O Rio e a Solidariedade. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 24 de janeiro de 2013 por

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Nos conflitos entre a polícia e a população, um jovem foi morto em Cochabamba

Nos conflitos entre a polícia e a população, um jovem foi morto em Cochabamba

No último dia 10/12/2012, o projeto de lei 291 do Executivo, que trata da permissão de venda de água aos municípios vizinhos pelo SEMAE seria apreciado na Câmara dos Vereadores. Antes disso escrevi uma carta me posicionando contra o projeto e a enviei a todos os vereadores, esta mesma carta foi publicada no JP no dia 12/12/2012. Não por minha carta, mas pelo mínimo bom senso, a Câmara houve por bem adiar a discussão em prol de um debate mais amplo. Destaco, inclusive, a ação dos vereadores Longatto, Paiva e Trevisan na proposição do adiamento. No dia 13/12/2012, o presidente do SEMAE, engenheiro Vlamir Augusto Schiavuzzo, publicou, também no JP, um artigo defendendo o projeto de lei. Na sua argumentação, ele não respondeu nem uma das críticas que fiz ao projeto, mas é de se esperar que ele tenha escrito o seu texto antes de ler o meu, sendo então compreensível a ausência de respostas. O que eu não posso compreender, no entanto, é a ausência de alguns argumentos sólidos sobre os aspectos práticos da questão que deveriam, a meu ver, serem considerados numa discussão desta relevância, particularmente por alguém que preside o Serviço de Água e Esgoto de nossa cidade. São pontos relativos ao crescimento da população, aumento da demanda e os custos de reativar as ligações de água com cidades limítrofes. Também pontos relativos a contratos e convênios.. Se o projeto de lei for reconduzido pela próxima administração, penso que terei a oportunidade de discuti-lo a partir do que já elenquei, com dados mais refinados e na companhia de colegas da área.

Por ora, gostaria de abordar algumas das afirmações feitas pelo Sr. Schiavuzzo no seu artigo de 13/12/12. Ele afirma que é falta de solidariedade nós, que temos um rio cortando a cidade, não aprovarmos a venda de água para cidades vizinhas que tem falta crônica. Bem, não sei se o rio de que ele fala é o mesmo que eu conheço, porque se for o Piracicaba, então tem algo de errado na fala. O rio que “corta nossa cidade” só contribui com 0,4 m³/s dos 2,4 m³/s que consumimos. O grosso, (2,0 m³/s) são retirados do Corumbataí, que aliás, segundo o DAEE, já não pode contribuir com mais porque está no seu limite.

Além disso, tanto o Rio Piracicaba quanto o Corumbataí, tem má qualidade de água para abastecimento urbano, como demonstram os dados da CETESB (verificáveis no site do órgão) o que dificulta a transformação de suas águas em águas potáveis. Daí vem minha dúvida, com o que vamos nos comprometer, com a venda de um recurso que estamos cada vez mais arriscados a perder?

A segunda afirmação do Sr. Schiavuzzo que comento, é a de que a gestão privada de recursos hídricos, através do que agora se costuma chamar de “parceira público privada” (nome novo para prática antiga) tem sido aplicada no exterior com sucesso. De fato, a partir dos anos 80 com a onda neoliberal, isso ocorreu. Mas hoje a tendência é outra. A partir dos anos 2000, dada a má qualidade dos serviços prestados e a importância dos recursos hídricos, cujo acesso, aliás é garantido pela Declaração dos Direitos Humanos, foram reestatizados os serviços de água de Grenoble, Paris, Munique, Stuttgard, Berlim, Cochabamba, Buenos Aires, Montevidéu, Nairóbi, Johanesburgo e outros. Ou seja, as “PPP’s” de água estão sob fogo cerrado no mundo todo, menos aqui. E não só fogo cerrado em termos de crítica, mas em termos de conflitos físicos como os ocorridos na Bolívia (Cochabamba). Existe uma farta bibliografia sobre isso que eu posso apresentar, se for necessário.

Por último, resta a afirmação da necessidade de sermos solidários. Concordo plenamente. E imagino que o Sr. Schiavuzzo tendo sido já prefeito de Saltinho, esteja bastante preocupado com a falta de água lá. Mas me parece que ser solidário não significa assumir compromissos que, a médio e longo prazo talvez não possamos cumprir. Ao contrário, solidariedade no caso seria, a meu ver, buscar num contexto de cooperação, alternativas de captação de água para os municípios que sofrem a sua falta. No exato momento em que escrevo, inicia-se uma nova chuva, ontem, segundo dados da meteorologia, choveu aproximadamente 19 mm cúbicos na região. Isso significa dezenove litros de água por metro quadrado. É um recurso precioso que pode e deve ser captado e utilizado. A ONG “Vira Lata, Vira Vida” tem um projeto em seus canis que, com água das chuvas de verão captadas por suas calhas, pode vir a suprir as necessidades da Instituição por dez meses. Por aí se pode averiguar o potencial desta forma de captação. Claro que podemos argumentar que são necessárias tecnologias mais adaptadas para isso, no entanto, desenvolver estas tecnologias é uma parte fundamental da busca daquilo que chamamos “desenvolvimento sustentável”. Os recursos intelectuais para gerar tais tecnologias estão na cidade e no entorno. Eu preciso citar o número de faculdades e centros de pesquisas que temos aqui e na região? Creio que a “solidariedade” deve se estender para todos, piracicabanos e vizinhos. Mas isso se faz com estudo, pesquisa e geração tecnológica para se garantir o futuro, e não com manobras rápidas, porém insustentáveis.

Você pode ver os posts anteriores sobre o assunto nos links:

https://blogdoamstalden.com/2012/12/12/mensagem-enviada-aos-vereadores-de-piracicaba-por-luis-fernando-amstalden/

https://blogdoamstalden.com/2012/12/10/projeto-de-lei-permite-ao-semae-vender-agua-tratada/

 

Posted in: Artigos