Certa vez, conversando com um amigo psicólogo e professor universitário, perguntei-lhe se ele não tinha vontade de clinicar, uma vez que nunca o fizera, mas dedicara-se a docência. Ele respondeu que não, que nunca tivera esta vontade. Que gostava da psicologia e da docência, mas que no consultório teria que lidar de uma maneira mais intensa com o narcisismo dos outros e isso, ele disse, é muito difícil. De fato é. Todo ser humano tem uma dose de narcisismo, e isso é importante. Se você não gostar um pouco de si mesmo, não for um bocadinho narcisista, acaba se descuidando da si mesmo, até de sua saúde. Gostar de si próprio é importante e, penso eu, até um pré-requisito para gostarmos de outra pessoa. A questão (a que no fundo meu amigo se referia) é o quanto gostamos de nós mesmos e como gostamos. Às vezes me parece que tendemos a extremos. Ou somos muito narcisistas ou autodestrutivos.
Particularidades psicológicas a parte, ninguém deixa de ser também um pouco do que o seu mundo e sua sociedade são. E nossa sociedade tende a estimular o narcisismo e o individualismo. Começa pelas propagandas e pelo consumo. Desde crianças estamos sujeitos ao bombardeio de idéias de consumo que, por sua vez, nada tem a ver com a utilidade ou eficiência daquilo que se consome, mas principalmente com a “construção” de uma imagem poderosa, admirada e narcísica de quem vai comprar aquele produto. Você já reparou as propagandas de carros, por exemplo? São sempre pessoas “arrojadas”, felizes, sexualmente atraentes que estão dirigindo os veículos anunciados. No fundo o que se faz é vincular uma boa auto-imagem àquele carro, vinculando-o a mulheres bonitas, riqueza, admiração e sucesso. Mas será que é isso mesmo? Se o mercado de carros fosse suficiente para dar a felicidade que promete, então ninguém que tem bons carros consumiria antidepressivos.
Mas, voltemos a questão do narcisismo e do individualismo. Em parte pela cultura hiper consumista e em parte por outros fatores, como a concorrência pelo trabalho e pela ideologia do sucesso “individual” que vivenciamos, o fato é que somos muito mais narcisistas do que deveríamos. E aí vem uma coisa complicada, será que tão voltados assim para nossa própria imagem, nosso próprio “umbigo”, somos capazes de amar e de ser amados? Penso que não. Acho que estar focado demais em si mesmo (da mesma maneira que estar focado de menos) nos impede de amar e de sermos amados. De amar porque na medida em que vemos praticamente só a nós mesmos, não amaremos a outra pessoa de fato, e sim aquilo que acreditamos que esta outra pessoa nos traz. Se é uma pessoa bonita ou rica, por exemplo, estamos amando a beleza e esta riqueza que ela nos agrega, e não a ela. Neste caso, portanto, não amamos ninguém, mas aquilo que acreditamos que os outros nos trazem, da mesma forma que consumimos um produto acreditando que ele nos faz mais bonitos e especiais.
Por outro lado, e no mesmo fenômeno, o narcisista não reconhece o amor alheio. Acaba por, no mesmo processo egoísta, usar o amor do outro acreditando que, tudo aquilo que a pessoa que nos ama faz, faz por “obrigação”, para atender alguém “tão especial e precioso” quanto nós. Não valorizamos o sentimento e as atitudes do outro, recebendo seu amor quase que com condescendência, com o desinteresse de um deus pagão sendo incensado. Hoje é dia dos namorados, mas não são só os casais que caem nestas situações de amor narcísico. Já vi o mesmo acontecendo entre pais e filhos, irmãos e amigos. Vi e vejo filhos egoístas pensando que, já que seus pais os geraram, têm agora a “obrigação” de sustentá-los e até de justificar e pagar por todas as bobagens que fazem nas ruas e nas suas vidas. Vi irmãos abandonarem a responsabilidade e o cuidado para com seus pais idosos nas mãos de alguém da família mais abnegado. Vi pais exigindo que os filhos respeitem sua arrogância, seus erros e sua violência porque são seus pais e tem “direito” a este “respeito incondicional”. Vi pessoas tomando dinheiro de parentes e amigos e nunca se preocupando em pagar.
O egoísmo e o narcisismo, assim como o amor, nos acompanham desde que somos humanos. É bobagem falar em uma época em que não tenham existido. Mas há sim, uma diferença e esta é social. Hoje o incentivo ao egoísmo e ao narcisismo são institucionais e ideológicos, aceitos formal e informalmente na nossa cultura. Na Inglaterra, por exemplo, no início da década passada, um escritor de auto ajuda profissional incentivava os seus leitores a adotarem (moderadamente, como ele dizia) os pecados capitais para subirem na vida. Ou seja, ter gula, cobiça, inveja, etc seriam coisas positivas para seu crescimento nas empresas. Da mesma maneira, por trás da esmagadora maioria das propagandas que nos leva ao hiper consumo, permanece a mensagem egoísta do “eu tenho e você não tem”. E no final, todos acabaremos solitários, tanto aqueles que não sabem amar por egoísmo quanto aqueles que amam os egoístas.
Você quer uma resposta, uma solução mágica para isto? Eu não a tenho. Quem as “tem” são os escritores de auto-ajuda e os líderes religiosos midiáticos, que pululam no mercado de pessoas em crise. Mas tenho uma proposta de caminho. O caminho da busca da autoconsciência e da sabedoria, que aliás está aí, nas obras dos grandes filósofos e pensadores religiosos da nossa história. O que eles propõem? Algo simples e difícil ao mesmo tempo. Que tomemos real consciência de quem somos e, junto com algum amor próprio, saibamos cultivar a humildade.
Posted on 13 de junho de 2013 por blogdoamstalden
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