Arte sem Mistério. OSWALD DE ANDRADE. Por Valéria Pisauro

Posted on 9 de novembro de 2013 por

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São Paulo, 1890 – 1954)

 

“Viajei, fique pobre, fique rico, casei, enviuvei, casei, divorciei, viajei, casei…já disse que sou conjugal, gremial e ordeiro. O que não me impediu de ter brigado diversas vezes à portuguesa e tomado parte em algumas batalhas campais. Nem ter sido preso 13 vezes. Tive três filhos e três netos e sou casado, em últimas núpcias com Maria Antonieta d’Alkimim. Sou livre docente de literatura na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo.”

 

                                                           Diário de Notícias, 1950.

 

O mais anarquista do modernismo, sentia-se um “palhaço da burguesia”.

Homem gozador, polêmico e irônico (”Sempre enfezei em ser eu mesmo. Mau mas eu.”).

Sua vida artística não pode ser desvinculada de sua vida amorosa.

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José OSWALD Nogueira de ANDRADE nasceu em 1890, na Av. Ipiranga, antigo número 5, São Paulo. Filho do Sr. Andrade, rico proprietário de terras (negócios imobiliários e café) e político e de dona Inês, católica praticante e irmã do escritor Alexandre Herculano.

Oswald foi criado entre altares e velas em uma sociedade patriarcal e os “Postes da Light”.

Estudou na Escola Modelo Caetano de Campos, transferido para o Ginásio Nossa Senhora do Carmo após ter comentado que o professor havia afirmado que “Deus é a natureza”.

Na adolescência leu Shakespeare, Dostoievski e Eugênio de Castro.

Em 1909, ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e tornou-se redator e repórter do jornal Diário Popular, graças à influência de seu pai.

Em 1911, fundou o semanário, O Pirralho (1911-1917) e contava com a colaboração de JuóBananére.

Em 1912, Oswald fez a sua primeira viagem à Europa, no Martha Washington e conheceu a bordo a bailarina de onze anos, LandaKosbach (nome artístico de Carmen Lídia).

Estabeleceu-se em Paris onde conheceu a ex-rainha dos estudantes de Montparnasse, Henriette Denise Boufflers, a quem apelidou de Kamiá. Nesse período frequentou teatro, óperas, balés e teve o seu primeiro contato com o Futurismo de Marinetti.

A notícia do estado de saúde precário de dona Inês, acelerou o retorno do poeta ao Brasil.

Oswald que trouxe em sua bagagem as ideias do Futurismo de Marinetti; seus amores frustrados por LandaKosbach, “flor de carne musculosa e doirada” (“Landa, que foi o primeiro sonho vivo que me ofuscou, tornou-se a estátua de sal da lenda bíblica. Olhou para o passado.”); a Kamiá, mãe de seu primeiro filho, Nonê (“A francesa que trouxe de Paris veio buscar o dinheiro para outro homem”) e os escândalos que provocou o seu relacionamento com Isadora Duncan (“Isadora Duncan estrondou como um raio e passou. A que encontrei, enfim, para ser toda minha, meu ciúme matou…”).

Em 1917 alugou na Rua Líbero Badaró, nº 67, 2º andar, sala 22, uma garçonière, espécie de clube de intelectuais, frequentado por Guilherme de Almeida, Monteiro Lobato, Menotti del Picchia, além de uma estudante de 16 anos, Maria de Lourdes, que insistia ser chamada de Daisy, a Miss-Cyclone.

Oswald separa-se finalmente de Kamiá e passa a viver com Daisy, que após praticar um aborto, casa-se com Oswald de Andrade em um leito do hospital, vindo a falecer em seguida (“Sinto-me só, perdido numa imensa noite de orfandade.A amada que me deu a vida partiu sem me dizer adeus”).

Esses relacionamentos amorosos apareceram no primeiro romance do autor, Os Condenados (I – Alma, II – Estrela do Absinto, e III – A escada, 1922 a 1934), com capa de Victor Brecheret.

 

“Estou só e a vida vai custar a reflorir. Estou só.”

 

Em junho de 1922, retorna ao Brasil a pintora Tarsila do Amaral que passa a frequentar a garçonière e integrar-se ao “grupo dos cinco” (Oswald, Mário, Anita, Menotti e Tarsila).

Em 1924, publicou “Memórias sentimentais de João Miramar”, romance visto por muitos como a primeira grande realização da prosa modernista.

Em 1926, casa-se com Tarsila do Amaral, formando o casal Tarsiwald: o casal mais intelectual, mais elegante, mais polêmico, mais revolucionário de São Paulo. Em sua bela residência, o casal promovia reuniões etílico-gastronômico-culturais e recebia celebridades como BlaiseCendrars e Leger. É com Tarsila do Amaral que o poeta brilhará no modernismo e fundará o MovimentoAntropofágico.

Em 1927 surge no meio intelectual a normalista, Patrícia Galvão, a Pagu, jovem com talento artístico que passou a frequentar as reuniões do casal Tarsiwald.

Nesse mesmo período começam surgir às divergências entre os modernistas e Oswald rompe com Mário de Andrade, Alcântara Machado e Menotti del Picchia.

Em 1929, acontece um romance entre Oswald e Pagu e os poucos amigos que lhe restavam, ficaram ao lado de Tarsila.

Com a crise internacional e o estouro da Bolsa de Valores (1929), Oswald de Andrade perderá sua fortuna, tornando-se “vira-lata do modernismo”.

 

“Quando, depois de uma fase brilhante em que realizei os salões do modernismo e mantive contato com a Paris de Cocteau e de Picasso, quando num só dia da débâcle do café, em 29, perdi tudo – os que se sentavam à minha mesa iniciaram uma tenaz campanha de desmoralização contra meus dias. Fecharam então num cochicho beiçudo o diz-que-diz que havia de isolar minha perseguida pobreza nas prisões e nas fugas. Criou-se então a fábula de que eu só fazia piada e irreverência, e uma cortina de silêncio tentou encobrir a ação pioneira que dera o Pau-Brasil e a prosa renovada de 22.”

 

Em setembro de 1929, nasceu Rudá (deus do amor, em tupi) filho de Oswald e Pagu.

Em 1931 o casal filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro e Oswald declarou encerrada a sua carreira de poeta modernista e deu início outra fase, militante político.

Lança nesta fase, o jornal“O Homem do Povo”, pasquim humorístico-planfletário, que criticava o capitalismo e a moral burguesa.

Em virtude da militância política, o casal foi preso várias vezes e separaram-se definitivamente, em 1932.

Em 1933, publica “Serafim Ponte Grande”, romance que projeta essa fase de radicalidade criativa e ideológica.

Em 1936, casa-se com Julieta Bárbara e depois, em 1942, com Maria Antonieta D’Alkimin, com quem teve dois filhos: Antonieta Marília de Oswald de Andrade e Paulo Marcos. Publica “Cântico dos Cânticos, para Flauta e Violão”.

A década de 30 foi um período conturbado na vida do autor: penhoras, falências, protestos, despejos e desamor (tentou retomar a amizade com Mário, mas foi em vão)

Suas peças teatrais:“O “Rei da Vela”,”O Homem e o Cavalo” e “A Morta”, só ganhariam encenações nos anos 60.

Em 1940, concorreu a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, mas perdeu para Manuel Bandeira.

Colaborou no Correio da Manhã, na Folha de São Paulo e no Estado de São Paulo, mas sentia-se desacreditado.

Em 1944, ingressou na Universidade de São Paulo, como professor de Literatura, mas nunca lecionou.

Faleceu em 22 de outubro de 1954, aos 64 anos.

 

OBRAS:

 

Romance:                  Os Condenados

Memórias Sentimentais de João Miramar

Serafim Ponte Grande

                                   Marco Zero

 

Poesia:                        Pau-Brasil

                                   Primeiro Caderno de Poesia do aluno Oswald de Andrade

                                    Poesias Reunidas

 

Manifestos e teses     Manifesto Pau-Brasil

                                   Manifesto Antropófago

                                   A Arcádia e a Inconfidência

                                   Ponta de Lança

                                   A crise da Filosofia Messiânica

A Marcha das Utopias

 

Teatro:                       O Homem e o Cavalo

                                   O rei da vela

                                   A Morta

                                   O rei Floquinhos

 

Memórias:                 Um homem sem profissão

           

 

Crônicas:                   Telefonemas

 

 

CARACTERÍSTICAS:

 

–     Homem dividido entre o patriarcalismo agrário de sua infância e a tecnologia urbana de sua adolescência;

–          Linguagem enxuta e coloquial;

–          Cotidiano;

–          Brasilidade;

–          Versos livres e brancos;

–          Telegrafismo, o simultaneísmo, as ordens do subconsciente;

–          Capítulos-relâmpagos, capítulos-sensações;

–          Poemas-pílulas;

–          Ausência de pontuação.

 

Escapulário

 

No Pão de Açúcar

De Cada Dia

Dai-nos Senhor

A Poesia

De Cada Dia.

 

 

Relicário

 

No baile da Corte

Foi o Conde d’Eu quem disse

Pra Dona Benvinda

Que farinha de Srurí

Pinga de Parati

Fumo de Baependi

É comê bebê pitá e caí.

 

 

Vício na fala

 

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor dizem mió

Para pior pió

Para telha dizem teia

Para telhado dizem teiado

E vão fazendo telhados.

 

Pronominais

 

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom branco e o bom negro

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro.