Tiago Zenero foi meu aluno. E quando um ex aluno cresce, se desenvolve, claro que seus ex professores ficam orgulhosos. Mas, mais do que orgulhoso, eu sinto um agradável sensação de dever cumprido. Uma certa tranquilidade em relação a minha vida que, afinal, ajuda em alguma coisa. Agora Thiago está nos EUA e nos honra com esta primeira reportagem internacional no Blog. Aproveitem. (Amstalden)
Depois de uma caminhada de meia hora em um frio de -16ºC, à noite, chego a um complexo de casas bem simples, mal iluminadas e com aspecto sombrio. Números pintados à mão em portas verdes descascando indicavam os endereços.
Foi assim que encontrei a casa de Raeed Khadida, um iraquiano refugiado em Lincoln, Nebraska, nos Estados Unidos desde julho de 2012. Mas que até então não passava de um desconhecido para mim. Ao entrar, um banquete me esperava sobre a mesa, com comida típica do Iraque, bebidas e até um jogo de louça especial. A mesa detalhadamente preparada se destacava da simplicidade do resto da casa, que se resumia a quatro cômodos e um banheiro. Mas que eram suficientes para ele, a mulher e os dois filhos.
Além da refeição, ganhei uma história fascinante, que relata preconceitos de uma vida sofrida e a luta de iraquianos discriminados no próprio país, refugiados nos Estados Unidos, mas persistentes para manter a cultura e tradição com seus filhos.
Depois de tomarmos um chá típico do Iraque, Raeed conta que trabalhou como tradutor para o Exército Americano na Guerra do Iraque – ele fala fluentemente árabe, curdo e inglês. Sobre o posicionamento dos americanos em seu país, ele comenta: “alguns chamam de invasão, eu prefiro dizer que foi uma libertação”.
A Guerra do Iraque foi liderada pelos Estados Unidos junto com a Inglaterra, teve início em 2003 e terminou apenas nove anos depois. A principal justificativa do então presidente americano George W. Busch era que Saddam Hussein, que era presidente do Iraque desde 1979, desenvolvia armas nucleares, capazes de colocar em risco toda a humanidade.
Dos nove anos de guerra, Raeed trabalhou durante sete para o Exército e, em 2011, quando a Guerra terminou, ele foi visto como traidor pelos religiosos extremistas de seu país. “Eu não sou mulçumano, mas no Iraque não temos muita liberdade de escolha. Eu respeito todos eles, todas as religiões, mas eles não aceitavam as minhas escolhas”, declara.
Constantemente, ele recebia ameaças de morte por telefone ou pelo correio. Ele temia por sua vida e de sua esposa. Fora isso, era insultado nas ruas e proibido de entrar em certos lugares religiosos.
Como trabalhara muitos anos para os americanos, Raeed entrou em contato com um amigo que fizera no Exército e que mora em Lincoln, para pedir refúgio no país. Seu amigo o encaminhou para o Catholic Social Service, que é uma das instituições responsáveis por alocar os refugiados nos EUA.
Assim, ele conseguiu o visto especial para imigrantes intérpretes que trabalharam no Exército, e em alguns meses pode se mudar para o novo país. O Catholic Social Service arranjou uma casa para a família e ofereceu benefícios de alimentação, higiene pessoal e financeiro por oito meses, um período no qual ele devia reformular sua vida, conseguir um emprego e se sustentar por conta própria.
Até o momento, Raeed ainda está desempregado, pois o seu diploma não vale nos Estados Unidos. Tanto ele, quanto a esposa e os filhos estão estudando, fazendo cursos preparatórios, escola regular e curso de inglês.
“Eu pensei que seria muito difícil construir minha vida desde o início em outro país. Mas como eu já falava inglês, isso foi um grande passo para mim. Minha mulher só fala curdo, ela tem aulas de inglês, mas é difícil para se comunicar com os americanos”.
Apesar dos filhos estudarem no Jardim Infantil americano e já entenderem bastante o idioma, eles conversam em curdo dentro de casa. “A língua, a comida, as tradições, é isso que nos mantém vivos, por isso que cultivo aqui com a minha família”, conta Raeed.
Lincoln, segundo ele, é o melhor lugar para criar os filhos. No Iraque, muitas pessoas não têm eletricidade ou água limpa para beber. Já nos Estados Unidos, de acordo com ele, a vida é muito corrida, cheia de tarefas para fazer, não há tempo para pensar no sofrimento.
Nesse momento, ele para de falar em inglês comigo, se vira para a esposa e conversa com ela em curdo. Ela serve a comida iraquiana nos nossos pratos, mas não se senta a mesa, nem come conosco. Depois ela se retira.
Raeed conta que foi sua esposa que cozinhou tudo aquilo, e que ela é uma excelente cozinheira, que pode fazer comida para um exército inteiro em um tempo muito curto. Fala também que ele não é radical como algumas pessoas em seu país, ele respeita as vontades dela, e não a obriga a cobrir o rosto com o véu. Mas mesmo assim, ela não pode se sentar a mesa conosco, ela come somente quando me retiro da casa.
Um último problema que Raeed me conta antes de nos despedirmos é sobre sua mãe. Ela ficou no Iraque e está tendo alguns problemas burocráticos para conseguir ir aos Estados Unidos. Ele se preocupa muito com sua segurança por lá.
E, quando eu pergunto se ele algum dia voltaria para o Iraque, ele me responde com sinceridade: “só se minha mãe precisasse muito de mim. Mas por vontade própria, não. Lá é uma falsa liberdade, eu vivia como se estivesse na prisão”.
Tiago Zenero estuda Jornalismo na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e atualmente é bolsista da CAPES no programa Ciência Sem Fronteiras, pelo qual está nos Estados Unidos matriculado em Jornalismo na Universidade de Nebrasca – Lincoln (UNL)
Veja se assim esta bom, se estiver muito longo, pode diminuir alguma coisa
Alexandre Diniz
25 de fevereiro de 2013
Os curdos possuem uma história muito triste. Quase similar aos palestinos, perderam suas terras e nacionalidade. Se nossa luta na Palestina continua viva e bastante divulgada pela mídia, a dos curdos é quase esquecida.
Sei de muitos curdos que sofreram nas mãos de Saddam. Outros tantos sofrem ainda preconceito no Iraque, Irã, Turquia… tudo porque são de uma nacionalidade apagada no mapa. Também sei de outros que acreditaram nas alianças ocidentais para a retomada curda ao poder.
Não concordo com a invasão ocidental no Iraque. Saddam foi um álibe para pontos estratégios dos Estados Unidos no Oriente. (assim como o apoio “invisível” dos Estados Unidos na Siria).
Nenhuma arma química foi encontrada no Iraque! Os conflitos sunitas, shiitas e católicos não existiam durante o governo de Saddam. E se Saddam foi enforcado por matar curdos, quem será enforcado pelos massacres no Vietnã, em Hiroshima e Nagazaki??
Inshallah os oprimidos sejam ouvidos. Inshallah haja justiça.
Valéria Pisauro
25 de fevereiro de 2013
Tiago, belo depoimento e uma experiência fantástica.
Parabéns!