A Lei Federal 9099/95 permitiu que em todo o país fossem criados juizados especiais cíveis e criminais, os quais têm atribuição para julgar, mediante processos simplificados, causas de pequeno valor e os crimes de menor potencial ofensivo. Um dos instrumentos previstos nessa lei para acelerar o trabalho da Justiça é a possibilidade de, conforme o caso, suspender ou encerrar imediatamente os processos por meio de acordos feitos entre as partes litigantes. Essa é a primeira vantagem trazida pela lei.
Por outro lado, quando um processo começa nunca é possível saber quem dele sairá vencedor, por melhores que sejam os juízes, os advogados, as partes, as testemunhas, etc. Essa é outra vantagem proporcionada pelos acordos judiciais, ou seja, as partes negociam na hora o que cada uma ganhará e perderá. Assim, nenhuma delas receberá tudo o que pretendia, mas também não perderá tudo o que poderia.
Uma coisa que o acordo não faz é definir quem é culpado ou inocente, quem tem direito e quem tem culpa, quem está certo e quem está errado. O acordo não prova nada, não impõe pena e não significa condenação. Ao contrário, substitui tudo isso por um pacto.
Em meados de 2013, alguns vereadores de Piracicaba se sentiram ofendidos com publicações feitas no Facebook por um cidadão da cidade. Alegando que tais publicações configurariam crimes contra suas honras, os vereadores processaram referida pessoa. Pela lei, esses crimes são considerados de menor potencial ofensivo e, por isso, os processos tramitaram perante o Juizado Especial Criminal da Comarca.
No dia 7 de novembro de 2013, durante a sessão da Câmara, um vereador anunciou que o cidadão acusado aceitara, em audiência realizada no fórum naquela tarde, um acordo previsto na Lei 9099/95 para suspender os processos. Por esse acordo, ele se comprometia a comparecer periodicamente ao fórum para comprovar o cumprimento dos compromissos (e compromisso não é pena) assumidos no pacto, dentre eles, o de evitar determinados lugares, como bares e estabelecimentos similares, a comunicar ao juiz sempre que quisesse viajar e a não mudar de endereço. Dessa forma, segundo esse vereador, a verdade tinha vindo à tona, pois ficara provado que o cidadão realmente praticara as ofensas e agora pagaria por elas. No site da Câmara, o diretor jurídico do órgão, Robson Soares (que também está sendo processado por calúnia), disse que isso serve de exemplo para esse cidadão e para outros de que ‘não estarão impunes quando falam o que não devem’.
Ora, se o cidadão aceitou um acordo para suspender o processo, evidentemente nenhuma acusação foi comprovada, ninguém foi condenado e nenhuma pena foi aplicada, vale dizer, ele é tão inocente agora quanto era antes.
Apesar do claro equívoco, o episódio foi encerrado com singular sabedoria, quando, na seqüência, o vereador José Aparecido Longatto, primeiro secretário da mesa diretora, foi aplaudido por alguns de seus pares ao dizer que o suposto criminoso deveria ser condenado a limpar banheiros de escolas e creches.
De leis Longatto entende, pois seu trabalho é fazê-las. Por isso, ele sabe que o único que pode julgar o dito cidadão é o juiz da causa. E sabe também que, se por força desse acordo o juiz não pode condenar o cidadão, ele, Longatto, também não pode.
Ora, como para bom entendedor qualquer pingo é letra, constata-se com facilidade que, usando com maestria a arte da sutileza, o nobre parlamentar, na verdade, aproveitou a oportunidade para reafirmar aquilo que toda a sociedade brasileira sabe de cor, notadamente, que as atuais condições de trabalho de nossas escolas e creches são dignas não de professores e servidores, mas de criminosos. Ao menos foi o que eu entendi da fala do parlamentar.
Pena essa realidade não ter se refletido em sessões pretéritas, quando votados os salários, ocasião em que vereadores aprovaram, para si, aumento de 66% e, para os profissionais da área da educação – que nenhum crime praticaram -, em torno de 6%.
Régis Monteiro é servidor público
Fernanda
14 de novembro de 2013
Boa análise Regis, muitas unidades escolares estão mais para cumprir penitencias do que para formar seres humanos dignos. Enquanto esta for a lógica fica mais fácil manipular as leis a serviço de poucos..
Camila
14 de novembro de 2013
Excelente!
André Tietz
14 de novembro de 2013
Elemento de alta periculosidade.
Daisy Costa
15 de novembro de 2013
Mais uma vez os vereadores da câmara de piracicaba, e mais um figurão, como de costume, “pisaram na bola” e deram uma escorregada feia. Estão alardeando vitória quando não houve vitória alguma, conforme bem esclarecido neste artigo fundamentado na lei. O que circula nas falácias da câmara seriam conversa mole com tons inescrupulosos.
Que feio, hein!?
Eduardo
19 de novembro de 2013
Não é um elemento que tenha que pagar indenizações e sim ficar preso num hospício!!! rs