Ele chegou antes do sol nascer. Sentado de lado de fora do Templo, ensinava o povo, que aos poucos o cercava por completo. Dava para ouvir o zunir de um inseto, tamanha a atenção que despertava. Suas palavras calavam fundo. Alguns gostavam, outros não; indiferente, ninguém. Calavam fundo porque vinham de encontro aos profundos anseios da alma humana; e deixavam claro que quanto mais humana mais divina se torna a pessoa; portanto realizada. Torciam nariz os que ensinavam o contrário e, por negarem a própria essência, criaram compensatórias estruturas, sempre opressoras porque excludentes. Logo, não era bem vindo quem tentasse desmascarar o esquema.
Dentro do Templo não podia porque ele não pertencia ao clero; era um leigo que “nunca estudou”‘. Além do mais, da região donde tinha raízes se dizia não vir gente que prestasse; e para encerrar o papo lugar de ‘Zé povinho’ nunca foi dentro. Estava fora porque ele próprio se apresentava como novo Templo aos que tinham fome e sede de justiça. Dá pra imaginar o que tramavam contra ele por trás das colunas daquele imponente edifício, onde religião, política e poder formavam um só deus.
Dito e feito. Colocaram no meio uma mulher que diziam ter sido pega em adultério. A lei mandava apedrejar a mulher e o homem que com ela adulterou. Só a mulher foi trazida. Ele não deu muita bola, mas exigiam sua posição já que prezava mais o ser humano que a Lei. Levantando-se virou gigante. Passando o olhar por todos mandou que atirasse nela a primeira pedra quem deles não tinha pecado. O suspense parou a Terra. Plenamente seguro de si e ciente da solidez de seu ensinamento, sentou-se novamente, e na areia escrevia com o dedo coisas que só Deus sabe.
O ensurdecedor silêncio somente foi quebrado com o som seco advindo das primeiras pedras caindo ao chão, a começar das mãos mais velhas para as mais novas. De juízes viraram réus. Os mais velhos são velhos porque os preconceitos os mantêm em zona de conforto; as leis lhes trazem segurança’; a justiça vale mais para seu deus que a solidariedade e, pior de tudo, procuram enquadrar os jovens.
Ele ficou sozinho; a mulher ali no meio. A farsa foi desmascarada. O sistema que exclui e depois condena o excluído foi desmontado. Levantando-se perguntou à mulher onde estavam os que há pouco queriam sua morte e se alguém a havia condenando. “Ninguém, Senhor!” O único com autoridade para julgar e condenar respondeu: “Eu também não a condeno. Pode ir, e não peque mais”. Não se destrói o mal eliminando quem o cometeu, mas oferecendo-lhe uma vida melhor. Se o tempo que gastamos julgando e condenando for empregado na prática do bem o mal morrerá por si.
Durante a Semana Santa, vejo ‘Jesus’ sendo crucificado de Norte a Sul do país em tocantes encenações de sua Paixão. Tudo a ver porque na verdade seu sofrimento perdura nos milhares de pobres, negros, doentes e marginalizados que lotam cadeias, cortiços, favelas, prostíbulos, alojamentos, abrigos e becos. Como aquela mulher sem nome, foram criados por um sistema iníquo a fim de serem usados, abusados e descartados. Somos uma sociedade sem compaixão. Os poucos privilegiados que habitam a orla e os que gozam de prestígio são incapazes de ver nos desfigurados carne de sua carne, sangue do seu sangue. Desse modo nunca teremos paz, porque segurança e injustiça não habitam a mesma casa.
Se ainda não percebemos que a degradação do outro compromete a segurança de todos; que isso não se consegue com PIB elevado, mas com fraternidade e ser fraterno depende de nós, talvez Jesus nos diga: “Eu vou me embora e vocês vão me procurar, mas vocês vão morrer no seu pecado. Para onde ou vou vocês não podem ir. Vocês são cá de baixo, eu sou lá de cima”.
Antônio Carlos Danelon, o Totó, é assistente social. totodanelon@ig.com.br
Carla Betta
18 de abril de 2014
“Eu vou me embora e vocês vão me procurar, mas vocês vão morrer no seu pecado. Para onde ou vou vocês não podem ir. Vocês são cá de baixo, eu sou lá de cima”.
Querido Totó, o artigo é excelente, mas a frase que transcrevi acima é muito amarga e não creio que Jesus a proferisse! Acredito mais neste escrito de Chico Xavier e na esperança de dias melhores, de uma Terra mais evoluída e de que Jesus está no comando:
“Tudo passa…
Todas as coisas na Terra passam.
Os dias de dificuldade passarão…
Passarão, também, os dias de amargura e solidão.
As dores e as lágrimas passarão.
As frustrações que nos fazem chorar… Um dia passarão.
A saudade do ser querido que está longe, passará.
Os dias de tristeza…
Dias de felicidade…
São lições necessárias que, na Terra, passam, deixando no espírito imortal
as experiências acumuladas.
Se, hoje, para nós, é um desses dias,
repleto de amargura, paremos um instante.
Elevemos o pensamento ao Alto
e busquemos a voz suave da Mãe amorosa,
a nos dizer carinhosamente: ‘isto também passará’
E guardemos a certeza pelas próprias dificuldades já superadas que não há mal que dure para sempre,
semelhante a enorme embarcação que, às vezes, parece que vai soçobrar diante das turbulências de gigantescas ondas.
Mas isso também passará porque Jesus está no leme dessa Nau
e segue com o olhar sereno de quem guarda a certeza de que a
agitação faz parte do roteiro evolutivo da Humanidade
e que um dia também passará.
Ele sabe que a Terra chegará a porto seguro
porque essa é a sua destinação.
Assim, façamos a nossa parte o melhor que pudermos,
sem esmorecimento e confiemos em Deus,
aproveitando cada segundo, cada minuto que, por certo, também passará.
Tudo passa…
exceto Deus.
Deus é o suficiente!”
Totó
19 de abril de 2014
Obrigado Carla por ler, elogiar, comentar o texto e pela bela mensagem do Chico. Sei que você é a esperança viva e concordo plenamente que o ser humano tem liberdade para fazer o mal que quiser, mas no comando está a mão poderosa de Deus que conduz a humanidade para o bem sempre. Quanto à frase em destaque está no capítulo 8 do Evangelho de São João. Se Jesus disse não sei mas está lá.
Carla Betta
19 de abril de 2014
OI, Totó, desculpe a ignorância, sou mesmo pouquíssimo expert no Evangelho e na Bíblia menos ainda. Mas, espantou-me a frase, entretanto, com a sua indicação e lendo-a no contexto, ela fica compreensível. Grata por me esclarecer! Grata pela paciência com os meus palpites, apesar da minha ignorância. Abraços.