O “Rolê” dos Indesejáveis. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 22 de janeiro de 2014 por

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Você não é bem vindo naquele lugar. Lá, recebe olhares frios, hostis, de desprezo e até mesmo de medo. Os seguranças o acompanham de perto, às vezes ostensivamente. Você é jovem, e como todos os jovens, um tanto inseguro, desejando encontrar uma identidade e a aceitação dos demais. No entanto, o que você percebe é que é indesejável naquele lugar. Você e os seus amigos. Não adianta o fato de que você está usando roupas novas, ás vezes, até mesmo de grife. Não adianta o fato de que você está com um tênis novo. Você continua sendo mal visto, olhado com desconfiança, enfado e até mesmo repulsa, já que suas poucas roupas novas não escondem sua condição social.  No bolso você tem algum dinheiro, mas não muito. O suficiente para um sorvete, um refrigerante ou um suco. Mas não para as roupas bonitas, os tênis e sapatos, os relógios ou mesmo as lanchonetes e restaurantes. Você sente sua fragilidade lá. No templo do consumo, onde tudo está à venda e tudo é feito para criar o desejo (que, diga-se de passagem, jamais deve ser plenamente satisfeito, caso contrário o cliente não volta) você não pode consumir. E se não pode consumir, não é nada. Ou melhor, é. É indesejável! Alguém que atrapalha, polui o “ambiente”, toma o tempo dos vendedores e usa a estrutura que se destina aos pagantes.

E de repente, você não está sozinho. Você é “muitos”. Está com os seus amigos, com aqueles que são como você, indesejáveis. Você combinou com eles. E com eles está mais “seguro”. Melhor ainda, pode ver, agora, mais temor nos olhos dos outros do que o desprezo e a repulsa. Não é necessário fazer nada. Basta estar ali em grupo, em um grande grupo e as coisas mudam. Aquilo que o expulsava, agora o teme. Não é bom, na verdade. Seria melhor ser bem tratado e poder comprar; sim, comprar, se “afogar” em toda aquela “felicidade” a venda. Mas você não tem como aumentar o dinheiro em seu bolso, não pode comprar. Pode aumentar seu grupo, mas não o seu dinheiro. E isto, ah, isto já é alguma coisa. É uma vingança e um lembrete. Sim, somos indesejáveis, não podemos comprar, nossas roupas novas não são do mesmo padrão das suas e até a cor de nossa pele não é exatamente a que seria melhor aceita. Mas nós somos muitos, nós somos a verdadeira maioria.

Alguns lhe dizem: por que não vão se reunir em outro lugar? Você se reúne em outros lugares, mas ali, ali é o shopping, o centro de tudo, da sociedade em que você vive. A sua casa é na periferia, e lá é apenas a periferia. O centro está aqui. Este “buraco negro” que suga tudo e todos para manter a indústria e o comércio funcionando. A propaganda “não mente”. No centro está a beleza, o bem estar, o prazer. E tudo a venda. É por isto que você vai. Porque todos são convencidos a ir, só que nem todos são bem vindos.

Alguns dizem: “trabalhe, ganhe dinheiro e então vá gastar no shopping”. É, você pode trabalhar, mas com o que sabe, o que estudou e a que foi condicionado desde criança, sua chance não é muito boa. Claro, você pode trabalhar no shopping… Sempre precisam de atendentes de lanchonete, que podem ter sua foto presa na parede como “funcionário” do mês. Mas seu futuro não promete o acesso total ao consumo. Talvez em suaves prestações, mas só depois. Agora não. Talvez nem no futuro. Afinal, qual seria o custo da mão de obra se não existisse a “periferia” para fornecer o trabalho abundante? É, talvez nem no futuro você seja bem vindo. Não é o seu lugar.

Mas você vai. E vai em grupo. E se sente forte. E agora é temido e não esnobado. O “Senhor Shopping” tem medo de você, tem medo de você fora do seu lugar e, no entanto, você está lá, onde eles não o querem. E você corre, seus amigos correm. Todos se assustam e fecham as portas. Você ri,  vocês riem, até que as sirenes da polícia vem lembrar qual é o seu lugar…

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