O Deputado e as Florestas. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 13 de maio de 2012 por

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No dia 25 de Abril de 2012 a Câmara dos Deputados votou o Código Florestal de maneira que as alterações anteriormente feitas e aprovadas pelo Senado fossem descartadas. O Deputado Federal, Antônio Carlos Mendes Thame, eleito pela minha região e, portanto, delegado da população daqui para a defesa de nossos interesses, votou contra o texto do Senado. Confesso que fiquei muito surpreso porque Mendes Thame tem um programa de TV sobre sustentabilidade e defende a Bacia do Piracicaba, logo seu voto pareceu-me uma enorme contradição. E uma vez que o Deputado me representa, além de, é claro, milhares de outros cidadãos, enviei a ele uma mensagem questionando seu voto. Dando um exemplo de democracia, Mendes Thame respondeu com um artigo no qual defende seu voto. Ambos podem ser vistos neste Blog (Mail ao Deputado Thame e Um Código sem Anistia).

Aguardei até agora porque queria que ambos os tópicos, meu questionamento e a resposta, fossem visualizados e avaliados pelos leitores. Agora, creio que já é tempo de fazer minhas considerações sobre a resposta do deputado e as consequências maiores do texto aprovado (também) por ele.

Quer me parecer que o Deputado Thame em sua argumentação não esclarece um ponto fundamental. De fato, no seu artigo, o afirma que “o que o texto aprovado prevê não é anistia, e sim a conversão das multas que só ocorrerá se o produtor efetivamente (não?) se adequar à nova lei. Isso não é perdão de multa e sim uma troca pela adequação, o que em Direito se chama “transação”. No caso, o produtor terá que aderir ao “Cadastro Ambiental Rural” (CAR) e ao “Plano de Regularização Ambiental” (PRA), ferramentas essenciais para ajudar a criar uma governança sobre uso da terra no Brasil”.

Ocorre que a demora em aprovar o código irá (como informa o jornal Folha de São Paulo do dia 05 de Março de 2012) permitir que grandes desmatadores  efetivamente multados possam, agora, “adequar-se” conforme, ao Cadastro Ambiental Rural” (CAR) e ao “Plano de Regularização Ambiental” (PRA) evitando a multa. Esta, por sua vez, deve ser aplicada caso tais proprietários não façam a sua “adequação”.

No entanto, se o fizerem, estarão isentos de pagar os valores que agora devem. E o que eles darão em troca? No que consistem a “adequação” e a “transação” que o Deputado aponta? Segundo o mesmo artigo da Folha, consistem em: “três alternativas: recompor a reserva legal (metade da área pode ser com espécies exóticas), permitir a regeneração natural ou comprar área de vegetação nativa de mesmo tamanho e bioma do terreno desmatado”.

Vamos refletir sobre cada uma delas. A primeira, recompor a reserva sendo que metade pode ser com espécies exóticas. Espécies exóticas significam quaisquer plantas que não pertençam ao nosso ecossistema original, o que, além de representar uma perda do que se tinha (madeiras nobres brasileiras, por exemplo) permite também que algum “bem intencionado” fazendeiro resolva reflorestar com eucalipto ou outra árvore qualquer que, “casualmente” também pode ser explorada para fins comerciais no futuro. Um tanto cômodo demais para meu gosto.

Na segunda possibilidade, permitir a regeneração natural, o desmatador não estará tendo ônus algum pelo que fez e, pior, nada garante que espécies (e não me refiro somente a árvores, mas todas as plantas, animais, insetos, fungos, peixes e outros seres vivos) que foram extirpadas pelo desmatamento irão se recompor mesmo. O Deputado é agrônomo de formação e milita pela causa ambiental, logo sabe do que eu estou falando. Um pequeno bioma pode conter milhares, milhões de espécies de seres vivos. Mas se houve nele uma intervenção radical, como a retirada da cobertura vegetal e sua substituição por soja ou outros produtos (com a “inevitável” aplicação de agrotóxicos) é muito provável que aquele ecossistema nunca mais se recomponha como da maneira original.

Logo, houve uma destruição que pode nunca ser reparada. Dentre as espécies destruídas, quem garante que não haviam algumas de grande importância ambiental? Talvez em muitas áreas vivessem seres vivos que interessassem a medicina, ao manejo sustentável, a produção de novos materiais. E agora eles se perderam. Os responsáveis por esta perda não precisarão fazer nada, apenas olhar a paisagem desolada esperando que nasça alguma coisa lá. Não precisarão pagar pelo prejuízo que causaram a todos nós, todo o ecossistema e, talvez, a toda humanidade. A meu ver, é como alguém que provocasse um ferimento em outra pessoa e não tem que responder por isso criminalmente ou civilmente, mas que apenas é exortado a não queimar ferir mais e deixar que a ferida do outro cicatrize sozinha. De novo, cômodo demais, para não usar adjetivo mais forte.

A terceira possibilidade fala em compra de uma área de vegetação do mesmo bioma e mesmo tamanho da originalmente destruída. Creio ser a “menos pior” das três, mas ainda é ruim. Vamos pensar juntos: existia uma área de, digamos, mil hectares na região. Um fazendeiro desmatou quinhentos hectares da sua propriedade. Agora tudo o que tem a fazer é comprar (provavelmente bem barato porque não será terra para plantio) os quinhentos hectares que estavam nas mãos de vizinhos. A conta não “fecha”. Continua a haver a perda de metade da reserva original.

Na resposta, o Deputado Thame dá a entender que o Código, conforme o  votou, é uma grande conciliação, destinada a atender os interesses de todos. De novo penso que não é bem assim. Os que são realmente beneficiados pelo Código são poucos, muito poucos se comparados a toda sociedade brasileira e toda população global (o que acontece aqui reflete em todo o mundo, nos diz o estudo ambiental).

Ainda segundo a Folha: “As multas milionárias que devem ser anistiadas (por volta de 103!) somam R$ 492 milhões (60% do total das multas acima de R$ 1 milhão) e se referem à destruição de 333 mil hectares de vegetação -equivalente a duas cidades de São Paulo”. Ou seja, 103 multados deixarão de pagar, se fizerem sua “adequação” (e eu não tenho dúvidas de que o farão), pelo mal que fizeram a milhões. Qual a “conciliação” aqui? Onde os interesses da maior parte da população estão preservados? Vejo 103 beneficiados principais, cento e três madeireiros, donos de frigoríficos, fazendeiros, acima do direito coletivo.

Claro que não são só estes. Outros desmatadores são beneficiados também. E neste caso fica pior, a “anistia/adequação” chega a R$ 8,4 bilhões, que é o total das multas. Dentre todos os “convidados à readequação” estão ainda 48 infratores que respondem processos judiciais por crime contra o ambiente e dez por trabalho em condições de trabalho análogas a de escravos.

A título de exemplo da composição do grupo de beneficiados, volto a citar a reportagem da Folha de São Paulo: O maior (infrator), Léo Andrade Gomes, do Pará, sofreu infrações que somam R$ 32,2 milhões. Derrubou 15 mil hectares de florestas, ou 150 km². O ex-deputado federal Ernandes Amorim (PTB-RO) foi multado em R$ 2,4 milhões por danos ambientais numa área de 1.600 hectares.” Parece-me um grupo bem restrito da nossa população, ou é impressão minha?

Por último, cabe acrescentar que a sensação de impunidade cria condições para que o crime se perpetue. E isso é verdade para qualquer tipo de crime. No caso dos desmatadores, a sua isenção de multas, mediante “readequação” serve como um poderoso incentivo à continuidade das derrubadas. Já o fizeram no passado, saem com pouco prejuízo desta vez, o que os demoverá de fazer novamente se sempre pode ser dado um “jeitinho” como este de agora? Para mim, este Código é a repetição do domínio do interesse de poucos sobre o interesse coletivo, como é marca da História brasileira. Parece que a elite sempre pode contar com o “que em Direito se chama transação” Parece ainda que os deputados não entendem que a dinâmica da natureza é lenta. A recuperação de prejuízos ambientais nem sempre é possível e, quando o é, ocorre em ritmo próprio, diferente do ritmo das eleições. Um ecossistema não se recupera em quatro anos, um mandato sim, mas no final todos saem perdendo porque ”o que acontecer com a Terra recairá sobre os filhos da Terra”.

PS: minhas indagações sobre as áreas de proteção de mangues e topos de morros, feitas no mail ao Deputado ficaram sem resposta, assim não as comentei, deixo a lacuna para a análise dos leitores.

Para ver a íntegra da reportagem da Folha de São Paulo a que me refiro, acesse o link:

 http://www1.folha.uol.com.br/poder/1057064-novo-codigo-florestal-deve-anistiar-75-das-multas-milionarias.shtml

Ou:

http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5647117-EI306,00-Jornal+Codigo+Florestal+deve+anistiar+das+multas+milionarias.html

Para ver a votação dos deputados, acesse:

http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/04/25/camara-aprova-alteracoes-de-relator-sobre-texto-do-codigo-florestal-do-senado.htm

Os artigos anteriores, inclusive a resposta do Deputado Thame, estão, pela ordem, neste blog nos seguintes links:

https://blogdoamstalden.com/2012/04/26/o-codigo-florestal-e-o-voto-do-deputado-thame/

https://blogdoamstalden.com/2012/05/01/mail-ao-deputado-mendes-thame/

https://blogdoamstalden.com/2012/05/05/um-codigo-florestal-sem-anistia/

Pense, duvide, exista e avalie por si mesmo.

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