SALÁRIO DE VEREADOR. A NOVIDADE É A MISTURA. Por Régis Bender Montero

Posted on 24 de março de 2014 por

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aumento vereadores

 

Está em discussão na Câmara de Vereadores de Piracicaba uma nova proposta de aumento dos subsídios dos vereadores. A bem da verdade, é preciso esclarecer que não se trata de aumento, mas de recomposição inflacionária. Ao menos é isso que diz o Projeto.

 

Eu poderia lembrar que, pelas regras constitucionais, o subsídio para uma legislatura é votado na legislatura anterior, que o subsídio anterior era de R$ 6.500,00 e o atual é de R$ 10.900,00, o que representa um aumento de mais de 66%. Lembrar que o aumento dos servidores municipais na mesma ocasião ficou em torno de 6%, que essa diferença nunca foi explicada, nunca foi justificada, nunca foi aceita. Poderia lembrar que 25 mil piracicabanos assinaram um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para revogar esse aumento e poderia também lembrar que 25 mil é número superior ao total de votos recebidos por todos os Vereadores da atual legislatura. Poderia lembrar que são raros os Projetos de Iniciativa Popular feitos em toda a história de nosso país e essa raridade decorre das próprias dificuldades que lhe são inerentes, tendo em vista, principalmente, o imenso número de assinaturas exigidas para que ele exista (5% dos eleitores). Poderia lembrar que, por conta dessa enorme dificuldade, em toda sua história, Piracicaba teve apenas dois Projetos de Iniciativa Popular, fato que testemunha a força do desejo popular que esteve presente em cada um deles, o que, para bom entendedor, é sinal claro de que esse aumento salarial não foi aceito pelo povo.

 

Eu poderia lembrar outra ocasião em que a sociedade brasileira se uniu para construir um Projeto de Iniciativa Popular, que foi o caso da Lei da Ficha Limpa, aprovada pelo Congresso Nacional e mantida pelo Supremo Tribunal Federal quando sua constitucionalidade foi questionada. Eu poderia lembrar que, contrariando essa experiência anterior, a Câmara de Piracicaba sequer votou o pedido popular de revogação dos subsídios, pois seu Excelentíssimo Presidente o engavetou, antes mesmo de colocá-lo em tramitação. Lembrar que contra essa decisão os integrantes do Reaja Piracicaba impetraram mandado de segurança e que em casos anteriores semelhantes o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que julgará esse mandado de segurança, já declarou que a rejeição de projeto de lei não pode decorrer de ato exclusivo do presidente do Legislativo, pois a matéria deve ser votada por todos os vereadores. Lembrar que o Ministério Público, em todos esses casos mencionados, inclusive em nossa cidade, sempre se manifestou pela tramitação da Iniciativa Popular no Plenário da Câmara, reafirmando a razão do Reaja Piracicaba na ação por ele movida.

 

Enfim, há muito o que se lembrar quando o assunto é o aumento da remuneração de nossos Vereadores e nada é favorável a esse aumento. A não ser o argumento ao qual eles sempre recorrem, a saber, que a Constituição Federal o autoriza. E, diante disso, eu poderia lembrar, mais uma vez, que com todo respeito às opiniões diversas, eu discordo desse argumento, por considerá-lo decorrente de uma interpretação superficial e exageradamente formal da nossa Constituição, que deixa pra trás outros tantos mandamentos dessa mesma norma.

 

Todas essas lembranças poderiam ser feitas e aprofundadas, mas a meu ver isso seria uma deslealdade para com o leitor, pois são assuntos velhos e já debatidos exaustivamente. Mais produtivo é falar da novidade.

 

O PL 249/14 tem 5 artigos: o 5º fala a data em que entrará em vigor, caso aprovado; o 4º indica as fontes de receitas utilizadas para o aumento; o 3º indica uma tabela de valores criada em um Decreto Municipal; o 2º fixa em 5,44% o reajuste dos Vereadores. A novidade, o fator surpreendente, está no art. 1º, que trata da remuneração, não dos Vereadores, mas dos servidores do Poder Legislativo, concedendo-lhes 5,44% de reajuste, mais aumento de 2,43%. Na justificativa do PL consta que esses índices recompõem a inflação e concedem aos servidores aumento real. Eu não conferi os números e não posso me manifestar sobre isso.

Mas o ponto que choca é outro. O fato é que quando os Vereadores votaram os 66% de aumento de seus subsídios, fizeram isso em uma lei só pra eles; os 6% dos servidores foi fixado em outra. Os 66% geraram revolta popular, mas nenhum cidadão piracicabano se opôs ao reajuste dado aos servidores. Ao contrário, houve até muita gente que, citando o exemplo dos professores, gostaria que o reajuste desses trabalhadores tivesse sido muito maior.

 

Com a novidade do atual PL, os mesmos Vereadores que um dia passaram a utilizar grades, vidros e força policial para marcar bem sua distinção, agora misturam tudo, de forma que a discussão está sendo direcionada para os seguintes termos: quem é contra o aumento dos Vereadores também é contra os servidores do Legislativo.

 

Os Vereadores já perceberam que as barreiras por eles até então utilizadas não foram suficientes para afastar o povo da Câmara e agora devem, com razão, estar supondo que haverá novos gritos de protestos. Mas sabem, da mesma forma que, misturando tudo, poderão contar também com a voz favorável de outras pessoas, ou seja, dos servidores que, legitimamente, gritarão pela aprovação do PL, embora por razões muito diferentes. Seria esse o motivo da mistura?

 

Régis Bender Montero é Servidos Público e ativista.

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