebido comentários bem agressivos. Um leitor me disse que eu era um “a toa sem vergonha na cara”. Outro me mandou tomar banho de soda. E, a pérola das pérolas, uma leitora disse que eu não podia negar que “biblicamente os africanos e os judeus haviam sido amaldiçoados”. Seria, no mínimo elegante que Feliciano renunciasse ao cargo. Mas não o fez. Penso que ele quer exatamente capitalizar o voto de preconceituosos e aumentar seu cacife eleitoral. Já o PSC, seu partido, talvez queira o mesmo. O que posso dizer são duas coisas: primeiro, o PSC nunca terá meu voto, nem qualquer coligação a qual ele pertença, já que parece compactuar com a estratégia do deputado. Segundo, na minha insignificante opinião, Cristo é o amor. E fazer declarações que levam a violência não é ser cristão…

PS: se você quiser, no Blog há um formulário de carta de protesto que você pode copiar e enviar ao PSC, negando a eles seu voto futuro. Está no post “Minha Mensagem ao PSC” e tem os emails do partido lá.